São Paulo, domingo, 24 de novembro de 2002 |
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BALANÇO Em entrevista de 1999 que integra tese sobre seu mandato, FHC diz que ele e Miguel Arraes sabotaram ida de Ciro para o PSB FHC achava que reeleição traria reformas
GUSTAVO PATÚ PRIMEIRA ELEIÇÃO - Logo depois
que virei candidato [em abril de
1994], queria desistir da candidatura. Porque ela não crescia, o empresariado não dava bola, o Itamar [Franco] já começava a olhar
aquilo com uma certa coisa. E não
saía, não avançava o Plano Real
porque a equipe econômica tinha
medo, eles não queriam dar o outro passo, queriam ficar na URV
[Unidade Real de Valor, passo
inicial para a nova moeda]. O Pérsio [Arida, um dos idealizadores
do real] queria ficar um ano com a
URV. Foi preciso muita briga minha. Eles não queriam trocar [a
moeda] em junho, mas aí eu exigi
que a medida provisória marcasse
a data de julho. Porque senão não
tinha como. REELEIÇÃO E REFORMAS - No
mundo ocidental, quase todos os
governos que deram certo duraram muito tempo. Quando eu fui
à Inglaterra, em 95, houve um almoço na embaixada e a Margaret
Thatcher [ex-primeira-ministra]
foi ao almoço. Fez grandes rapapés e perguntou: "Quando tempo
dura o seu mandato?" "Quatro
anos." "E tem reeleição?" "Não."
"Mas é ridículo, é impossível. Sua
tarefa agora é tentar ser reeleito." FUTUROLOGIA - Eu vou até fazer
uma futurologia: dificilmente, no
futuro, alguém vai se eleger duas
vezes com maioria absoluta, como eu. Porque eu me reelegi não
só porque estava fazendo essas
transformações, mas também
porque os partidos ainda não estavam acomodados a esse sistema, não tinham propostas. ITAMAR - O que eu não sabia é
que o Itamar queria voltar a ser
presidente. Nunca passou pela
minha cabeça. Porque ele tinha
horror do governo. Ele tinha horror, ele se sentia mal, ele tinha enxaqueca, ele não gostava. Ele não
gosta de administrar, a política
dele é uma política pequenininha.
De economia ele não queria saber;
eu nunca despachei com ele, ele
nunca leu o Plano Real. Eu disse:
"Olha, Itamar, eu acho que eu tenho todo o direito de ser candidato. Eu nunca imaginei que você quisesse". "Ah, mas porque você
nunca me falou de reeleição." "É
verdade, mas também você nunca
me falou que era candidato. Você
tem todo o direito. Só acho uma
coisa, você já foi o presidente,
pensa bem, você vai ter condições
de enfrentar uma candidatura vitoriosa? É chato. Não há problemas, se você quiser disputar, tudo
bem. Agora, não é fácil. Eu vou lutar. Você tem que ter umas idéias
diferentes das minhas e que sejam
boas." "Ah, você pensa que só você tem idéias?" "Não, mas quando
vejo uma idéia boa, eu pego." CIRO - De alguma maneira, o Ciro [Gomes] foi obrigado a ir para
o PPS, porque foi ficando sem
partido. Eu também atuei nisso,
até com o [presidente nacional do
PSB, Miguel] Arraes, para o Ciro
ficar sem partido, sem ter sustentação. Eu conversei com o Arraes,
com quem tenho relações antigas.
O Arraes não tinha muita simpatia pelo Ciro porque a irmã dele
foi secretária do Tasso [Jereissati]
e conhece o Ciro de perto, e quem
conhece sabe que o Ciro não é
uma pessoa de fácil convívio. CRISE DA ÁSIA - Quando é que a
coisa começou a ficar mais complicada? Crise da Ásia [em 97]. Eu
estava em Cartagena de Índia
[Colômbia], atrás de um altar, no
telefone com o Malan. Eu com o
[então] presidente de lá, o [Ernesto] Samper, aflitíssimo com as notícias que estavam chegando, mas
fingindo que não era nada. Fui
para a Ilha Marguerita [Venezuela], conversei com o [presidente
do Banco Interamericano de Desenvolvimento, Enrique" Iglesias,
falei ao telefone com [ex-diretor
do FMI, Michel] Camdessus, não
sei com quem mais, senti o ambiente e disse: "Bom, vou voltar".
Quando voltei, no domingo, fiz
uma reunião aqui nessa mesma
mesa. Frio, naquele dia, eu só vi o
Gustavo Franco. O Gustavo é uma
pessoa excepcional. É muito dedicado, trabalhador, conhece a literatura, banca as decisões. Os outros estavam em pânico. Só o
Gustavo e eu não estávamos. O
[Pedro] Malan também não, porque raras vezes eu o vi alterado.
Era preciso tomar decisões difíceis: banca ou não banca o real?
Resolvemos bancar. CRISE DA RÚSSIA - Durante a crise da Rússia, em agosto de 98, veio aqui o Stanley Fischer [ex-dirigente do FMI]. O Malan o trouxe
para conversar comigo. E foi muito interessante porque a crise já
estava posta. Ele perguntou:
"Quando são as eleições?" "Em
outubro", respondi. Ele disse:
"Não sei se vai dar para essa crise
não estourar antes das eleições". DESVALORIZAÇÃO - Naquele mês
de dezembro [de 98] já era visível,
para mim, que não tinha dado certo a tentativa de sustentar o regime [cambial] nem com o apoio do FMI. Daí por diante, comecei a
forçar. Tivemos várias reuniões, e
o Chico Lopes começou a pensar
em alternativas. O mercado percebeu que não se estava mudando
o regime. Estavam mudando as
pessoas, o comando, e não sentiu
pulso para isso no novo comando. Por isso, em 29 de janeiro [de
99", quando houve aquela corrida
aos bancos que eu tive que segurar, indo à televisão no dia seguinte, o Malan e o Pedro Parente falaram: olha aqui, tem de tirar o Chico. O Chico não é homem para isso. LULA - Não é que seja melhor, é
que eu tinha comando. Porque,
para o mercado, o que é o novo? O
Lula, que não tinha proposta para
o Brasil. Ia ficar rodopiando. CRISE E CAPITALISMO - O medo
que eu tenho, é que estoure lá [nos
países desenvolvidos]. Isso que
nós estamos assistindo são prolongamentos, não vimos uma crise mundial. Estamos na escala Richter 3, e não 7. Sete é quando
acontece lá, e aí não temos nada o
que fazer. Aí volta a 1930, fecha-se
a economia de novo, sei lá. |
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