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NO PLANALTO
FHC fez um bom governo medíocre
JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Quatro anos depois de ter
vendido a tese de que a felicidade do país dependia de sua
reeleição, FHC paga a conta da
longevidade no poder. Passou a
temer pelo que o futuro dirá dele
quando puder se pronunciar.
Se for inevitável que diga que
ajudou a afundar o aliado Serra,
quer ao menos que lhe renda homenagens pela elegância no trato
com os adversários, especialmente Ciro e Lula.
Tanto melhor se colar o palanfrório de que, no ano da graça de
2002, esteve mais preocupado em
garantir um prefácio suave para
o sucessor do que em evitar um
epílogo acerbo para si próprio.
Ao convidar os presidenciáveis
para a conversa desta segunda-feira, FHC pôs o verbete da enciclopédia acima da conjuntura
eleitoral. Por seu gosto, protelaria
a transição, fazendo-a na hora
própria, depois do segundo turno.
Dói-lhe fundo na alma o reconhecimento, implícito no convite,
da hipótese de vitória da oposição. Aparecerá no programa televisivo de Serra nesta semana. Poderia continuar simulando a
crença no vigor eleitoral do candidato. Mas a possibilidade de
um ocaso turbulento, com as finanças em chamas, fez tremer
sua autoconfiança.
A ruína do real compromete,
aos 44 minutos do segundo tempo, um título que FHC imaginava
estar no papo. O título de presidente da estabilidade econômica.
Daí o esforço para entregar ao
deus mercado mais uma oferenda: a sujeição dos candidatos, sobretudo de Ciro, aos termos do
acordo com o FMI.
FHC deve arrancar dos presidenciáveis o compromisso de
honrar o acordo, tão indesejável
quanto inevitável. Só um tolo dispensaria os US$ 24 bilhões de desembolsos previstos para 2003,
primeiro ano da nova administração.
Não se deve esperar, porém, por
capitulações ao gosto do mercado, escoimadas de floreios retóricos. As pesquisas mostram que,
até aqui, a crítica ao modelo FHC
vem rendendo votos. Renunciar a
ela soaria a suicídio eleitoral.
Aos olhos do eleitorado, a história do governo FHC não é mais do
que uma ponte ligando o sucesso
ao "por outro lado". Com um
abismo no meio.
Ele manteve a inflação baixa.
Por outro lado, permitiu que a
arapuca do populismo cambial
envenenasse o ambiente econômico.
Saneou o sistema bancário. Por
outro lado, proporcionou lucros
indecentes à banca.
Forçou o aumento dos índices
de produtividade da indústria
nacional, expondo-a à concorrência externa. Por outro lado, gerou
desemprego e estagnação econômica.
Introduziu na cena política o
conceito de responsabilidade fiscal. Por outro lado, produziu uma
mastodôntica divida pública.
Manteve a rota de inserção do
Brasil no mundo globalizado. Por
outro lado, provocou uma extraordinária dependência do país
ao capital estrangeiro.
Obteve recordes de arrecadação
de tributos. Por outro lado, desdenhou pragmaticamente da necessária reforma tributária.
Estimulou a ação de Ruth Cardoso à frente do meritório programa Comunidade Solidária. Por
outro lado, manteve intocada a
perversa distribuição de renda.
Privatizou à larga. Por outro lado, não se tem notícia de um palito de fósforos que tenha sido produzido com o dinheiro da venda
dos bens da viúva.
Representou o país com galhardia nos fóruns internacionais. Por
outro lado, fez pouco caso de plagas natais.
Conservou abertas para o Brasil
as portas de organismos financeiros internacionais. Por outro lado, submeteu o interesse nacional
a sufocantes metas de desempenho orçamentário.
Premido pelas circunstâncias,
instituiu um ambicioso programa
de combate à violência urbana.
Por outro lado, permitiu que a
iniciativa se perdesse nos desvãos
da engrenagem pública.
Distribuiu terras à farta. Por
outro lado, esquivou-se de proporcionar infra-estrutura aos assentados.
Governou com maioria no Congresso. Por outro lado, entregou-se à fisiologia com volúpia inaudita.
Confiou o núcleo do governo a
pessoas honradas como Pedro
Malan, Pedro Parente, Paulo Renato e outros. Por outro lado, entregou os fundões da administração pública a jáderes e padilhas.
Não se meteu em imoralidades.
Por outro lado, enterrou vários
escândalos vivos.
Não roubou. Por outro lado,
permitiu que roubassem.
FHC realizou, como se vê, um
bom governo. Tão bom que, decorridos oito anos, angaria nas
pesquisas índices de aprovação
em torno de 20%, 25%. Por outro
lado, fez um governo medíocre. O
que justifica a ira dos cerca de
80% de brasileiros que desejam
mudanças.
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