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FISCO EM GUERRA
Mesmo após ameaças de Palocci, Leão acusa secretário de conspiração
Corregedor volta a atacar Rachid em ofício à Justiça
JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Em ofício remetido à Justiça Federal, o corregedor-geral do fisco,
Moacir Leão, fez duros ataques a
seu chefe, Jorge Rachid, secretário
da Receita Federal.
Acusou-o de tomar parte de
"conspiração", de criar "embargos e dificuldades a apurações" de
corrupção e de participar de diálogos que "não deixam margem à
dúvida quanto a ilícitos administrativos e penais".
O texto de Leão chegou à Justiça
em 16 de outubro. Dois dias antes,
o ministro Antonio Palocci Filho
(Fazenda) chamara Leão ao seu
gabinete. Na presença de Rachid,
exigiu o fim da disputa interna.
Depois do encontro, em nota
oficial, o ministro disse que os
dois subordinados "mostraram
total disposição de trabalharem
juntos na construção de uma Receita Federal eficiente, competente e coesa". A coesão apregoada
por Palocci desfaz-se nas páginas
do processo 2003.34.00.032798-4,
em tramitação na 9ª Vara da Justiça Federal de Brasília.
Anexado ao ofício de 16 de outubro, o corregedor Leão encaminhou cópia de correspondência
que remetera ao Ministério Público em 1º de setembro.
O texto investe contra Rachid
de modo ainda mais incisivo:
"[...] no mesmo sentido de opor
embargo à ação da correição, com
a finalidade de impedir que ilícitos graves sejam apurados, há indícios de que o atual secretário da
Receita Federal, Jorge Antônio
Deher Rachid, possa ainda estar
envolvido na tentativa de forjar
suspeição contra a chefe da divisão de ética e disciplina da Corregedoria Geral [Maria Elizabeth
Ungethuem] e contra o próprio
corregedor-geral [...]".
A pedido da reportagem, a assessoria de Rachid informou-o,
em detalhes, sobre o texto. Pediu
que se manifestasse. O secretário
da Receita quis o silêncio.
A ressurreição da crise que corrói a imagem da Receita devolve à
agenda um problema que o governo imaginava superado. Na
reunião que teve com Rachid e
Leão, Palocci deixou no ar uma
ameaça. Conforme versão difundida por ele próprio, disse aos
dois: "Vocês sabem que sou cirurgião e sei cortar".
Embora Palocci seja médico sanitarista, sua metáfora não deixou margem para dúvidas. Se a
Receita voltasse a ser exposta no
noticiário, demitiria Leão, Rachid
ou ambos. O ministro recebeu do
presidente Luiz Inácio Lula da Silva carta-branca para administrar
o problema.
A nova manifestação de Leão
foi provocada por uma intimação
do juiz Antônio Corrêa. Ele é titular da 9ª Vara Federal de Brasília.
Analisa um processo que nasceu
justamente da divergência entre
Leão e Rachid.
"Abuso de direito"
A origem é um memorando
(número 401/2003) enviado em 17
de setembro pelo corregedor
Leão ao superintendente da Receita Federal no Centro-Oeste,
Nilton Tadeu Nogueira, amigo de
Rachid.
No memorando, Leão intima
Nilton Tadeu a responder a um
questionário de quatro perguntas. Em todas elas, o nome de Rachid é mencionado:
1) "Frequenta V.Sa. ou frequentou a residência do doutor Jorge
Rachid?";
2) "O doutor Jorge Rachid frequenta ou já frequentou a residência de V.Sa.?";
3) "Mantém V.Sa. com o doutor
Jorge Rachid contatos telefônicos
fora do horário de expediente e
em finais de semana mediante o
uso de telefones particulares?";
4) "Teve V.Sa. encontros festivos e/ou comemorativos tais como em aniversários, almoços e
jantares ou em reuniões fora do
local de trabalho com o doutor
Jorge e/ou com familiares deste e
os de V.Sa.?".
O superintendente Nilton Tadeu considerou que a inquirição
do corregedor Leão violava a sua
privacidade. Abespinhado, ajuizou mandado de segurança, com
pedido de liminar. Buscava amparo legal para dar de ombros aos
questionamentos de Leão.
Em 29 de setembro, o juiz Antônio Corrêa concedeu a liminar.
