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EX-ALIADOS
Desavença e troca de ofensas de tucano com ex-governador tiveram início na transição do governo Itamar para o de FHC
Ministério causou duelo entre Serra e Ciro
RAYMUNDO COSTA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
PATRICIA ZORZAN
DA REPORTAGEM LOCAL
É difícil precisar uma data, um
episódio. Mas, ao que tudo indica,
o rancor que contaminou as relações entre Ciro Gomes (PPS) e José Serra (PSDB) e que os tem levado a uma troca cada vez mais frequente de ofensas começou na
passagem do governo Itamar
Franco para o de Fernando Henrique Cardoso, no final de 1994.
Ciro era ministro da Fazenda e
queria permanecer no cargo. FHC
lhe ofereceu o Ministério da Saúde. Serra pretendia fazer parte da
equipe econômica. O presidente,
que ele ocupasse a pasta da Educação. O Planejamento ficaria
com Paulo Renato.
Na disputa interna tucana, Paulo Renato teve um desentendimento sério com o já poderoso
Sérgio Motta -que viria a ser ministro das Comunicações e espécie de eminência parda do governo-, perdeu o Planejamento para Serra e foi para a Educação.
Ciro, percebendo que ficaria fora do governo, ainda tentou a
Saúde. Mas FHC já havia mudado
de idéia. A quem diga que a atitude foi provocada pelas declarações destemperadas do ex-governador à frente da Fazenda e das
críticas que o hoje presidenciável
do PPS fez à indicação de Serra
para o Planejamento.
O pepessista, entretanto, afirma
que desistiu de participar do governo por conta própria, decidido
a dedicar-se a um período de estudos nos Estados Unidos.
Mas o candidato da Frente Trabalhista também não foi poupado
por Serra nos 116 dias em que
ocupou a Fazenda.
As críticas ácidas do tucano giraram em torno principalmente
da abertura às importações promovida por Ciro, um recurso a
que o ex-governador diz ter recorrido para combater o ágio que
ameaçava o Plano Real. O assunto
inclusive voltou a ser motivo de
discussão entre os dois no primeiro debate entre presidenciáveis
desta eleição.
Traidor
Ao deixar o governo, Ciro foi
aos poucos crescendo a escala de
ataques a Serra. Em 95, quando
vivia nos Estados Unidos e ainda
pertencia ao PSDB, chegou a se
referir ao tucano, então ministro
do Planejamento, como detentor
de uma ""personalidade doentia".
Daí para identificá-lo como
"traidor" do Plano Real e defensor dos interesses da "indústria
multinacional sediada em São
Paulo" -Serra havia acabado de
promover mudanças no setor automotivo- foi apenas um passo.
Dos EUA, Ciro chegou a insinuar que houvera vazamento de
informações em relação ao aumento de alíquotas, tanto que
uma grande montadora, em poucas horas e fora do horário do expediente, realizara uma "enorme
importação no porto de Vitória".
Serra rebateu as acusações com
uma nota na qual declarava que
Ciro parecia "ter ficado louco".
Comentário ameno, se comparado ao que o tucano dizia e diz até
hoje, de maneira reservada, sobre
o adversário, atualmente à sua
frente nas pesquisas de intenção
de voto: "É um farsante despreparado e perigosíssimo".
Já o ex-governador costuma explicar que o comportamento supostamente sabotador do tucano
vem de antes mesmo da implementação do real. Segundo Ciro,
Mário Covas, FHC, Tasso Jereissati, Serra e ele próprio participaram de uma reunião entre técnicos e políticos para os ajustes finais do plano.
Informados sobre os custos políticos das medidas econômicas
que deveriam ser anunciadas, os
presentes foram instados a se manifestar se concordariam com
eventuais prejuízos eleitorais.
Conforme relato de Ciro, Serra
teria sido o único a não tomar posição. Irritado, conta o candidato
do PPS, Covas teria feito com que
ele se pronunciasse sobre o assunto. ""Ou está achando que vai tomar minha indicação ao governo
de São Paulo se as coisas derem
errado?", teria dito o governador
paulista, morto no ano passado.
