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QUESTÃO AGRÁRIA
Direção do movimento em SP punirá líder do Pontal; caso expõe disputa entre "nordestinos" e "sulistas"
Julgamento de Rainha pode rachar o MST
JOSÉ MASCHIO
DA AGÊNCIA FOLHA, EM LONDRINA
Um julgamento político pode
expor a público, nesta semana, a
disputa interna que ameaça rachar o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra).
No centro da disputa está José
Rainha Jr., 42, o polêmico líder do
MST na região do Pontal do Paranapanema (extremo oeste de SP).
A direção estadual do MST vai
definir qual punição será aplicada
a Rainha, que saiu da cadeia na
quarta passada depois de ficar
mais de dois meses preso sob acusação de formação de quadrilha.
Ele pode ser deixar de ser coordenador, por exemplo, e os resultados de tal ação são imprevisíveis.
Oficialmente, Rainha será julgado por excessos e por ter tomado
muitos riscos em ações no Pontal
-só neste ano, além de preso,
Rainha foi baleado e liderou a "invasão" de Presidente Prudente.
Essa é a alegação do MST, que
suspendeu Rainha em julho. Mas
o que estará em pauta também será a acusação de malversação das
verbas da cooperativa dos assentados de Teodoro Sampaio, no
Pontal, controlada por Rainha,
que nega haver irregularidade.
Na reunião para julgá-lo, Rainha estará frente a frente com dirigentes do MST no Pontal e o líder considerado seu principal antípoda no movimento, Gilmar
Mauro, 31, que é da coordenação
nacional e estadual paulista. No
movimento, ambos nutrem antipatia mútua cada vez maior.
Ambos encarnam a crescente
divisão dos sem-terra entre os
chamados MST Nordeste, que engloba lideranças consideradas "de
ação", e MST Sul, cujos expoentes
são mais ligados a questões políticas e ideológicas. Na direção nacional, composta por 24 membros e eleita por cerca de 60 coordenadores nacionais, os "sulistas"
têm cerca de 60% dos assentos.
Rainha já deu seu recado, ao sair
da prisão: não aceita deixar o
Pontal "por imposição de ninguém". E falou em nome do MST
sobre novas etapas de luta na região, o que pode ser interpretado
como rebeldia em relação à coordenação estadual, já que a suspensão o proibia de exercer atividade
em nome do movimento.
Visivelmente magoado com o
fato de sua suspensão ter sido divulgada enquanto estava preso,
Rainha tem evitado comentar o
assunto. Mas está na ofensiva.
Desde que saiu da prisão, tem
feito visitas a todos os assentamentos e acampamentos do Pontal, onde é recebido com festa
-de quinta até hoje estavam
agendados cinco churrascos comemorativos à sua liberdade.
A tática é clara: mostrar à direção estadual do MST que detém o
"controle das massas" e que não
deixará o Pontal facilmente.
A divisão interna implica idéias
diferentes sobre como fazer a reforma agrária. Os "nordestinos",
grupo ao qual Rainha se filia, pregam a postura mais agressiva. Já
os "sulistas", de Gilmar Mauro e o
ideólogo do MST João Pedro Stedile, preferem negociação e articulação política.
No Pontal, apesar de Rainha ser
o nome mais conhecido, seu grupo é minoritário na direção regional, mas compensa isso com amplo apoio entre dirigentes de grupos em assentamentos e acampamentos e nas instâncias municipais -o baixo clero do mundo
dos sem-terra, extremamente
fragmentário e no qual as decisões são geralmente autônomas.
Na regional do Pontal, os principais líderes "sulistas" são Valmir
Rodrigues Chaves, Zelitro Luz da
Silva, Márcio Barreto e Cido Maia.
Felinto Procópio, o "Mineirinho",
tende a apoiar os "nordestinos",
mas aparenta neutralidade. Rainha conta com Sérgio Pantaleão e
lideranças em nível municipal. A
Agência Folha apurou que a direção estadual quer transferir Pantaleão e Uéslei Alemão, outro nome ligado a Rainha, para outros
pontos do Estado. A idéia é minar
a influência do líder recém-libertado.
Manoel Messias Bispo de Oliveira, liderança no assentamento
Primavera, em Presidente Venceslau, sintetiza a ascendência de
Rainha. "Não existe MST no Pontal sem Rainha. Não vamos admitir qualquer punição ou o afastamento dele da região", disse.
Oliveira disse que Gilmar Mauro terá que ouvir "o povo que
acampa e que sofre as consequências disso, e respeitar a vontade
desse povo".
João Paulo Rodrigues, da direção nacional e oriundo do Pontal,
diz que "a situação do Rainha ainda não chegou à nacional. A instância de decisão é São Paulo".
Para ele, não há exatamente um
racha em curso. "Existem sim características de dirigentes, uns são
mais orgânicos, organizativos,
outros são de massa, como o Rainha Jr., que é carismático e respeitado por todos. Isso soma e não
divide o movimento."
Outro líder nacional, Jaime
Amorim, de Pernambuco, também minimiza a crise. "Se enfrentamos o governo FHC sem divisões, agora é que a unidade vai ser
maior ainda, pois vamos enfrentar um novo tempo com Lula na
Presidência". Amorim disse que o
impasse vivido no Pontal "será
superado".
A reunião desta semana no
Pontal deverá mostrar o quão superável é a rixa. Nenhum conhecedor do mundo dos sem-terra
arriscaria dizer qual o resultado
de um racha mais profundo, porque até hoje o MST não deu cria a
nenhum movimento rival de porte -mas também nunca uma dissidência teve um líder popular como Rainha.
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