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NO PLANALTO
Para um salário mínimo, um fisiologismo máximo
JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
No concerto de posições políticas divergentes, o petismo tornou-se notável compositor.
Compõe com todo mundo. No caso do salário mínimo, exibiu suprema astúcia. Pagou e não levou. Nunca se havia negociado
tão mal tão bem.
O petismo diz que não há fisiologia em seus acertos com o Congresso. Não se deve discutir com
peritos no assunto. O repórter relatará abaixo um caso que corrobora o pendor altruísta dos negócios de Brasília.
Lael Varella, eis o nome do nosso protagonista. É deputado federal, eleito por Minas. Pertence à
tribo pefelê. Sob FHC, instalou
um dreno nos cofres do Tesouro.
Sob Lula, o duto continua ativo.
Na arena pública, Lael Varella
é um espírito opaco; um mandato
sem rosto, por assim dizer. Na esfera privada, é um ser luminoso.
Possui distribuidora Chevrolet
em Belo Horizonte e revendas
Scania em Minas, Goiás, Espírito
Santo e Brasília.
Aqui se demonstrou, há três
anos, como os ares de Brasília fizeram bem a Varella. O olfato do
empresário foi estimulado pelo
oportunismo do deputado.
Varella farejou na Comissão de
Orçamento do Congresso um portal de oportunidades. Criou em
Muriaé, reduto eleitoral da Zona
da Mata mineira, uma próspera
entidade.
Chama-se Fundação Cristiano
Varella -homenagem a um filho
do deputado, morto em 1997.
Controla uma emissora de TV e
administra o Centro Brasileiro de
Oncologia Maria da Glória Ferreira Varella. Tributo à mulher
do parlamentar.
Membro do conselho da fundação, o deputado confiou a direção
da entidade a três filhos: Luciano
(diretor-presidente), Misael (diretor-executivo) e Lael Filho (diretor cultural).
A casa hospitalar da fundação
foi integralmente erigida com
verbas subtraídas das arcas do
Tesouro. Dinheiro graúdo: R$
19,7 milhões.
A grana foi liberada em convênios firmados com o Ministério
da Saúde entre 1997 e 2002. Sob os
auspícios de José Serra, ministro
de então.
Embora erguido com verba sua,
minha, nossa, o hospital do deputado não atendia à clientela do
SUS. Só em 2002 credenciou-se ao
sistema público de saúde.
Criada em 1995, só em setembro
de 1999 a fundação dos Varella
injetou o ramo hospitalar em seus
estatutos. Foi uma sábia decisão.
Em seu primeiro ano de vida, a
Fundação Cristiano Varella registrou resultado financeiro modesto: R$ 9.000. Em 2000, já em
contato com o maravilhoso mundo das verbas públicas, anotou
saldo de R$ 18,1 milhões.
Sob o tucanato, os aportes de
Brasília caminharam mais rápido do que as obras do hospital.
Com o caixa repleto, a fundação
dos Varella buscou refúgio no
mercado financeiro. Só em 2000,
o saldo das aplicações lastreadas
em títulos públicos produziu rendimentos de R$ 751 mil.
Na oposição, o PT rosnava contra a apropriação privada de recursos do Tesouro. No governo, o
ex-PT rifa a viúva.
O PFL de Lael Varella é agora
uma legenda de oposição. Mas o
deputado votou a favor do salário
mínimo de R$ 260. Seu voto foi
ditado pelo pragmati$mo.
Em 2003, ano inaugural da era
Lula, o governo brindou a Fundação Cristiano Varella com R$ 1,8
milhão. Em 2004, a entidade obteve mais R$ 1,3 milhão.
O dinheiro de 2004 saiu em conta-gotas. A primeira parcela (R$
650 mil) pingou na conta da fundação em 16 de abril. A segunda
(R$ 650 mil) gotejou em 21 de
maio, no calor das tratativas para
a aprovação do mínimo na Câmara.
Com o TCU no seu encalço, Varella cuidou para que sua fundação fosse credenciada ao SUS. A
partir de 2003, além da grana dos
convênios, passou a receber pelos
pacientes que atendeu. Amealhou
R$ 1,2 milhão entre janeiro e dezembro de 2003. Até março de
2004, recebeu mais R$ 424 mil.
À luz do interesse público, os
milionários investimentos feitos
na fundação privada de Muriaé
revelaram-se ruinosos. Foi muito
dinheiro, pouco benefício.
Esparramado por 18.500 m2, o
hospital da família Varella oferece 127 leitos. Só 85 estão ativos, informa Sérgio Dias Henriques, administrador do "centro oncológico".
Segundo Dias Henriques, o hospital habilitou-se em dezembro
de 2002 a realizar atendimentos
de ponta. A informação destoa da
ficha da fundação guardada nos
arquivos do Ministério da Saúde.
Manuseando o documento,
atualizado em 31 de maio de
2004, o repórter constatou que o
hospital dos Varella não foi nem
mesmo avaliado segundo as
"normas básicas de atendimento
hospitalar do Ministério da Saúde".
A mesma ficha anota que o hospital não foi considerado apto a
praticar procedimentos oncológicos de "alta complexidade". Tampouco está habilitado para práticas menos complexas: videolaparoscopias, radioterapia e testes ergométricos, por exemplo.
Nas palavras de Dias
Henriques, o hospital realiza "algo em torno de 250 internações
por mês". Ou seja, 3.000 por ano.
De novo, os arquivos de Brasília
dizem outra coisa. Atestam que,
em 2003, internaram-se 1.311 pessoas. A média mensal do ano passado (109) é cadente. Até março
de 2004, houve 245 internações
(81 por mês).
Ao rejeitar o mínimo de R$ 260,
na quinta-feira, o Senado devolveu a bola à Câmara. Deputados
menos afortunados que Varella
preparam-se para a segunda rodada de negociaçõe$. Perceberam
que, na Brasília de hoje, como na
de ontem, uma mão suja a outra.
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