Collor
As diferenças entre Serra e o ex-governador têm pelo menos uma
década. É de 1992 o primeiro confronto conhecido entre ambos.
Curiosamente, no centro da questão estava, como de certa forma
acontece hoje, o ex-presidente
Fernando Collor de Mello.
No dia 1º de abril de 1992, o
coordenador político do governo
Collor, o atual presidente do PFL
e aliado de Ciro, Jorge Bornhausen, procurou Tasso Jereissati, então presidente do PSDB.
Disse que Collor estava disposto
a "exercitar um governo pré-parlamentarista" e que os tucanos teriam participação efetiva no governo, caso concordassem com a
proposta.
A Executiva do PSDB discutiu a
sugestão no dia seguinte. Serra
era líder da bancada na Câmara e
conseguiu tirar uma posição contrária à adesão ao governo.
Ciro era governador do Ceará,
mas foi ao encontro. Assim como
Fernando Henrique e Pimenta da
Veiga, hoje coordenador político
da campanha de Serra, era favorável à adesão. A votação terminou
empatada: sete a sete.
Tasso preferiu não exercer o voto de minerva, pois entendera que
não deveria prosseguir com as negociações com o partido dividido.
Ciro, que não era integrante da
Executiva, levantou-se e afirmou
que Tasso tinha de exercer o seu
direito de presidente e desempatar a votação.
A ata da reunião, à qual a Folha
teve acesso, registra a presença de
quatro deputados ligados a Serra
no encontro (Sigmaringa Seixas,
Jutahy Magalhães, Jabes Ribeiro e
Tuga Angerami). Eles defenderam a posição de Tasso. Ciro disse
que eles não deveriam estar ali,
pois não integravam a Executiva.
A ata não registra, mas um deles, Tuga Angerami, teria rebatido
que Ciro também não fazia parte
da Executiva e não deveria estar
ali, mas no Ceará, governando.
Ex-amigo
Curioso é que Serra aparenta
não se incomodar pessoalmente
com o que Ciro diz a respeito dele.
O que costumava perturbar o tucano eram as ações atribuídas
contra sua candidatura a Tasso Jereissati (PSDB-CE).
O desembarque de Tasso da
campanha Serra acabou sendo
confirmado na semana passada,
quando o ex-governador tucano
oficializou sua saída da campanha
e acenou publicamente em direção a Ciro.
O candidato do PPS, entretanto,
dá claras demonstrações de um
desapreço pessoal pelo tucano, a
quem comumente se refere apenas como "aquele senhor, seu
Serra" ou simplesmente como o
"candidato do governo".
Dizendo ter sido "muito amigo"
do ex-ministro no passado, atribuiu a ele uma personalidade
conspiratória e um comportamento político baseado na "futrica", como gosta de repetir.
Sua irritação em relação a Serra
é tanta que o pepessista não tem
conseguido evitar ataques ao tucano, ainda que seja constantemente aconselhado a não discutir
com um adversário que ocupa
posição desvantajosa nas pesquisas de intenção de voto.
Interlocutores próximos a Ciro
negam que a desavença seja pessoal, mas se traem ao serem questionados se o ex-governador estaria disposto a conversar com o tucano caso seja eleito. O presidenciável repete com frequência que,
eleito, não destruirá pontes em
prol da governabilidade.
"Não será necessário porque
Serra não terá mais importância
nenhuma na política brasileira",
disse um dos assessores mais próximos do presidenciável do PPS,
que só falou sob a condição de
não ser identificado.
A avaliação difere muito da feita
pelo próprio Ciro, em outubro de
1994, cerca de um mês depois de
assumir o Ministério da Fazenda.
Questionado se Serra seria um
bom nome para ocupar a mesma
pasta, não só afirmou que sim, como também elogiou a "lucidez"
do tucano "para compreender a
inserção do Estado na economia,
a formulação de política". "[Nesse
aspecto] ninguém é melhor que
ele", declarou então.
Na ocasião, fez uma única ressalva: a de que ele precisaria "vencer um pouco melhor a questão
do entrosamento com a equipe e
com o chefe [FHC]".
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