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ENTREVISTA
Para o cientista político Yan de Souza Carreirão, maioria não escolhe candidato a partir de identidade ideológica
Ataques na TV são saudáveis, diz pesquisador
Tarcísio Mattos/Folha Imagem
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Yan de Souza Carreirão, que está lançando livro "Decisão do Voto nas Eleições Presidenciais Brasileiras" |
JULIA DUAILIBI
DA REPORTAGEM LOCAL
Ao analisar o processo de decisão do voto, o cientista político
Yan de Souza Carreirão, 46, da
Universidade Federal de Santa
Catarina, defende que, para a
maioria do eleitor brasileiro, o voto não é ideológico.
"Há uma tese que diz que o eleitorado escolhe a partir de identidade ideológica: eleitores que se
posicionam à direita votam em
candidatos à direita; eleitores que
se posicionam à esquerda votam
em candidatos à esquerda. Isso
vale mais para os eleitores de alta
escolaridade", afirmou Souza
Carreirão, em uma referência ao
cientista político André Singer,
porta-voz do candidato do PT,
Luiz Inácio Lula da Silva, e autor
do livro "Esquerda e Direita no
Eleitorado Brasileiro".
Com base em pesquisas, Singer
sustenta a tese de que o eleitorado
brasileiro faz uma distinção entre
a direita e a esquerda na hora de
decidir em quem vai votar.
Para Souza Carreirão, professor
e doutor em ciência política, "boa
parte do eleitorado brasileiro não
consegue definir o que é esquerda
e o que é direita".
Dessa forma, ele defende que há
outras duas variáveis importantes, levadas em consideração pelo
eleitor na hora de definir o voto: o
desempenho do governo e a avaliação de qualidades dos candidatos, como honestidade, experiência administrativa e credibilidade.
Esses dois pontos, na análise de
Souza Carreirão, influenciam tanto eleitores de alta escolaridade
quanto os de baixa escolaridade.
O cientista político avalia ainda
que os ataques entre os adversários no horário eleitoral na TV são
uma forma legítima de influenciar o processo de decisão.
"O horário eleitoral não pode
ser só para cada um falar maravilhas sobre si próprio. O eleitor
também tem de ter uma visão
contraditória", afirmou o cientista político. A troca de farpas pode
influenciar negativamente o eleitor, analisa Souza Carreirão, "se a
acusação for feita sem nenhuma
base de sustentação ou se forem
usadas coisas muito pessoais".
Souza Carreirão fez uma análise
do processo de decisão do eleitor
nas eleições para presidente em
1989, 1994 e 1998, que consta do livro "A Decisão do Voto nas Eleições Presidenciais Brasileiras",
que será lançado pela Editora da
Fundação Getúlio Vargas nesta
semana. Leia abaixo os principais
trechos da entrevista.
Folha - Como o eleitor define seu
voto para presidente?
Yan de Souza Carreirão - A decisão de voto dos eleitores é relativamente complexa e depende de
algumas variáveis, como a escolaridade do eleitor. Há uma tese que
diz que o eleitorado escolhe a partir de identidade ideológica: eleitores que se posicionam à direita
votam em candidatos à direita;
eleitores que se posicionam à esquerda votam em candidatos à esquerda. Isso vale mais para os
eleitores de alta escolaridade.
Para os eleitores de baixa escolaridade, isso não se confirma. O
eleitorado de baixa escolaridade,
boa parte do eleitorado brasileiro,
não consegue definir o que é esquerda e o que é direita. Ideologia
conta mais para os eleitores de alta escolaridade.
Folha - De que outra forma o nível
de escolaridade influencia o voto?
Souza Carreirão - A faixa de escolaridade serve para definir o voto
na questão referente à ideologia.
As outras variáveis, principalmente os fatores de avaliação do
desempenho do governo e de avaliação dos atributos dos candidatos, não têm muitas diferenças entre eleitores de alta e baixa escolaridade. O [candidato José" Serra
[PSDB", talvez por atributos pessoais, deveria estar numa situação
melhor da que ele está hoje. Mas
ele tem o peso do governo.
Folha - Então são essas variáveis
que pesam para o eleitor em geral?
Souza Carreirão - O que pesa para esses eleitores, independentemente da escolaridade, é a avaliação do desempenho do presidente em exercício e de certos atributos dos candidatos, como honestidade, experiência administrativa
e credibilidade.
Folha - Isso significa que o peso
da ideologia na definição do voto é
pequeno.
Souza Carreirão - Ela tem um peso relativamente pequeno. Perde
espaço para a avaliação que o eleitor faz do governo.
Folha - Isso faz com que o processo de decisão no Brasil seja diferente do de países com melhores índices de escolaridade?
Souza Carreirão - Nível de escolaridade menor tem uma correspondência com o nível de recebimento de informação política. A
lógica [em outros países" não é
muito diferente. Mas, no Brasil, o
volume de informações para tomar a decisão pode ser menor. Isso depende também dos meios de
comunicação.
Folha - Com base na análise do
sr., o candidato oficial perde perante o eleitor por ser governo?
