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VIAGEM AO ORIENTE
Segundo na pasta das Relações Exteriores afirma que país dá mercado aos produtos brasileiros e apóia o Brasil como membro vitalício do CS da ONU
China não deve ser temida, diz vice-ministro
CLÁUDIA TREVISAN
DE PEQUIM
A China apóia a pretensão brasileira de ser membro permanente do Conselho de Segurança da
ONU e considera ter uma relação
"estratégica" com o Brasil, na qual
a intenção comum de democratizar os organismos multilaterais
ocupa um papel de destaque.
"A razão pela qual mantemos
uma boa relação é que ambos
consideramos que países diferentes têm capacidade diferente de
participar na globalização", afirmou, em entrevista à Folha, o vice-ministro de Relações Exteriores da China, Zhou Wenzhong.
Segundo Zhou, a visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à
China é o fato mais importante na
relação bilateral desde a visita que
o então presidente Jiang Zemin
fez ao Brasil em 2001. O vice-ministro não deu detalhes sobre os
acordos que serão assinados.
Para Zhou, o Brasil não deve temer a China. "Os países em desenvolvimento e o Brasil não precisam se preocupar com o nosso
desenvolvimento econômico. [...]
O desenvolvimento da China oferece grande mercado para seus
produtos." A seguir, a entrevista:
Folha - Qual a importância do
Brasil para a China no atual cenário
internacional?
Zhou Wenzhong - Embora exista
uma grande distância entre a China e o Brasil, a amizade entre os
dois países tem uma longa história, e nós já estabelecemos uma
parceria estratégia. Nós compartilhamos iguais posições em relação a muitos assuntos importantes, regionais e internacionais.
Ambos defendemos a democratização da ordem internacional, a
união e o desenvolvimento dos
países em desenvolvimento e que
os países desenvolvidos devem
considerar mais os interesses do
mundo em desenvolvimento. Defendemos que os conflitos internacionais devam ter soluções pacíficas por meio das negociações.
Defendemos que todos os países,
não importa se rico ou pobre, forte ou fraco, são membros iguais
no cenário internacional.
Folha - Sob essa perspectiva, que
tipo de colaboração pode haver entre China e Brasil nas negociações
internacionais, especialmente na
Organização Mundial do Comércio?
Zhou - A razão pela qual mantemos uma boa relação é que ambos consideramos que países diferentes têm capacidade diferente
de participar na globalização. E
ambos consideramos que países
diferentes enfrentam dificuldades
diferentes na abertura de seu mercado. Por isso, ambos defendemos um tratamento diferenciado
aos países em desenvolvimento.
Só assim podemos refletir o lado
justo e razoável do mecanismo
multilateral de comércio. No G20
[grupo de países em desenvolvimento no âmbito da OMC liderado pelo Brasil], nós também tivemos boa colaboração. O Brasil
tem papel muito importante nesse grupo, pelo qual gostaríamos
de demonstrar nosso apreço.
Folha - Que tipo de resultados
concretos se pode esperar da visita
do presidente Lula à China?
Zhou - A visita é muito importante na história do desenvolvimento das relações bilaterais. É o
grande evento após a visita do
presidente Jiang Zemin ao Brasil
em 2001. Durante a visita, o presidente Hu Jintao terá uma reunião
formal com o presidente Lula, que
se encontrará também com o primeiro-ministro Wen Jiabao. Trocarão opiniões sobre temas de interesse comum. Os dois governos
assinarão importantes documentos de cooperação que envolvem
as áreas diplomáticas, da Justiça,
de saúde e econômico-comercial,
e um grande número de empresários vai acompanhar a visita.
Folha - Haverá anúncio de investimentos chineses no Brasil?
Zhou - As negociações em relação a contratos ainda estão na fase
final. Na visita, muitos deles estarão concluídos, e um grande número será anunciado. Mas posso
dizer que as colaborações serão
concretas e com visão de longo
prazo. As duas partes estão se preparando para um comunicado
conjunto. Não será só um retrospecto das relações do passado,
mas descreverá perspectiva sobre
o futuro do relacionamento.
Folha - Na área econômica, qual é
o maior interesse chinês no Brasil?
Zhou - Há ampla área para colaboração em agricultura, no desenvolvimento conjunto de recursos e na alta tecnologia. Temos
um alicerce político sólido e uma
complementaridade econômica.
Folha - Nessa relação estratégica,
não há o risco de o Brasil se transformar em exportador de produtos
agrícolas e matérias-primas e perder mercado para a própria China
na área de produtos de maior valor
agregado e alta tecnologia?
