|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
JANIO DE FREITAS
Os prisioneiros
O Brasil é prisioneiro de uma
contradição instalada há quatro décadas.
O tecnicismo econômico sobrepôs-se à política, à cultura, aos direitos da cidadania e aos deveres
estatais, à concepção democrática
das instituições, a tudo enfim. A
voz da Bolsa e os especuladores do
dólar foram mais poderosos do
que todo o ministério em todos os
últimos governos. Nos jornais, as
páginas de economia são mais
numerosas que as de qualquer
outro assunto, ninguém é mais
ouvido e difundido do que os economistas, seja qual for o seu padrão. Dólar, Bolsa e inflação, como principais símbolos da obsessão economicista, foram os assuntos que mais deram manchetes. O
Congresso foi entulhado de medidas de natureza econômica.
Mas, em contraste, nenhum
presidente deste cúmulo de economicismo que é o Brasil, entre os
ditadores ou os eleitos dos últimos
40 anos, foi ou é portador do mínimo de noções econômicas, nem
se diga para formular uma política de governo, mas ao menos para optar entre as decisões possíveis, e há sempre mais de uma.
Dizer que os presidentes presidem
é um grande exagero.
Desde Castello Branco, quando
Roberto Campos inicia o império
do economicismo e da tecnocracia, todos os presidentes têm sido
reféns do ministro preponderante
na área econômica ou do presidente do Banco Central, quase
sempre dos dois. O único que tentou repelir tamanha transferência do próprio poder foi José Sarney, que buscou instruir-se com
Luiz Paulo Rosemberg. Mas, alcançado ou não o conhecimento
pretendido, não tinha como escapar ao condomínio das decisões
imposto por Ulysses Guimarães,
este, por sua vez, guiado pelos
economistas do PMDB à época.
A essência do voto no candidato
Lula foi o cansaço com o economicismo e o desejo de ver devolvidas à Presidência e ao governo
outras maneiras de entender a vida e o país. Maneiras menos matemáticas e mais humanas, menos exclusivistas e mais abrangentes, menos deduzidas de manuais e mais provenientes da sensibilidade perceptiva e da inteligência. José Serra deixou de obter
muitos votos pela falta de coragem e habilidade para desvincular-se do economicismo, além disso desastroso, do governo Fernando Henrique.
Luiz Inácio Lula da Silva escolheu o mesmo caminho dos antecessores e tende depressa para o
mesmo fim. A confessada submissão dos seus valores ao ditado pela tecnocracia da área econômica
reproduz o mecanismo que corroeu os governos anteriores: todos
foram vítimas da insegurança temerosa, às vezes confundida com
esperteza eleitoral, que levou os
presidentes a deixarem passar o
prazo das medidas recuperadoras
dos seus propósitos originais. Sarney com o Cruzado 2; Collor com
o afastamento dos desatinados
Kandir, Zélia & cia.; Fernando
Henrique com a tapeação do
real/dólar de Gustavo Franco/
Malan. Só deram o passo reclamado quando já era tarde.
É tão certo que o governo Lula
mudará sua política econômica
quanto é certo que essa mesma
política econômica levou o governo Fernando Henrique ao fracasso. A incógnita é quanto à ocasião. O teimoso Lula dos desafios
sindicais à candidatura, da audaciosa criação de um Partido dos
Trabalhadores e das quatro candidaturas à Presidência transferiu a teimosia para a defesa de
medidas que, diz, o contrariam.
Em relação aos antecessores, tem
uma desvantagem: o que foi motivo da sua consagração é agora o
seu ônus. Os votos nos antecessores foram alternativas do temor,
não traduziam "esperança de ser
feliz". A esperança que torna o
país mais impaciente e o tempo
mais curto para Lula, o atual refém.
Texto Anterior: PSB: Garotinho e Arraes tentam entendimento Próximo Texto: biblioteca Folha: Folha vai lançar 30 romances do séc. 20 Índice
|