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JUSTIÇA
Advogado não pode ser cúmplice de criminoso, afirma Márcio Thomaz Bastos
Reforma do Judiciário virou "jogo de lobbies", diz ministro
ELIANE CANTANHÊDE
DIRETORA DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
KENNEDY ALENCAR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O ministro da Justiça, Márcio
Thomaz Bastos, 67, diz ser "contra essa legislação de pânico", ao
se referir, em entrevista à Folha,
às propostas de endurecimento
de pena e do tratamento de presos
em tramitação no Congresso.
Pena de morte, prisão perpétua,
aumentar a punição de crimes hediondos só "distraem" a população e criam a falsa sensação de
que o problema acabou.
"Não acho que a lei mude a realidade. A gente tem que transformar os instrumentos do Estado,
senão não vai chegar a lugar nenhum. São a Febem, a polícia, a
Justiça, o sistema penitenciário, o
Ministério Público", afirma.
Ao mesmo tempo, esse paulista
de Cruzeiro que foi advogado por
mais de 45 anos avisa: "Vou gastar
mais um pouco da minha milhagem com a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil). Advogado
não pode ser cúmplice de criminoso. Evitar contato físico e passar por detectores de metais é
aceitável. As comissões de ética da
OAB têm que endurecer".
O ministro critica a proposta de
reforma do Judiciário que tramita
há 12 anos no Legislativo: "Acabou se transformando num produto deformado de um jogo de
lobbies e de pressões".
Apesar de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ter defendido a
abertura da "caixa-preta" do Judiciário", o ministro diz que não
tem prazo para o envio de uma
nova proposta de reforma. Promete insistir no controle externo
do Judiciário, excluído da reforma que está no Senado.
Diz que juízes não são bons gestores e resume sua proposta assim: "Não invade a independência dos juízes, mas visa o cumprimento dos deveres funcionais de
juízes e representantes do Ministério Público e a participação no
planejamento orçamentário". A
seguir, os principais trechos da
entrevista, concedida na última
sexta, em seu gabinete.
Folha -O Planalto avalia que o Ministério da Justiça é excessivamente inflado, tratando de polícia, segurança, penitenciárias, índios, direito econômico. O sr. estuda enxugamento?
Márcio Thomaz Bastos - Ao contrário, o Ministério da Justiça está
aumentando. Nós criamos uma
secretaria para a reforma do Judiciário e estamos fazendo um trabalho teórico sobre a lavagem de
dinheiro no Brasil, que já está resultando em medidas práticas e
vai redundar na criação de mais
um departamento.
Folha - Isso não cria problemas?
Como o sr. pode cuidar simultaneamente de Polícia Federal, direito
econômico, Funai (Fundação Nacional do Índio)?
Thomaz Bastos - Dá, se você souber delegar. Estou fazendo um
aprendizado de administração
pública. Tem de confiar nas pessoas, delegar, cobrar resultados.
Folha - Quando o sr. assumiu,
prometeu reformular a Funai, mas
até agora nada foi feito. O sr. está
sendo criticado, inclusive, por causa da demarcação de terras em Roraima.
Thomaz Bastos - Estamos atrasados nisso. Estou marcando uma
viagem em junho a Roraima e, para não fazer uma viagem dirigida,
estamos levantando a área de Raposa Serra do Sol, que é bem grande, com 160 mil hectares, onde há
um jogo de pressão e contrapressão muito grande.
Folha - O sr. vai homologar?
Thomaz Bastos - A homologação
é inevitável, mas é preciso criar
mecanismos para que isso seja digerível para o Estado de Roraima.
É um caso emblemático da política indígena do governo.
Folha - O sr. pegou um bonde que
já estava andando e parou tudo,
como se desejasse começar do zero. A reforma do Judiciário é um
exemplo. É uma tendência sua?
Thomaz Bastos - Isso não é um
cacoete meu. É opinião teórico-prática minha de que a reforma
do Judiciário que se encontra no
Senado neste momento, se for
aprovada ou se for rejeitada, não
resolverá o problema da Justiça.
Folha - Por quê?
Thomaz Bastos - Ela acabou se
transformando num produto deformado de um jogo de lobbies e
de pressões e não toca nos verdadeiros problemas.
Folha - Exemplo.
Thomaz Bastos - Mudança de
competência, criação de cargos,
mudança na maneira de indicar
os ministros do Supremo Tribunal Federal, súmula vinculante de
maneira inexata, controle interno
do Poder Judiciário. São medidas
assim, tópicas e justapostas, que
não atingem a verdadeira questão
do Judiciário, que é a primeira
instância, a que afeta mais a vida
do cidadão. Não é a reforma radical que queremos.
Folha - O governo insistirá no
controle externo do Judiciário?
Thomaz Bastos - Claro. O presidente tem declarado isso publicamente, e eu também defendo,
mas achamos que não é o momento de discutir isso.
Folha - Não é o momento? Mas
não foi o presidente que ganhou
manchetes criticando a "caixa preta" do Judiciário?
