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NO PLANALTO
PT vira lobo, mas finge que é vovozinha
JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
A foto do ano saiu nos jornais de
quarta-feira. Lula com os deputados e senadores do PMDB. Um
espetacular resumo gráfico do
ponto a que chegou o PT. Abandonara as velhas convicções. Decidira ser mais realista que o
PSDB. Agora, adere ao seu oposto. E chama o impensável de
"amadurecimento político".
O retrato é a prova insofismável
de que, em política, o cinismo
também pode ser uma forma de
resignação. A imagem fez piscar
um letreiro que há anos reluz na
cabeça do brasileiro: é tudo farinha do mesmo saco.
A ex-virtude não poderia ter escolhido lugar mais apropriado
para posar ao lado da indecência:
a casa de José Sarney. A residência
oficial do presidente do Senado
converteu-se num grotão clássico. Uma arena em que "novo" e
velho chafurdaram no arcaísmo.
Entre nacos de filé ao molho
madeira e frango grelhado com
legumes, entre goles de cerveja e
uísque, tudo convenientemente
bancado pelo contribuinte, deu-se a comunhão dos sem-história
com os sem-biografia.
Falando para uma platéia que
incluía gente como Jader "Sudam" Barbalho e Eliseu "precatórios" Padilha, Lula ofereceu às nódoas que o ouviam a chance de
obter prontuários limpos.
Comunicou-lhes que o passaporte para a remissão é a votação
das reformas. Aprovando-as, serão como que absolvidos do passado. Melhor: serão incorporados
ao futuro, com direito a vaga no
ministério.
Cercado de PMDB por todos os
lados, o Lula sorridente da fotografia investe contra a reputação
do PT. É como se desejasse provar
que o partido não é diferente dos
demais. É como se quisesse deixar
claro que o PT também está sujeito à baixeza geral da política. Nem
às alianças esdrúxulas está imune.
Em cinco meses de exercício do
poder, Lula fez com o PT o que os
inimigos dele tentavam sem sucesso havia duas décadas. Ofereceu em holocausto o maior patrimônio do partido: a presunção de
superioridade moral.
Foi à guilhotina aquela aura de
diferença heróica que distinguia o
petismo. O moralista do PT, sabe-se agora, era apenas um fisiológico que ainda não havia sido apresentado aos apetites e prazeres do
poder.
O caminho não comporta volta.
Coerência é como virgindade.
Perdeu, perdida está. O PT trocou
a castidade pela promessa vaga de
apoio do PMDB. Um partido que
é a favor de tudo e visceralmente
contra qualquer coisa. Desde que
ganhe cargos.
Mais surpreendente do que a inclusão do obsoleto no projeto "renovador" é a indulgência com
que o fato foi tratado pela imprensa. Algo que, para além do fascínio com a maturidade da esquerda, só se explica pela perspectiva
de socorro do BNDES a certos
conglomerados da mídia.
Lula recebe do pseudojornalismo um tratamento ameno. É
apresentado como um presidente
realista obrigado pelas circunstâncias a lidar com políticos viciados. Na versão edulcorada do noticiário, adota meios sórdidos para alcançar fins nobres. Na vida
real, manda às favas a última perspectiva de revisão das práticas
que conspurcam a política nacional.
A atmosfera de tolerância tática
extingue o contraditório. Opositores são transformados em chatos que desejam estragar a festa da
aprovação das reformas. O Congresso dança em ritmo oba-oba.
No poder, o PT ganhou orelhas
de lobo, focinho de lobo e dentes
de lobo. Mas o jornalismo ainda
vende a doce ilusão de que o país
está diante de uma inocente vovozinha disfarçada.
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