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UM ANO DE LULA
Ministro diz que viveu seu "pior momento" no primeiro trimestre, mas presidente mandou manter o rumo
Lula bancou ajuste forte, afirma Palocci
VALDO CRUZ
DIRETOR-EXECUTIVO DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
KENNEDY ALENCAR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Em entrevista à Folha, o ministro da Fazenda, Antonio Palocci
Filho, 43, defende a reeleição do
presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Revela que foi Lula quem bancou o arrocho fiscal e monetário
deste ano em detrimento de um
"ajuste leve, por dois, três anos".
Conta que, já no governo, discutiu com o presidente mudar a política econômica. Na virada de novembro para dezembro de 2002,
Palocci conversou com Lula sobre
a opção de "ajuste leve", no qual
"teria inflação certamente bem
mais alta". Mas fez a ressalva de
que preferia "um ajuste forte para
abrir um período de crescimento". E avisou: "Isso vai custar a ser
feito, não será fácil. Não dá para
aumentar a carga tributária. Vamos ter que cortar na carne".
Lula bancou Palocci e voltou a
fazê-lo em março deste ano,
quando o ministro diz ter vivido
seu "pior momento" nos três primeiros meses de governo. Apesar
de ter tomado medidas duras, a
inflação subiu. Então, disse a Lula:
"Você tem de ter tranquilidade
em relação ao que nós estamos fazendo. Se você não tiver, a gente
explora outros caminhos". O presidente mandou manter o rumo.
Ao falar do temperamento conciliador, diz: "Fui trotskista, mas
não fui radical. Sempre busquei
posição de equilíbrio. Continuo
sendo de esquerda". Palocci admite que pode ter cometido erros,
mas diz que não é papel dele
apontá-los, mas da imprensa e da
oposição. "Não há crise sem custo
em lugar nenhum do mundo."
Ele prega a autonomia do Banco
Central, dizendo que ela vai reduzir o custo da política monetária.
Palocci também confirma que
há "diálogo" seu e de Lula com o
Banco Central a respeito da política monetária, mas nega interferência na fixação da taxa de juros.
Com 1,81 m e 95 kg, o médico
Palocci conta que perdeu 10 kg
após fazer por três meses o polêmico regime à base de proteínas e
gorduras. Confessa que sentiu
"um pouco de fraqueza" no começo. "Mas a saúde está boa. Diminuí a pressão [arterial] em um
ponto nesse ano. Ela caiu de 12
por 8 para 11 por 7."
O ministro revela um episódio
ocorrido na transição com Pedro
Malan, no gabinete do ministério.
"Por favor, senta aqui", convidou
Malan, oferecendo a cadeira destinada ao ministro. Palocci recusou: "De jeito nenhum". Quando
viu que o petista não se sentaria,
Malan disse: "Você sabia que tem
gente que senta?" Rindo, Palocci
disse: "Essa foi a primeira lição
que aprendi com o Malan".
Palocci faz questão de dizer que
não será candidato ao governo de
São Paulo nem a deputado federal
em 2006. "É incompatível gerir
política econômica sendo candidato. Nós não podemos ter objetivos de popularidade", diz. A seguir, os principais trechos da entrevista, concedida na sexta:
Folha - Em 2004, devido às eleições, o calendário legislativo será
bem curto. Haverá clima político
para aprovar a autonomia do Banco Central no primeiro semestre?
Antonio Palocci Filho - Antes de
debater o projeto, é preciso um
diálogo político com o país sobre
isso. Ele permite um ganho maior
na política monetária. Falamos
em autonomia operacional, que é
o governo definir as metas de inflação, e o Banco Central fazer a
política monetária perseguindo
essas metas.
Folha - Qual modelo, o norte-americano, com forte autonomia,
ou inglês, mais brando?
Palocci - Temos de construir um
modelo brasileiro.
Folha - O mandato do presidente
do BC deve coincidir com o do presidente da República?
Palocci - Isso não é importante.
Importante é que ter mandato.
Folha - O sr. já conversou com o
presidente sobre isso? Dentro do
governo está consolidada essa
idéia de dar autonomia ao BC?
Palocci - Conversei lá atrás, antes
da posse. Neste ano conversamos
pouco. É uma discussão que devemos fazer sem pressa.
Folha - Há informações de bastidores de que o sr. funciona como
canal de transmissão para o presidente do BC, Henrique Meirelles,
de uma avaliação política que o governo faz sobre a taxa de juros.
Palocci - Não é bem isso. A política econômica é debatida frequentemente com o presidente.
Ele quer ser permanentemente
informado. Não sou canal de
transmissão. O processo de condução de política monetária com
viés político não ajuda. Mas permanentemente a Fazenda e o BC
dialogam com o presidente sobre
a política monetária.