Souza Carreirão - Ele tem uma
certa faixa do eleitorado que potencialmente iria votar nele e que
hoje avalia bem o governo. Mas
essa faixa é minoritária. Se o governo estivesse bem, se a avaliação estivesse mais ou menos igual
à de 98, tenho convicção de que o
Serra estaria melhor. Provavelmente estaria em primeiro lugar.
Folha - Mas não podemos negar
que o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso ainda é
um puxador de votos.
Souza Carreirão - Eu não acredito nisso. Desde 89, o brasileiro leva em consideração a economia.
Serra tem uma história de vida, é
um técnico competente. Isso passa credibilidade para uma parcela
do eleitorado. Por outro lado, o
fato de ele ser uma figura-chave
do governo, que está sendo avaliado negativamente em alguns
aspectos centrais da campanha,
como segurança e emprego, fragiliza a credibilidade das propostas
dele.
Há uma relação entre os atributos do candidato e a avaliação do
governo. Tem gente que acha que
ele não é um cara simpático, que
não tem carisma. Mas eu não
acho que essas varáveis sejam importantes. O eleitorado não é assim, emocional ou intuitivo. Ele
tende a prestar atenção em características dos candidatos que são
relevantes para um governante.
Folha - Beleza e simpatia não ajudam a definir o voto?
Souza Carreirão - Não há evidências disso. É possível que as pessoas fiquem constrangidas em dizer que levam isso em consideração na hora de definir o voto.
Folha - Como o sr. explica o percentual de eleitores de que votariam em Ciro Gomes (PPS) por causa de Patrícia Pillar?
Souza Carreirão - Isso é uma
transferência para o candidato:
"Se ela é uma pessoa assim e está
casada com ele, ele também deve
ser assim". E não [acontece" porque ele é bonito ou simpático.
Folha - Até que ponto o marketing influencia na decisão?
Souza Carreirão - A gente não
consegue construir uma imagem
do nada. Acho que certas ações do
marketing tem impacto quando
há base de sustentação. Quando
não há, fica difícil criar um candidato do nada.
Folha - Os marqueteiros, com base em pesquisas qualitativas, criam
candidatos palatáveis ao eleitor.
Souza Carreirão - São coisas diferentes. Uma coisa é a defesa de
programas ou de propostas mais
próximas do que o público quer.
Isso não é programa de marketing é programa político.
Folha - O candidato do PT, Luiz
Inácio Lula da Silva, não mudou para agradar o público?
Souza Carreirão - A mudança do
Lula e do PT não é uma mudança
simplesmente definida pelo Duda
Mendonça. Claro que há uma tendência do PT nesse sentido, estamos em campanha, mas o PT já
vinha dando sinais de ter perdido
a radicalismo e de ter se aproximado do centro. É uma decisão
política e muito clássica da esquerda: fazer concessões ao centro para ampliar o eleitorado.
Folha - Na opinião do sr. então
não há a criação de personagens/
candidatos?
Souza Carreirão - Acho que há alguma coisa nesse sentido, mas
que tem um limite. É difícil criar
personagens, principalmente
quando os candidatos já têm uma
história conhecida pelo eleitor.
Folha - Quando o eleitor decide o
seu voto, ele leva em consideração
os ataques entre os candidatos na
televisão?
Souza Carreirão - Isso depende
muito da credibilidade dos ataques e do nível em que eles se dão.
O que Serra fez foi mostrar o Ciro
falando. O que aconteceu? Ciro
caiu, e o Serra não se prejudicou
com isso. Já impacto dos ataques
que o Serra fez contra o Lula é
mais difícil de prever. As pesquisas vão mostrar se houve estrago
tanto para o Lula quanto para o
no Serra, que pode criar uma imagem de truculento, que quer chegar ao poder de qualquer jeito.
Quem está sendo atacado tem
de mostrar isso para o eleitor, que
capta melhor as mensagens repetidas. Por isso o horário eleitoral é
importante. Para oficiar um contraditório. Agora cabe ao Lula se
defender, dizer que são baixarias,
montagens, etc. O eleitorado pode achar até truculento, mas vai
avaliar mais negativamente se alguém mostrar isso para ele.
Folha - O sr. concorda com a tese
de que o eleitor não gosta de ver
baixaria na propaganda eleitoral?
Souza Carreirão - Eu não acho
que a chamada propaganda negativa seja ruim. Depende muito do
grau em que se dá, se a acusação é
feita sem nenhuma base de sustentação ou se são usadas coisas
muito pessoais. Cabe aos candidatos mostrarem os defeitos dos
outros. O horário eleitoral não
pode ser só para cada um falar
maravilhas sobre si próprio. O
eleitor também tem de ter uma visão contraditória.
Folha - Então até agora os ataques são legítimos?
Souza Carreirão - Em geral, não
houve nada muito grave ainda. Eu
acho que essa coisa do [deputado"
José Dirceu (PT) foi a mais forte.
(Nesta semana, o programa na
TV de Serra mostrou um discurso
de Dirceu, de 2000, em que o petista diz que os tucanos têm de
"apanhar nas ruas e nas urnas".
Depois mostrou uma imagem do
governador Mário Covas sendo
agredido por grevistas).
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