UOL

São Paulo, domingo, 25 de maio de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

JANIO DE FREITAS

Os prisioneiros

O Brasil é prisioneiro de uma contradição instalada há quatro décadas.
O tecnicismo econômico sobrepôs-se à política, à cultura, aos direitos da cidadania e aos deveres estatais, à concepção democrática das instituições, a tudo enfim. A voz da Bolsa e os especuladores do dólar foram mais poderosos do que todo o ministério em todos os últimos governos. Nos jornais, as páginas de economia são mais numerosas que as de qualquer outro assunto, ninguém é mais ouvido e difundido do que os economistas, seja qual for o seu padrão. Dólar, Bolsa e inflação, como principais símbolos da obsessão economicista, foram os assuntos que mais deram manchetes. O Congresso foi entulhado de medidas de natureza econômica.
Mas, em contraste, nenhum presidente deste cúmulo de economicismo que é o Brasil, entre os ditadores ou os eleitos dos últimos 40 anos, foi ou é portador do mínimo de noções econômicas, nem se diga para formular uma política de governo, mas ao menos para optar entre as decisões possíveis, e há sempre mais de uma. Dizer que os presidentes presidem é um grande exagero.
Desde Castello Branco, quando Roberto Campos inicia o império do economicismo e da tecnocracia, todos os presidentes têm sido reféns do ministro preponderante na área econômica ou do presidente do Banco Central, quase sempre dos dois. O único que tentou repelir tamanha transferência do próprio poder foi José Sarney, que buscou instruir-se com Luiz Paulo Rosemberg. Mas, alcançado ou não o conhecimento pretendido, não tinha como escapar ao condomínio das decisões imposto por Ulysses Guimarães, este, por sua vez, guiado pelos economistas do PMDB à época.
A essência do voto no candidato Lula foi o cansaço com o economicismo e o desejo de ver devolvidas à Presidência e ao governo outras maneiras de entender a vida e o país. Maneiras menos matemáticas e mais humanas, menos exclusivistas e mais abrangentes, menos deduzidas de manuais e mais provenientes da sensibilidade perceptiva e da inteligência. José Serra deixou de obter muitos votos pela falta de coragem e habilidade para desvincular-se do economicismo, além disso desastroso, do governo Fernando Henrique.
Luiz Inácio Lula da Silva escolheu o mesmo caminho dos antecessores e tende depressa para o mesmo fim. A confessada submissão dos seus valores ao ditado pela tecnocracia da área econômica reproduz o mecanismo que corroeu os governos anteriores: todos foram vítimas da insegurança temerosa, às vezes confundida com esperteza eleitoral, que levou os presidentes a deixarem passar o prazo das medidas recuperadoras dos seus propósitos originais. Sarney com o Cruzado 2; Collor com o afastamento dos desatinados Kandir, Zélia & cia.; Fernando Henrique com a tapeação do real/dólar de Gustavo Franco/ Malan. Só deram o passo reclamado quando já era tarde.
É tão certo que o governo Lula mudará sua política econômica quanto é certo que essa mesma política econômica levou o governo Fernando Henrique ao fracasso. A incógnita é quanto à ocasião. O teimoso Lula dos desafios sindicais à candidatura, da audaciosa criação de um Partido dos Trabalhadores e das quatro candidaturas à Presidência transferiu a teimosia para a defesa de medidas que, diz, o contrariam. Em relação aos antecessores, tem uma desvantagem: o que foi motivo da sua consagração é agora o seu ônus. Os votos nos antecessores foram alternativas do temor, não traduziam "esperança de ser feliz". A esperança que torna o país mais impaciente e o tempo mais curto para Lula, o atual refém.


Texto Anterior: PSB: Garotinho e Arraes tentam entendimento
Próximo Texto: biblioteca Folha: Folha vai lançar 30 romances do séc. 20
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.