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ENTREVISTA
Próximo presidente enfrentará cenário pior, diz Brasilio Sallum Jr.
Sucessor de FHC terá raio de ação reduzido, diz sociólogo
LIA HAMA
DA REDAÇÃO
O cenário a ser enfrentado pelo
próximo presidente em 2003 será
muito mais difícil do que aquele
encontrado por Fernando Henrique Cardoso, tanto em 1994 como
em 1998. Além de estar de mãos
atadas pelos compromissos assumidos com o Fundo Monetário
Internacional, o presidente eleito
deverá liderar uma coalizão política muito menor do que a de
FHC e sua capacidade de governar por meio de medidas provisórias será fortemente limitada pela
emenda aprovada pelo Congresso
no ano passado.
A avaliação é de Brasilio Sallum
Jr., 56, professor do Departamento de Sociologia da USP. Sallum
foi o organizador da série de artigos sobre o primeiro mandato de
FHC reunidos na revista "Tempo
Social", de outubro de 1999.
Veja a seguir trechos da entrevista concedida à Folha na última
quarta-feira, na qual ele analisa a
sucessão presidencial e faz um balanço dos oito anos da era FHC.
Folha - Em seus artigos, o sr. afirma que o bloco de centro-direita
que ascendeu ao poder com FHC foi
polarizado entre uma ala "liberal-fundamentalista" e outra "liberal-desenvolvimentista" . A ala "fundamentalista" teria dado a tônica
do primeiro mandato, mas, a partir
da mudança cambial, em 99, estariam dadas as condições para que o
liberal-desenvolvimentismo assumisse a liderança do processo. Que
análise o sr. faz hoje? Que grupo
deu a tônica do segundo mandato?
Brasilio Sallum Jr. - O segundo
mandato foi marcado por uma
perda de autonomia muito grande da Presidência. Em primeiro
lugar porque o governo estava
manietado por um acordo assinado com o Fundo Monetário que
estabelecia um limite muito estrito de gastos. Em segundo lugar
porque, do ponto de vista político, se enfraqueceu muito o poder
do presidente sobre a coalizão governista. Como o ajuste fiscal era
absolutamente central para preservar as relações externas, as
possibilidades de expansão dessa
ala mais desenvolvimentista foram muito limitadas. A partir do
ano passado isso ficou inviabilizado em função do estrangulamento externo, da crise de energia e da
crise na Argentina.
Folha - Mas num primeiro momento o presidente optou por priorizar essa ala fundamentalista,
não?
Sallum Jr. - Sim, mas isso foi no
primeiro mandato. Depois, com
as crises, a Presidência passou a
administrar os conflitos internos,
fazendo concessões a uns e a outros e, no final do primeiro mandato, parecia tender para o desenvolvimentismo, com a história
[da criação" do Ministério da Produção. Mas aí houve o escândalo
das fitas [do BNDES" e uma parte
do pessoal que estava querendo liderar essa política desenvolvimentista saiu do governo.
Folha - Mendonça de Barros?
Sallum Jr. - Exatamente. Basicamente os dois Mendonças [Luiz
Carlos Mendonça de Barros, ex-ministro das Comunicações, e José Roberto Mendonça de Barros,
ex-secretário-executivo da Camex".
Folha - Quais são os grupos e interesses que a candidatura Serra representa e no que diferem em relação ao bloco hegemônico que deu
sustentação a FHC?
Sallum Jr. - A candidatura Serra
reduz um pouco o espectro dos
apoios que tinha Fernando Henrique. O governo atual tinha um
apoio muito generalizado, que ia
da centro-esquerda até a extrema-direita. Teve um apoio muito
grande de oligarquias regionais
que hoje não apóiam o Serra. Ele
teve apoio nas áreas liberais do
empresariado e da intelectualidade, especialmente de economistas, que hoje vêem o Serra de forma um pouco relutante.
Folha - O PT é o verdadeiro partido social-democrata no Brasil? Como o sr. vê a mudança de discurso
do PT em direção ao centro?
Sallum Jr. - O PT está se tornando um partido social-democrata,
sem dúvida nenhuma. O PT iniciou o governo Fernando Henrique com um discurso socialista,
com reivindicações do tipo estatista. No final do primeiro mandato e no segundo, ao menos as lideranças principais do PT foram
paulatinamente se ajustando ao
ambiente mais liberalizante. O representante principal do que eu
chamo de liberal-desenvolvimentismo dentro do governo era o
Serra. Fora do governo era o Delfim [Netto". Se você acompanhar
as declarações dos deputados do
PT, a ótica deles não contrariava o
tipo de crítica que o Delfim fazia à
política do governo.
Folha - Quer dizer, o discurso liberal-desenvolvimentista aglutinou
desde Serra até Delfim Netto e deputados do PT...
