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QUAL REFORMA?
Para José Murilo de Carvalho, "populismo" pode afetar governabilidade ao jogar opinião pública contra servidores
Governo Lula estimula cisão, diz historiador
DA REPORTAGEM LOCAL
O historiador José Murilo de
Carvalho, doutor em ciência política pela Universidade de Stanford (EUA) e professor titular de
história da UFRJ (Universidade
Federal do Rio de Janeiro), afirma
que ação do governo Lula na reforma da Previdência estimula a
cisão. "Lula recorre ao apoio do
povo numa linha quase populista
que estimula uma cisão. Joga o
povo, a maioria desorganizada,
contra os funcionários públicos,
uma das minorias organizadas.
No limite, a exacerbação populista pode ter um custo alto para a
governabilidade", avalia.
O historiador criou um neologismo para definir a relação do cidadão brasileiro com a máquina
estatal. "O Estado no Brasil sempre foi visto como grande fonte de
emprego. Já disse que em vez de
construir cidadania tivemos Estadodania. É o Estado não só como
gerador de emprego, mas também de subsídio industrial, de
maneira que tudo gira em torno
dele, concedendo benefícios sempre aos mais organizados."
José Murilo de Carvalho afirma
que quando a maioria desorganizada tenta se aproximar do Estado não há mais benefícios para
distribuir para todo mundo. "Então, aparece uma maior ênfase em
defesa da moralidade. Uma reação sociológica e clientelista: por
que eu não sou beneficiado? Mas
não há como distribuir para todo
mundo que quer, então que se
restaure a moralidade."
A ruptura da principal representante das entidades de trabalhadores com os sindicatos do setor público é o fato mais importante da tramitação das reformas
até aqui, na avaliação do historiador. "A coisa mais concreta das
reformas é a cisão da CUT, com a
separação dos interesses dos sindicatos ligados ao setor público
dos ligados ao setor privado. A
CUT foi criada defendendo o
atual presidente da República e
tem de ter agora uma nova posição que isola o setores do serviço
público, em defesa de seus benefícios e privilégios."
Carvalho crê que, com a cisão, a
CUT tende voltar à sua origem,
criada a partir de um movimento
de metalúrgicos, da iniciativa privada, em detrimento às demandas do setor público.
"A reforma tende a manter a
tradição de beneficiar os grupos
mais organizados e atingir pessoas que vêm sendo atingidas
desde sempre. Os grupos mais
privilegiados manterão seus privilégios, como mostra a discussão
em torno de um fundo especial de
aposentadoria para a magistratura", analisa.
Para o historiador, o governo
Lula segue por onde esperava.
"Nada de refundação, revolução.
Vai continuar a ser um teste da capacidade de negociação do governo. Lula parece deslumbrado com
o poder. Acha que pode fazer e
acontecer. Mas não é assim."
"Surpreende que o PT tenha
passado 12 anos na oposição e não
tenha projetos para setores como,
por exemplo, a reforma agrária.
Ali vive uma situação complicada,
com dificuldade para reformar. O
PT está descobrindo a complexidade do Brasil, de quebrar privilégios", afirma.
O historiador vê uma dubiedade em Lula. "Atua como se houvesse uma separação de dois presidentes. Um é a figura física dele
e o outro o chefe de Governo. Um
é o do discurso. O outro da ação."
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