|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MODOS DE PENSAR
"Não somos conselheiros do rei", diz cientista política; grupo deve manter reuniões com Dulci e outros ministros
Intelectuais se reúnem para "aconselhar" Lula
RAFAEL CARIELLO
DA REPORTAGEM LOCAL
O presidente Luiz Inácio Lula da
Silva passou a poder contar, desde
o último dia 6, com uma espécie
de "conselho" informal de intelectuais para "refletir e propor"
idéias sobre o governo, ainda que
críticas. Terão encontros regulares entre si e devem tê-los também com ministros de Lula.
Cerca de 20 acadêmicos simpatizantes ou ligados ao PT retomaram naquela terça-feira a realização de encontros que boa parte do
grupo mantinha com dirigentes
do partido durante a campanha
de Lula à Presidência. Dessa vez a
reunião foi com o secretário-geral
da Presidência, Luiz Dulci, em
uma casa no bairro do Pacaembu,
em São Paulo.
Entre eles, estão os professores
da USP Paul Singer (economia), a
cientista política Maria Victoria
Benevides (faculdade de educação), Renato Janine Ribeiro (filosofia), Marilena Chauí (filosofia),
o advogado Fábio Konder Comparato (direito), o advogado Dalmo Dallari (direito) e também a
psicanalista Maria Rita Kehl.
Outra reunião com o ministro
Dulci está marcada para o fim do
mês e, segundo Marilena Chauí,
estariam sendo agendados encontros com outros ministros. A
assessoria da Secretaria Geral
confirma as informações. Segundo a assessoria, do mesmo modo
que Dulci procurou esse grupo,
falará também com intelectuais
de outros Estados.
"Não somos conselheiros do
rei", afirma a cientista política
Maria Victoria Benevides. "Não
temos a pretensão de aconselhar
o governo. Temos a pretensão de
discutir. O interesse deles [governo] é ir e conversar com formadores de opinião, estejam ou não
concordando com eles. Nós gostamos muito de poder falar cara a
cara com um ministro, mas não
temos a pretensão de que vamos
aconselhar. Vamos dar a nossa
opinião. Eles aceitarão ou não.
Não temos mandato nenhum."
Retiradas
Alguns antigos integrantes do
grupo que se reunia durante a
campanha, diz Benevides, não
puderam participar da reunião do
dia 6 justamente por estarem no
governo, como, ela cita, o presidente da Radiobrás, Eugênio Bucci, e o porta-voz André Singer.
Outros usaram a mesma frase
de Benevides -"não sou conselheiro do rei"- para explicar o
motivo pelo qual não se reuniriam -como de fato não o fizeram- com o secretário-geral do
presidente Lula.
"Acho que foram retiradas muito honestas. Gente que se retirou
com a maior honestidade, com a
maior gentileza com os colegas e
dizendo 'olha, não me sinto à
vontade'", disse Benevides.
Entre os que não compareceram, a cientista política cita o professor de filosofia da USP Paulo
Arantes. "Saiu o Paulo Arantes,
por exemplo. Ele falou com muita
franqueza, sempre muito educado e gentil. Gostamos muito, é assim que se faz. Ele acha... Eu não
concordo. Nós não somos conselheiros do rei de jeito nenhum." A
Folha não conseguiu falar com
Arantes.
Benevides descreve assim os integrantes do grupo: "São intelectuais que sempre estiveram ao lado do PT e da candidatura Lula. E
que portanto têm um compromisso na medida das suas competências, que é pensar o Brasil, refletir sobre um projeto de desenvolvimento para o Brasil, refletir
sobre propostas de mudança etc.
Mas refletir e propor não é a mesma coisa que aconselhar".
O trabalho do grupo original no
ano passado, ela afirma, era
"acompanhar a campanha como
intelectuais, todos nós muito ligados ao PT desde a fundação, opinando sobre os programas, sobre
a imprensa, dando sugestões".
Entre os que se reuniram no início do mês, Marilena Chauí e Renato Janine Ribeiro não faziam
parte do grupo original.
Da primeira reunião, Chauí diz
trazer a convicção de que a mudança de rumos da política econômica acontecerá. Para fazê-la,
ela diz, Lula foi eleito. "É isso que
vem vindo. Ela virá", afirmou.
"O ministro [Dulci] enfatizou o
fato de que o governo ia entrar
numa segunda fase. O período
chamado de transição está chegando ao fim."
Ela elogiou o fato de o atual governo procurar um contato maior
com a sociedade. "Uma das características contínuas de governos
brasileiros é fazer de Brasília uma
ilha de fantasia", disse.
Maria Victoria Benevides descreveu o procedimento dos assessores de Luiz Dulci e do ministro
durante o encontro em São Paulo:
"Tomaram nota de absolutamente tudo e responderam a tudo que
foi perguntado".
Para Renato Janine Ribeiro, o
encontro demonstra "empenho
do PT de não perder contato com
uma de suas bases tradicionais".
Questionado se o encontro não
poderia servir para o governo tentar neutralizar o aparecimento de
críticas, Ribeiro disse não ter tido
essa impressão.
"Mas evidentemente que quando você abre diálogo você conquista um capital de simpatia. Às
vezes ser ouvido vale mais do que
ser atendido."
O filósofo afirmou ter dito na
reunião que Lula está demorando
a adotar uma agenda de esquerda.
Texto Anterior: Isto é Lula Próximo Texto: Frase Índice
|