São Paulo, domingo, 25 de agosto de 2002

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EX-ALIADOS

Desavença e troca de ofensas de tucano com ex-governador tiveram início na transição do governo Itamar para o de FHC

Ministério causou duelo entre Serra e Ciro

RAYMUNDO COSTA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

PATRICIA ZORZAN
DA REPORTAGEM LOCAL

É difícil precisar uma data, um episódio. Mas, ao que tudo indica, o rancor que contaminou as relações entre Ciro Gomes (PPS) e José Serra (PSDB) e que os tem levado a uma troca cada vez mais frequente de ofensas começou na passagem do governo Itamar Franco para o de Fernando Henrique Cardoso, no final de 1994.
Ciro era ministro da Fazenda e queria permanecer no cargo. FHC lhe ofereceu o Ministério da Saúde. Serra pretendia fazer parte da equipe econômica. O presidente, que ele ocupasse a pasta da Educação. O Planejamento ficaria com Paulo Renato.
Na disputa interna tucana, Paulo Renato teve um desentendimento sério com o já poderoso Sérgio Motta -que viria a ser ministro das Comunicações e espécie de eminência parda do governo-, perdeu o Planejamento para Serra e foi para a Educação.
Ciro, percebendo que ficaria fora do governo, ainda tentou a Saúde. Mas FHC já havia mudado de idéia. A quem diga que a atitude foi provocada pelas declarações destemperadas do ex-governador à frente da Fazenda e das críticas que o hoje presidenciável do PPS fez à indicação de Serra para o Planejamento.
O pepessista, entretanto, afirma que desistiu de participar do governo por conta própria, decidido a dedicar-se a um período de estudos nos Estados Unidos.
Mas o candidato da Frente Trabalhista também não foi poupado por Serra nos 116 dias em que ocupou a Fazenda.
As críticas ácidas do tucano giraram em torno principalmente da abertura às importações promovida por Ciro, um recurso a que o ex-governador diz ter recorrido para combater o ágio que ameaçava o Plano Real. O assunto inclusive voltou a ser motivo de discussão entre os dois no primeiro debate entre presidenciáveis desta eleição.

Traidor
Ao deixar o governo, Ciro foi aos poucos crescendo a escala de ataques a Serra. Em 95, quando vivia nos Estados Unidos e ainda pertencia ao PSDB, chegou a se referir ao tucano, então ministro do Planejamento, como detentor de uma ""personalidade doentia".
Daí para identificá-lo como "traidor" do Plano Real e defensor dos interesses da "indústria multinacional sediada em São Paulo" -Serra havia acabado de promover mudanças no setor automotivo- foi apenas um passo.
Dos EUA, Ciro chegou a insinuar que houvera vazamento de informações em relação ao aumento de alíquotas, tanto que uma grande montadora, em poucas horas e fora do horário do expediente, realizara uma "enorme importação no porto de Vitória".
Serra rebateu as acusações com uma nota na qual declarava que Ciro parecia "ter ficado louco". Comentário ameno, se comparado ao que o tucano dizia e diz até hoje, de maneira reservada, sobre o adversário, atualmente à sua frente nas pesquisas de intenção de voto: "É um farsante despreparado e perigosíssimo".
Já o ex-governador costuma explicar que o comportamento supostamente sabotador do tucano vem de antes mesmo da implementação do real. Segundo Ciro, Mário Covas, FHC, Tasso Jereissati, Serra e ele próprio participaram de uma reunião entre técnicos e políticos para os ajustes finais do plano.
Informados sobre os custos políticos das medidas econômicas que deveriam ser anunciadas, os presentes foram instados a se manifestar se concordariam com eventuais prejuízos eleitorais.
Conforme relato de Ciro, Serra teria sido o único a não tomar posição. Irritado, conta o candidato do PPS, Covas teria feito com que ele se pronunciasse sobre o assunto. ""Ou está achando que vai tomar minha indicação ao governo de São Paulo se as coisas derem errado?", teria dito o governador paulista, morto no ano passado.

