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EUA tentaram influenciar reforma política do Brasil
Via agência federal americana, instituto gastou US$ 95 mil em seminário em Brasília
Governo americano queria fazer evento coincidir com a véspera do debate do tema no Congresso brasileiro, em 2005, segundo documentos
SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON
Em 2005, a Usaid, uma agência norte-americana ligada ao
Departamento de Estado, gastou US$ 95 mil para promover
um seminário sobre a reforma
política brasileira. O evento
aconteceu no Congresso brasileiro, teve uma entidade local
como parceira e palestrantes
estrangeiros e brasileiros.
O objetivo, segundo documentos obtidos pela Lei de Liberdade de Informação norte-americana e passados à Folha
com exclusividade pelo pesquisador independente Jeremy
Bigwood, era fazer o seminário
coincidir com a véspera da discussão do tema no Legislativo
brasileiro -e um ano antes da
reeleição de Luiz Inácio Lula
da Silva-, como maneira de
"expandir o debate da reforma
política brasileira".
Dois dos pontos que pareciam preocupar os proponentes norte-americanos do seminário eram a profusão de partidos pequenos no Brasil e a infidelidade partidária -e como
isso parecia ocorrer com mais
freqüência na direita do que na
esquerda. "Embora esse padrão de fraca disciplina partidária seja encontrado em todo
o espectro político, é menos
freqüente nos partidos da esquerda progressista, como o
Partido dos Trabalhadores",
afirma um dos documentos.
"A cobertura máxima da imprensa deve ser buscada, com o
objetivo tanto de instruir a imprensa política sobre as questões como estimular o debate
nacional", continua o texto,
que traz o título "Brazil - Support for Activity to Promote
Broad Public Discussion on
Political Reform" (Brasil
-Apoio para Atividade de Promover Ampla Discussão Pública sobre Reforma Política).
O sucesso do programa seria
avaliado conforme seis critérios, informa o documento, entre eles a "influência da conferência no debate nacional (incluindo a cobertura da mídia)"
e a ""nacionalização" da conferência, de maneira que essa
não seja vista como divulgadora da perspectiva dos EUA".
Essa preocupação em parecer local e não americano se
manifesta em outro trecho, em
que é exortado que haja contato com a consultoria legislativa
via Setor Político da Embaixada dos EUA no Brasil, "devido à
sensibilidade da questão".
O plano pede que todo o espectro político brasileiro seja
contemplado entre os palestrantes convidados e é assinado pelo Consórcio para Fortalecimento dos Processos Políticos e Eleitorais (Cepps, na sigla
em inglês), que reúne três grupos norte-americanos sem fins
lucrativos que recebem fundos
federais para ajudar países a
desenvolver seus processos democráticos.
Um dos grupos era o Instituto Republicano Internacional
(IRI), baseado em Washington,
que capitaneou a operação.
Criado em 1983 por iniciativa
do então presidente Ronald
Reagan (1981-1989), tem à
frente o senador John McCain.
O candidato da situação à sucessão de George W. Bush ocupa algum cargo no instituto
desde 1993; hoje é o diretor de
seu conselho.
Desde que Bush assumiu a
Casa Branca, o orçamento
anual do IRI dobrou para os
atuais US$ 79 milhões. A verba
vem principalmente da Usaid e
do National Endowment for
Democracy (fundo nacional
pela democracia, ligado ao
Congresso dos EUA).
Após contratempos e adiamentos, o IRI colocou o seminário em pé. Nos dias 9, 10 e 11
de agosto de 2005, no auditório
Nereu Ramos da Câmara, foi
realizado o evento "Reforma
Política - Desafios e Perspectivas do Fortalecimento das Instituições Políticas Brasileiras".
A parceira local foi o Centro
de Estudos das Américas da
Universidade Candido Mendes, do Rio. Além do IRI, trabalharam na organização a norte-americana Fundação Internacional para Sistemas Eleitorais
(Ifes, na sigla original) e a alemã Fundação Konrad Adenauer (KAS).
Na página da Câmara que
anunciava o evento, o texto começava com a frase "A reforma
política entrou de vez na agenda legislativa".
Ninguém recebeu cachê, e as
despesas de viagem dos convidados estrangeiros foram pagas pela Usaid. Entre eles, pelo
menos um nome hoje ligado à
campanha de McCain.
A rigor, a entidade não quebrou nenhuma lei norte-americana. Por ser uma organização chamada 501 (c)(3), nome
tirado da seção da Lei do Fisco
dos EUA que a regula, ela pode
operar em qualquer lugar do
mundo que permita que ela
opere. É o que disse à Folha
Marcello Hallake, de escritório
de advocacia Thompson &
Knight, baseado em Nova York
e especializado em organizações beneficentes. Quanto a
atividades políticas, no entanto, há restrições quanto ao que
uma 501 (c)(3) pode ou não fazer. Uma das proibições é lobby
político -nos Estados Unidos.
Não é a primeira polêmica a
envolver o IRI. A entidade foi
acusada de ajudar a fortalecer
os grupos que derrubaram o
então presidente do Haiti,
Jean-Bertrand Aristide, em
2004 -a organização nega as
acusações.
Dois anos antes, no golpe
frustrado que tirou do poder o
venezuelano Hugo Chávez por
algumas horas, o IRI soltou comunicado em que comemorava a vitória da democracia naquele país. O instituto depois
se desculpou.
"Pelo passado da entidade,
não me surpreende essa atuação do IRI no Brasil", disse Sarah Hamburger, do progressista Council on Hemispheric Affairs, de Washington.
Foi o último seminário do tipo do instituto no país. A reforma política brasileira não passou no Congresso até hoje.
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