Zhou - Disse que há grande complementaridade justamente em
relação a isso. Na China, a perspectiva é que, durante um longo
prazo, a economia manterá uma
tendência de rápido desenvolvimento. Com isso, a abertura é cada vez maior, e hoje a China já importa mais do que exporta. No
primeiro trimestre, a China teve
déficit comercial de mais de 10 bilhões de reminbi (US$ 1,2 bilhão).
Com o desenvolvimento da urbanização, da industrialização e a
redução da terra arável, a produção agrícola está diminuindo. Por
outro lado, muitas empresas
transnacionais colocam suas fábricas e centros de Pesquisa e Desenvolvimento aqui, e a China
vem sendo chamada de a fábrica
do mundo. É claro que esse é um
título exagerado, mas é verdade
que a capacidade industrial de
processar os materiais vem aumentando muito, e nós precisamos de matérias-primas.
Os países em desenvolvimento
e o Brasil não precisam se preocupar com o desenvolvimento econômico da China. Pelo contrário.
O desenvolvimento da China oferece um grande mercado para os
seus produtos. O Brasil tem, de
um lado, recursos naturais e, de
outro, vantagens tecnológicas, e
não precisa se preocupar.
O comércio entre a China e a
América Latina se duplicou nos
últimos quatro anos e chegou a
US$ 26,8 bilhões. Esperamos
manter essa tendência e, em mais
quatro ou cinco anos, duplicar o
atual nível mais uma vez.
Folha - No âmbito da democratização dos organismos internacionais, o Brasil reivindica presença
permanente no Conselho de Segurança da ONU. A China apóia isso?
Zhou - A China apóia uma reforma adequada e necessária do
Conselho de Segurança e a prioridade é corrigir a situação de desequilíbrio na sua composição. A
reforma deve seguir o princípio
de distribuição justa das regiões e
o aumento da representatividade
dos países em desenvolvimento.
Qualquer plano que exclua os
países em desenvolvimento é inaceitável. O Brasil é o maior país
em desenvolvimento no hemisfério ocidental, e atribuímos muita
importância ao papel do Brasil
nos assuntos regionais e internacionais e compreendemos o desejo do Brasil em desempenhar um
papel ainda maior nos assuntos
multilaterais, como nas Nações
Unidas. A China está disposta a
intensificar as colaborações com a
parte brasileira na questão de reforma do Conselho de Segurança.
Folha - Uma questão importante
para a China é o reconhecimento
do status de economia de mercado.
A China espera que esse reconhecimento seja dado pelo Brasil?
Zhou - As reformas e a abertura
da China começaram há mais de
20 anos. Um dos temas mais importantes da abertura é estabelecer o mecanismo da economia de
mercado socialista. Os que conhecem a realidade chinesa devem
reconhecer que a economia já está
funcionando num sistema de
mercado em grande escala.
É injusto que outros países ignorem esse fato em processos de
divergências comerciais e tratem
a China como uma economia não
de mercado. A Nova Zelândia foi
pioneira em reconhecer o status
de economia de mercado da China. Também esperamos que nossos amigos brasileiros adotem posição favorável em relação a isso.
Folha - A China passou por um
grande processo de transformação
econômica nos últimos 20 anos,
mas com poucas mudanças na área
política. É razoável esperar mudanças também na política ou vão continuar concentradas na economia?
Zhou - Primeiro, deixe eu corrigir um pouco a pergunta. As reformas no sistema político sempre vêm ocorrendo. A nossa reforma começa no setor econômico, mas a reforma política nunca
parou. Em geral, temos os seguintes aspectos: reforçar o sistema de
representantes populares, porque
o sistema da assembléia popular é
fundamental no sistema político
da China, desenvolver a democracia socialista e construir o regime
legal no sistema socialista.
Fizemos várias reformas nos setores judiciais e de legislação. Em
relação aos direitos humanos, a
última emenda à Constituição colocou o princípio de respeitar e
proteger os direitos humanos na
Constituição. A China é signatária
de 18 tratados internacionais na
área de direitos humanos.
Como a China tem uma população de 1,3 bilhão de pessoas e
grande parte dessa população vive abaixo da linha da pobreza,
sempre colocamos o direito de sobrevivência como direito humano básico. O nosso trabalho na
área de redução de pobreza teve
resultado muito significativo. A
população que ainda vive na pobreza foi reduzida para pouco
mais de 20 milhões de pessoas.
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