Folha - A política econômica foi
bem-sucedida no controle da inflação, na redução do risco-país e da
vulnerabilidade externa. Mas,
diante do custo disso, não há angústia no governo?
Palocci - Não.
Folha - Houve erro de dosagem?
O sr. foi ortodoxo demais?
Palocci - Não houve erro. Posso
ter cometido erros. Fiquem à vontade para debater. O papel de encontrar os erros não pode ser
meu. É de vocês e da oposição.
Admito que possa ter havido erro.
Mas é preciso olhar em perspectiva. Doze meses atrás, olhando-se
o Brasil 12 meses à frente, via-se
uma fotografia bastante crítica
em relação aos juros, à inflação,
ao próprio crescimento. Hoje, 12
meses à frente, é outro país.
É melhor um esforço como esse,
mais concentrado, e abrir um período de crescimento mais duradouro, do que fazer uma outra
opção, com ajuste mais leve por
um período maior. Essa opção eu
coloquei para o presidente Lula
antes da posse. Falei: "Olha, a situação é gravíssima, temos duas
opções, entre várias, mas duas
que me parecem dentro do nosso
programa, dentro do nosso compromisso, dentro da Carta ao Povo Brasileiro. Uma opção é um
ajuste forte para abrir um período
de crescimento e isso vai custar a
ser feito, não será fácil. Não dá para aumentar a carga tributária.
Vamos ter que cortar na carne. A
segunda opção é fazer um ajuste
leve, por dois, três anos, impossível saber quanto tempo".
Mas o presidente fez a primeira
opção e acho que fez certo. Eu disse a ele que preferia essa opção
mais forte.
Folha - Aceitar um pouco de inflação foi opção?
Palocci - Aceitar inflação eventualmente permitiria ganho de
PIB. Mas no médio prazo a perda
é certa.
Folha - Em que data o sr. apresentou essas opções ao Lula? Como foi
essa conversa?
Palocci - Na coordenação da
transição, vim muito aqui nesta
mesa [da sala de reuniões do gabinete do ministro da Fazenda]. No
primeiro dia, o [ex-ministro Pedro] Malan falou: "Senta aqui
nesta cadeira [a do ministro, que
fica na cabeceira esquerda na mesa, vista pela porta de entrada da
sala]". Eu disse "Nãããooo". "Senta, pô", ele disse. "Nãããooo", eu
respondia. O Malan me ofereceu a
cadeira várias vezes. "Por favor,
senta aqui", ele dizia. E eu dizia:
"De jeito nenhum". Acabei me
sentando aí [aponta para a direita]. Então, ele se sentou na cadeira
de frente para mim. Quando me
sentei, ele falou: "Você sabia que
tem gente que senta?" [Rindo] Essa foi a primeira lição que aprendi
com o Malan.
Folha - Já no governo, como e
quando foi a conversa que o sr. teve com o presidente na qual teria
dito que poderia ser adotado outro
caminho, suavizar o ajuste, diante
das críticas que estava sofrendo?
Palocci - No começo do ano, depois de anunciarmos algumas
medidas, a inflação subiu. No segundo mês, depois de outras medidas, também. Então, lá por
março, ainda não estavam se sentindo os efeitos da medida. Havia
incerteza, começo da guerra do
Iraque. Então, falei com o presidente duas ou três vezes: "Nossa
vida não vai ser fácil, não. Você
tem de ter tranquilidade em relação ao que nós estamos fazendo.
Se você não tiver, a gente explora
outros caminhos". Ele nunca disse para explorar...
Folha - Nunca houve um momento de dúvida?
Palocci - Não. Ansiedade, sim.
Dúvida, não.
Folha - Foi o seu pior momento?
Palocci - Os três primeiros meses
foram o pior momento.
Folha - O sr. concorda com a avaliação de seu secretário de Política
Econômica, Marcos Lisboa, de que
o governo atual deveria erguer
uma estátua em homenagem a Malan e à equipe econômica de FHC?
Palocci - [Rindo] Ele não falou
exatamente isso. Ele fez uma série
de críticas à política fiscal do passado, à âncora cambial, ao desajuste da dívida interna. Ao falar da
negociação da dívida dos Estados
e da Lei de Responsabilidade Fiscal, o assunto das artes plásticas
foi trazido à tona. É uma opinião
absolutamente tranquila.
Folha - O sr. concorda com ela?
Palocci - Concordo que foi um
aspecto positivo.
Folha - O sr. ilustraria esse aspecto do mesmo jeito que ele? O sr. ergueria uma estátua para o Malan?
Palocci - Meu pai é escultor. Só
falo disso no campo artístico.
Folha - Nos bastidores, o Planalto
fica incomodado com as declarações do secretário do Tesouro, Joaquim Levy, e do secretário especial
de Política Econômica, Marcos Lisboa. Como o sr. lida com isso?
Palocci - Acontece. Não é possível dentro do governo ter perfeição. O mais importante é ter entendimento em relação à política.