Collor
As diferenças entre Serra e o ex-governador têm pelo menos uma década. É de 1992 o primeiro confronto conhecido entre ambos. Curiosamente, no centro da questão estava, como de certa forma acontece hoje, o ex-presidente Fernando Collor de Mello.
No dia 1º de abril de 1992, o coordenador político do governo Collor, o atual presidente do PFL e aliado de Ciro, Jorge Bornhausen, procurou Tasso Jereissati, então presidente do PSDB.
Disse que Collor estava disposto a "exercitar um governo pré-parlamentarista" e que os tucanos teriam participação efetiva no governo, caso concordassem com a proposta.
A Executiva do PSDB discutiu a sugestão no dia seguinte. Serra era líder da bancada na Câmara e conseguiu tirar uma posição contrária à adesão ao governo.
Ciro era governador do Ceará, mas foi ao encontro. Assim como Fernando Henrique e Pimenta da Veiga, hoje coordenador político da campanha de Serra, era favorável à adesão. A votação terminou empatada: sete a sete.
Tasso preferiu não exercer o voto de minerva, pois entendera que não deveria prosseguir com as negociações com o partido dividido.
Ciro, que não era integrante da Executiva, levantou-se e afirmou que Tasso tinha de exercer o seu direito de presidente e desempatar a votação.
A ata da reunião, à qual a Folha teve acesso, registra a presença de quatro deputados ligados a Serra no encontro (Sigmaringa Seixas, Jutahy Magalhães, Jabes Ribeiro e Tuga Angerami). Eles defenderam a posição de Tasso. Ciro disse que eles não deveriam estar ali, pois não integravam a Executiva.
A ata não registra, mas um deles, Tuga Angerami, teria rebatido que Ciro também não fazia parte da Executiva e não deveria estar ali, mas no Ceará, governando.

Ex-amigo
Curioso é que Serra aparenta não se incomodar pessoalmente com o que Ciro diz a respeito dele. O que costumava perturbar o tucano eram as ações atribuídas contra sua candidatura a Tasso Jereissati (PSDB-CE).
O desembarque de Tasso da campanha Serra acabou sendo confirmado na semana passada, quando o ex-governador tucano oficializou sua saída da campanha e acenou publicamente em direção a Ciro.
O candidato do PPS, entretanto, dá claras demonstrações de um desapreço pessoal pelo tucano, a quem comumente se refere apenas como "aquele senhor, seu Serra" ou simplesmente como o "candidato do governo".
Dizendo ter sido "muito amigo" do ex-ministro no passado, atribuiu a ele uma personalidade conspiratória e um comportamento político baseado na "futrica", como gosta de repetir.
Sua irritação em relação a Serra é tanta que o pepessista não tem conseguido evitar ataques ao tucano, ainda que seja constantemente aconselhado a não discutir com um adversário que ocupa posição desvantajosa nas pesquisas de intenção de voto.
Interlocutores próximos a Ciro negam que a desavença seja pessoal, mas se traem ao serem questionados se o ex-governador estaria disposto a conversar com o tucano caso seja eleito. O presidenciável repete com frequência que, eleito, não destruirá pontes em prol da governabilidade.
"Não será necessário porque Serra não terá mais importância nenhuma na política brasileira", disse um dos assessores mais próximos do presidenciável do PPS, que só falou sob a condição de não ser identificado.
A avaliação difere muito da feita pelo próprio Ciro, em outubro de 1994, cerca de um mês depois de assumir o Ministério da Fazenda.
Questionado se Serra seria um bom nome para ocupar a mesma pasta, não só afirmou que sim, como também elogiou a "lucidez" do tucano "para compreender a inserção do Estado na economia, a formulação de política". "[Nesse aspecto] ninguém é melhor que ele", declarou então.
Na ocasião, fez uma única ressalva: a de que ele precisaria "vencer um pouco melhor a questão do entrosamento com a equipe e com o chefe [FHC]".



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