Thomaz Bastos - A questão está
sendo discutida, mas nosso cronograma é diferente. Pretendemos fazer duas coisas ao mesmo
tempo. Uma é o diagnóstico através de pesquisa. Outra é a identificação de certas situações em que
se trabalhou com gestão, com informática, com treinamento de
pessoal, com motivação, com tentativa de diminuição do percurso
judiciário.
Folha - Lula já disse que tem que
votar as reformas da Previdência e
tributária neste ano, porque o ano
que vem é de eleição e ninguém vota nada. A parte legislativa da sua
reforma ficará para 2005?
Thomaz Bastos - O meu prazo é o
mandato do presidente.
Folha - Todos dizem que são a favor do controle externo, mas depende de qual controle externo.
Que modelo defende?
Thomaz Bastos - É extremamente simples. Não invade a independência dos juízes, não tenta controlar a consciência dos juízes,
mas visa a duas coisas: o cumprimento dos deveres funcionais de
juízes e representantes do Ministério Público e a participação de
planejamento orçamentário e financeiro. É só isso.
Folha - E por que eles resistem
tanto?
Thomaz Bastos - Não sei. Acho
que é porque eles trabalharam
muito tempo assim, nesse regime
fechado. Mas nós não vamos fazer
uma reforma contra o Poder Judiciário, mas de dentro do Poder Judiciário. Pretendo convencê-los
de que o controle externo é uma
precondição para que tenhamos
um Judiciário democratizado e
oxigenado. O ministro [Nelson]
Jobim [do Supremo] noutro dia
disse isso, que os juízes precisam
saber que eles não sabem gerir.
Concordo.
Folha - A principal bandeira do
senador Antonio Carlos Magalhães
(PFL-BA) ao voltar ao Congresso na
Legislatura passada foi a reforma
do Judiciário. O sr. foi advogado e é
amigo dele. Ele é um aliado seu na
reforma?
Thomaz Bastos - Ele tem idéias
claras a respeito, apesar de não ser
da área, e deve ajudar, como vários outros deputados e senadores, mas não especialmente.
Folha - No seu encontro com o
presidente do Senado, José Sarney
(PMDB-AP), dias antes da decisão
do Senado sobre ACM, o sr. defendeu salvar o mandato dele?
Thomaz Bastos - Nunca tratei
desse assunto com o presidente
Sarney. Estabeleci uma muralha
chinesa desde que assumi o ministério e não converso sobre assuntos de pessoas que foram minhas clientes. Até evito fazer coisas que seriam legítimas para evitar que digam isso ou aquilo.
Folha - O sr. não acha que, ao falar em "caixa preta", o presidente
acirrou os ânimos no Judiciário às
vésperas de votar reformas constitucionais?
Thomaz Bastos - Acho que levantou o problema e acirrou um pouco os ânimos, mas o próprio ministro Marco Aurélio [de Mello,
presidente do Supremo] já disse
que isso são águas passadas.
Folha - O sr. tem tanta preocupação em dar conotação liberal às
suas posições e ao governo Lula
que vem sendo acusado de ideologizar algumas discussões sobre a
Lei de Execuções Penais, por exemplo. O agravamento de penas e o
corte de benefícios de presos perigosos são coisa da direita, do Paulo
Maluf?
Thomaz Bastos - Esse aí que você
descreve não sou eu. Deve ser algum outro ministro da Justiça,
não eu, que fui advogado de defesa. Digo hoje o que digo há trinta
anos. Eu não acho que a lei mude
a realidade. Para a gente enfrentar
a violência no Brasil, a gente tem
que transformar as instrumentos
do Estado, senão não vai chegar a
lugar nenhum. São a Febem, a polícia, a Justiça, o sistema penitenciário. O que sou contra é essa legislação de pânico, que surge reativamente quando acontece alguma coisa no Brasil, como o sequestro de alguém conhecido ou a
morte de um juiz. Ela não resolve
nada, imobiliza e distrai as pessoas. As pessoas pensam que, subindo a pena, acabou o problema.
E não acabou.
Vou te dar um exemplo de que
não sou essa pomba que você descreveu. Apresentamos agora um
projeto que aumenta o tempo de
isolamento disciplinar para um
ano. Estou levando um pau danado da esquerda, do movimento
antiterror. Não sou ingênuo, mas
fazer a prisão perpétua, a pena de
morte, tudo isso é bobagem.
Folha - O que o sr. acha da promiscuidade de advogados com criminosos presos? Em alguns casos
eles não acabam membros da quadrilha?
Thomaz Bastos - Vou gastar mais
um pouco da minha milhagem
com a OAB. Mas acho que isso
tem que ser repensado. O direito
de defesa, de o preso se entrevistar
com o seu advogado, é indeclinável. Acho que a idéia de evitar
contato físico e passar por detectores de metais é aceitável e que a
OAB tem que endurecer um pouco suas comissões de ética em relação a essas pessoas que são claramente co-autoras de crimes.
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