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QUAL REFORMA?
Professores lançam documento com críticas à proposta da Previdência
Reforma é sonho neoliberal, dizem intelectuais da USP
PLÍNIO FRAGA
JULIA DUAILIBI
DA REPORTAGEM LOCAL
A insatisfação com a proposta
de reforma da Previdência, enviada pelo governo Luiz Inácio Lula
da Silva ao Congresso, amplia-se
no serviço público e começa a ganhar base no meio intelectual.
Professores de uma das mais
notórias faculdades da USP aprovaram documento em que atacam o projeto previdenciário do
governo Lula, afirmando que ele
"tende a destruir as condições
materiais e morais" das universidades públicas, em particular, e
do Estado, em geral.
Dizem que a reforma "realiza o
Estado do sonho dos neoliberais"
e que "causa espanto a falta de reflexão sobre seus efeitos devastadores" nas carreiras públicas.
Sob a chancela da Congregação
da Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas (FFLCH) da
USP -que reúne diretores e chefes de departamento- o documento foi redigido por uma comissão de professores formada
por Brasílio Sallum Jr., Flávio
Wolf de Aguiar, Francis H. Aubert, Sérgio Adorno, Valéria Demarco e Zilda Iokoi.
"Por incrível que possa parecer
e contra todas as promessas anteriores, a reforma, caso aprovada,
encaminha o país para a realização do anátema máximo reiteradamente lançado contra o governo anterior; ela se orienta no sentido de realizar institucionalmente o Estado dos sonhos dos neoliberais", diz o documento dos professores da USP.
O texto defende a aposentadoria integral para os servidores e a
manutenção da paridade entre
servidores ativos e inativos. Afirma que as mudanças nas regras
desrespeitam "as expectativas de
direito, em razão das quais os docentes universitários e os funcionários de outras carreiras de Estado organizaram suas vidas".
Os professores da USP classificam como "aceitáveis e socialmente justos" dois pontos da reforma proposta pelo governo Lula: a cobrança de contribuição de
11% da parcela de benefícios dos
servidores aposentados que exceder a R$ 1.058 e a fixação da idade
mínima de aposentadoria.
Mas o documento rejeita o tratamento diferenciado de idade
mínima exigida para a aposentadoria de homens (60 anos) e mulheres (55 anos).
"Trata-se de uma anacrônica e
vergonhosa condescendência
machista, na medida em que não
só as mulheres são iguais aos homens em capacidade como têm
uma expectativa de vida maior
que a deles."
No geral, o tom do texto de seis
páginas é de reprovação à forma
como o projeto do governo vem
sendo tocado.
"Chega a causar espanto a falta
de reflexão que a proposta de reforma da Previdência revela sobre
os efeitos desorganizadores que
produzirá no Itamaraty, no Judiciário, no Ministério Público, na
Receita Federal, no Banco Central
e em outros ramos essenciais do
aparelho de Estado, dentre os
quais o sistema nacional de ensino público universitário é uma
parte essencial", afirma.
O documento foi elaborado e
aprovado antes da definição do
relatório final da reforma em discussão no Congresso, concluído
na quarta-feira passada, no qual
foram mantidas a integralidade e
a paridade.
"É verdade que a integralidade
ameniza a situação. Mas é uma
simples concessão à pressão política. Não se trata de uma decisão
orientada para a construção de
um Estado republicano e democrático", disse à Folha Brasílio Sallum Jr., professor-doutor em sociologia. Sallum Jr. exemplifica
com o tratamento dado aos novos
servidores, que terão regras semelhantes às da iniciativa privada.
"A distinção entre as duas modalidades de classe média (a vinculada à empresa privada e a de
Estado) é um dos pontos básicos
do documento que formulamos",
declara o professor.
"A proposta interfere de forma
brutal nas carreiras hoje existentes exigindo, por exemplo, a duplicação do tempo de exercício de
cargo para a aposentadoria integral. Infelizmente, o governo, em
relação à Previdência, age de afogadilho como se fosse biruta de
aeroporto", analisa.
Para Sallum Jr., a gestão Lula
propõe a reforma de um ponto de
vista apenas "fiscalista". "Sem a
perspectiva do Estado que quer
construir. Pelo jeito, hoje só quer
um Estado mais barato."
Brasílio Sallum Jr., que é amigo
do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e próximo do núcleo tucano, reconhece que as
idéias defendidas por Lula começaram a ser esboçadas no governo
anterior. "O governo Lula só exacerbou o que não era bom. O governo FHC teve pelo menos o mérito de introduzir a idéia de carreiras de Estado. Infelizmente, não
incluiu os docentes das universidades públicas contratados em
tempo integral e dedicação exclusiva entre elas", afirma.
Equilíbrio
A socióloga Maria Victoria Benevides -professora titular da
Faculdade de Educação da USP,
amiga e uma das mais próximas
interlocutoras de Lula- classificou como "muito equilibrado" o
documento aprovado na FFCHL.
"É bem feito e defende a universidade pública. Também defendo
a contribuição dos inativos, por
exemplo. Mas ainda estou refletindo sobre o impacto dessas mudanças na Previdência do funcionalismo. Como fica a carreira do
Judiciário é uma coisa que ainda
não tenho clara", diz.
Maria Victoria afirma que está
refletindo sobre a integralidade e
declara concordar com a definição de uma mesma idade para
aposentadoria de homens e mulheres, "desde que sejam observados alguns direitos relativos à maternidade".
Sua restrição é ao objetivo final
do documento da FFLCH. "Acho
que o texto está focado no corpo
docente universitário. Deveria
dar mais atenção aos professores
primários e secundários", avalia.
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