Folha - O sr. os repreendeu? Eles
ficaram mais calados.
Palocci - Ficaram?
Folha - Ficaram.
Palocci - [Rindo] Talvez porque
eles tenham tido essa percepção
que você também teve.
Folha - O sr. parece mineiro, ministro. Não se compromete.
Palocci - Eu sou mineiro. [Rindo] Ribeirão Preto é ali, divisa
com Minas.
Folha - Avalia-se que o crescimento em 2004 pode vir sem gerar
empregos. Outro risco é uma crise
externa devido a uma possível valorização do dólar se houver alta
dos juros americanos. Como conciliar crescimento, geração de emprego e a preparação para uma
eventual turbulência?
Palocci - Bater escanteio, correr
até a área, cabecear e fazer o gol.
Folha - Essa é a grande crítica à
política econômica de FHC e a deste
governo. Ela obriga a bater escanteio, correr até a área, cabecear e
marcar o gol.
Palocci - Não é fato que o crescimento vai demorar para gerar
empregos. Está aumentando o
consumo via crédito. Está aumentando a atividade industrial. Está
começando a haver uma reação
da massa salarial. O que vem em
sequência é aumento do consumo em geral, aumento da atividade industrial. É um processo. Ao
longo desse ano, a economia brasileira gerou 1 milhão de empregos.
Folha - Mas um total de 1,5 milhão de pessoas passou a buscar
emprego.
Palocci - Sem crescimento, gerou-se 1 milhão de empregos.
Com o crescimento previsto para
o ano que vem, vai haver geração
de emprego. O que não vai haver é
imediatamente solução da questão do emprego.
Folha - Vai ser difícil cumprir a
promessa de criar 10 milhões de
empregos em quatro anos.
Palocci - Eu escrevi o programa
de governo. Não havia uma promessa, mas uma afirmação de
que o Brasil necessita de 10 milhões de empregos. Nenhum país
do mundo zera o desemprego.
Folha - No balanço, o governo jogou novamente a culpa pelo arrocho deste ano na herança de FHC. O
sr. não acha que parte dessa herança ou do desequilíbrio macroeconômico do final do ano passado se
deveu à suspeita sobre a capacidade do PT de governar o Brasil? Parte da culpa não era mesmo do medo do PT?
Palocci - O PT gerou dúvidas até
o momento em que apresentou
compromissos e programa. Até
esse momento, podia-se dizer que
o PT não tinha esclarecido ao país
a sua política. A partir do momento em que apresentou programa de governo consistente e a
Carta ao Povo Brasileiro, só não
acreditou quem não quis.
Folha - Há ministros que culpam a
pasta da Fazenda pelo desempenho fraco, devido à falta de verba.
Palocci - Respeito a opinião de
quem pensa assim. Mas não havia
recursos mesmo. Foi a crise que
limitou os recursos. Mas se não fizéssemos isso agora, os ministros
teriam restrição durante o governo todo. Eu disse isso a eles.
Folha - O presidente Lula vive dizendo que quatro anos é pouco
tempo para implantar um plano de
governo. O sr. defende que o Lula
seja candidato à reeleição em
2006?
Palocci - Eu acho muito cedo para falar sobre isso. Mas não vejo
por que não. É uma visão pessoal
dele. Mas acho que o presidente
Lula faria bem ao país com um
mandato renovado. Acredito
muito no presidente Lula, principalmente nessa fase em que vamos entrar, porque o Brasil precisa pactuar crescimento econômico, distribuição de renda.
Folha - O presidente Lula tem elogiado o seu trabalho. Sabemos que
sua origem é trotskista e agora está numa outra posição, moderada.
Palocci - Olha, eu fui trotskista,
mas não fui radical. Eu sempre
busquei posição de equilíbrio.
Agora, de fato, eu não vou negar,
eu fui trotskista e depois mudei de
posição. Mas continuo sendo de
esquerda. A experiência na administração ajuda, afinal ela dá a verdadeira dimensão entre o que você quer e o que você pode.
Folha - Por que o caso Santo André é um tabu para o governo?
Palocci - Não é assunto do governo.
Folha - Mas envolve pessoas ligadas ao PT, algumas inclusive que
trabalham no governo federal hoje
e que trabalhavam para o prefeito
Celso Daniel.
Palocci - Não há nenhuma pessoa condenada. Não cabe ao governo Lula se posicionar sobre esse processo. Não só a esse, a qualquer processo judicial.
Folha - E as informações de que
em Santo André haveria um esquema para recolher dinheiro para
campanhas do PT?
Palocci - Isso são suposições colocadas, misturas de assunto. A
postura deve ser muito clara. Há
um trabalho da Justiça sendo feito. Que seja feito com transparência. O governo não tem nada que
se posicionar sobre um trabalho
da Justiça.
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