Sallum Jr.- A orientação geral do
programa do PT é muito parecida
com a do Serra. O que ocorre é
que a liderança do partido está
nesse barco, mas eu não sei até
que ponto o conjunto do partido
está. Basicamente o Lula, se vencer, vai ter dois problemas pela
frente: de um lado uma enorme
pressão de movimentos sociais de
toda a ordem - MST, sindicatos
de funcionários, movimentos populares etc.- que provavelmente
se mobilizarão na expectativa de
que enfim encontraram um Papai-Noel. Por outro lado, vai ter
certamente a desconfiança dos
credores, dos grandes capitalistas,
se vai manter ou não a política de
ajuste e garantir os contratos.
Folha - Numa eventual vitória de
Lula, como o sr. vê a reorganização
de forças políticas?
Sallum Jr. - Do ponto de vista
político eu não vejo como o Lula
possa governar sem fazer alianças
em direção ao centro. Os candidatos privilegiados são o PSDB e o
PMDB. É claro que tem os partidos menores, PSB e eventualmente PDT. Mas é inevitável um governo de coalizão. Quanto ao Serra, se eleito, também terá que ter
uma oposição civilizada por parte
do PT ou um apoio crítico. Porque, não sendo assim, ele vai ter
que negociar justamente com
aqueles grupos que o estão atacando hoje. Grupos chamados de
oligárquicos como o dos Sarney,
de ACM e também de Tasso [Jereissati", com quem [Serra" tem
uma relação difícil.
Folha - Como o sr. analisa o movimento de ascensão e queda de Ciro
Gomes nas pesquisas? Qual o significado dessa candidatura?
Sallum Jr. A candidatura Ciro
nasceu como uma idéia de fortalecimento do PPS e depois virou o
depositório de todas as dissidências governistas. Claro que o Ciro
é carismático, bem-apessoado e
em um certo momento apresentou-se como uma alternativa ao
Lula. Mas tinha uma certa fragilidade que acabou se manifestando. Em primeiro lugar, a aliança
partidária no qual ele cresceu era
absolutamente heterogênea, o
que poderia dar certo em função
de um eventual carisma. Só que
ele acabou mostrando características que fizeram com que o eleitorado se assustasse. Um estilo
muito arrogante, autoritário. A
lembrança de [Fernando" Collor
ainda está muito fresca. Esse estilo
de governo, de quem não tem
compromissos com ninguém, soa
um pouco assustador, embora sejam coisas muito diferentes Collor e Ciro.
Folha - Como o sr. analisa o cenário que o próximo presidente enfrentará? Que margem de manobra
terá o governo para uma eventual
mudança na política econômica?
Sallum Jr. Acho que o próximo
presidente vai ter uma margem
[de manobra" bem pior. Quando
o Fernando Henrique assumiu o
segundo mandato, houve a crise
cambial e se refez todos os acordos com o Fundo. Mas não se tinha a situação que temos hoje, de
fuga de capitais e aversão ao risco.
O Brasil precisa entre US$ 45 bilhões e US$ 50 bilhões por ano para fechar as contas. A margem de
manobra fiscal é mínima. Tem
que se preservar o superávit primário de 3,75% do PIB, numa situação de fortes demandas sociais. Você tem um conjunto de
promessas feitas por todos os
candidatos. Tudo isso é um ônus.
Nunca se terá uma coalizão tão
grande quanto a do Fernando
Henrique. E as pessoas não se dão
conta de outra coisa: não se trata
só do tamanho e da solidez da
coalizão que vão diminuir. Você
tem uma lei que regula a possibilidade do Executivo de emitir medidas provisórias muito mais restritiva do que antes. O Executivo
precisa produzir uma maioria para que qualquer medida provisória seja aprovada, coisa que o Fernando Henrique não precisa hoje
porque a medida provisória vai se
mantendo por decurso de prazo.
Em segundo lugar, você terá
uma outra situação: o Fernando
Henrique teve possibilidade de
controlar de alguma maneira a
capacidade política dos governadores pelo endividamento. Os governadores não tinham Estados
ajustados do ponto de vista fiscal
e eram extremamente endividados. O novo governo vai encontrar os Estados já ajustados, em
boa parte, e com plena capacidade política. Esses governadores
terão mais autonomia porque não
dependem tanto financeiramente
do governo federal.
Então o governo vai ter muita
dificuldade para gerir uma coalizão mais difícil do que hoje, vai ter
mais dificuldade de legislar e de
operar politicamente. E é claro
que, quanto menor a coalizão,
mais difícil vai ser gerir essa quantidade tão multifacetada e complexa de forças que atuam sobre o
sistema político. Não vai ser fácil.
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