Considerou o memorando de
Leão "ilegal, decorrente de abuso
de direito [...]". Mas, como toda
decisão liminar, o despacho do
juiz tem valor temporário. No caso específico, visou apenas evitar
prejuízos incontornáveis a Nilton
Tadeu. O corregedor ameaçava
impor-lhe um processo administrativo caso não respondesse à inquirição.
O juiz terá agora de julgar a causa em termos definitivos. Antes,
precisa munir-se de dados. Foi
por isso que intimou Leão a prestar esclarecimentos. Pediu que
explicasse as motivações do memorando inquisitivo.
No ofício que remeteu ao juiz
(número 011/2003), apenas 48 horas depois de ter dito ao ministro
Palocci que nada tinha contra Rachid, Leão traz à tona todos os
contenciosos que turvam os subterrâneos da Receita.
Para começar, ele deixa claro
que, ao inquirir Nilton Tadeu, visava mesmo a Rachid. Considera-o suspeito para julgar representação formulada contra um auditor
fiscal chamado Ruben Seixas Neto. Foi ele quem denunciou, em
27 de agosto, suposta pressão que
teria recebido da cúpula da Receita para "encerrar sem resultados"
fiscalização sobre o ex-secretário-geral da Presidência Eduardo Jorge Caldas Pereira (gestão FHC).
Na presença de Leão, o fiscal
Seixas Neto disse ter sido pressionado sobretudo por Nilton Tadeu, que era delegado da Receita
em Brasília à época em que
Eduardo Jorge encontrava-se sob
auditoria. Munido de uma carta
em que, ao contrário de pressionar pelo fim da fiscalização, pede
a sua postergação, Nilton Tadeu
revoltou-se.
"Secretário é suspeito"
Encaminhou ao secretário Rachid uma representação administrativa contra o fiscal.
Em ofício a Leão, Rachid abordou o assunto. Leão irritou-se. Na
resposta ao juiz, o corregedor se
refere assim à correspondência
que recebeu do chefe: "Em procedimento inusual, o secretário da
Receita Federal informou ao corregedor que havia recebido a representação contra o auditor fiscal, determinando que fosse remetida cópia do termo de constatação lavrado na Corregedoria
Geral referente ao depoimento do
auditor Ruben Seixas. Ou seja,
avocou tacitamente a análise da
referida representação".
Na opinião de Leão, cabe a ele, e
não a Rachid, analisar a queixa
contra o fiscal Ruben Seixas. Disse o corregedor ao juiz: "Não pode remanescer dúvida de que o
secretário da Receita Federal,
amigo pessoal do impetrante
[Nilton Tadeu] é suspeito para
instaurar e julgar o processo [...]".
Estava explicado o motivo da
inquirição de Leão a Nilton Tadeu. O corregedor queria elementos que o levassem a arguir a suspeição de Rachid. Além do pedido de liminar que encaminhou ao
Judiciário, Nilton Tadeu encaminhou a Rachid uma segunda representação administrativa, dessa
vez contra Leão.
Na resposta ao juiz, o corregedor se refere ao gesto assim: "[...]
apressou-se em também representar contra o corregedor-geral
[...] Ficou assentado, com clareza
meridiana, que Nilton Tadeu Nogueira e o secretário da Receita
Federal Jorge Rachid não apenas
são amigos como, juntos, na intimidade e cumplicidade, entabulavam conspiração contra o corregedor-geral".
A suposta "conspiração" já fora
mencionada por Leão no ofício
que havia enviado ao Ministério
Público e que anexou à resposta
entregue ao juiz da 9ª Vara. O corregedor explica em minúcias qual
seria o objetivo da manobra.
Diz: "[...] visa, como demonstram os fatos [...], simular situação de suspeição da autoridade
maior da Corregedoria em benefício do auditor fiscal Sandro
Martins Silva, até recentemente
lotado na assessoria do próprio
secretário [Rachid], e do auditor
fiscal aposentado Paulo Baltazar
Carneiro, ex-secretário-adjunto
da Receita Federal, processados
pela Corregedoria em inquérito
no qual o titular da Receita [Rachid de novo] tem interesse pessoal [...]".
Leão refere-se a caso da empreiteira OAS. Foi multada pela Receita em R$ 1,1 bilhão. Rachid, à
época fiscal em Salvador, compunha a equipe que lavrou a infração. Numa fase em que estavam
desligados da Receita, os auditores Sandro Martins e Paulo Baltazar prepararam o recurso da empresa ao Conselho de Contribuintes da Receita -a dívida caiu para R$ 25 milhões. Leão diz que receberam R$ 18 milhões.
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