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JANIO DE FREITAS
O poder da incoerência
O governo está absolutamente confuso, nos dois
sentidos que a expressão pode
ter. Ninguém se entende, à falta
de diretrizes, ainda que simplórias. E nos últimos dias o comando do governo experimentou uma rara sequência de derrotas políticas e éticas, mais de
uma a cada dia, como se mãos
misteriosas as encadeassem para lembrar, em particular ao
próprio Luiz Inácio Lula da Silva, que o poder se exerce com os
pés no chão sólido da realidade.
É a esse estado de coisas que se
deve atribuir a repentina ida do
ministro Antonio Palocci Filho
para apresentar, em rede nacional, a "vitória sobre a inflação"
programada por Duda Mendonça. Escolha muito acertada,
porque a política econômica de
Palocci foi apontada como causa principal de uma das pancadas da semana -a forte queda
de Lula na pesquisa CNI/Sensus.
Escolha certa do figurante,
mas a incoerência da idéia só fez
engordar a confusão. Palocci teve que bradar o seu grito do Ipiranga -"Vencemos esta batalha! A inflação está controlada!"- apenas 30 horas depois,
nem dois dias, de proclamada
pela sua política econômica a
permanência da mais alta taxa
de juros reais do mundo. Dada
como necessária para vencer a
inflação que está vencida.
Como a coerência do governo
está em ser incoerente, é por aí
que se deve entender também o
complemento da vitória anunciada, segundo o qual, já que os
pesquisados reclamaram da estagnação econômica, "o país está pronto agora para voltar a
crescer". Duda Mendonça já foi
melhor. Antonio Palocci talvez
não. Pois o ministro que anuncia a volta à política de crescimento passou a semana batalhando para que o Congresso
mantenha, no Orçamento proposto pelo governo para 2004,
os cortes de todos os investimentos governamentais e até de
gastos exigidos pela Constituição, como os destinados à saúde. A política econômica pede
ao Congresso a aprovação de
um Orçamento feito para manter a estagnação.
Ou seja, a política verdadeira
do governo, que não passa pela
maquiagem ilusionista de marqueteiro nenhum, está destinada a reproduzir estas manchetes
que apontaram algumas das
derrotas e tonturas do governo
nos últimos dias: "Fábrica brasileiras fecham mais vagas" [no
mundo] / "Juro alto fez dívida
pública bater recorde e chegar a
R$ 707,7 bilhões"/ "SP chega à
marca recorde de 2,03 milhões
sem emprego"/ "Taxa de desocupação sobe para 20,6%, índice
mais elevado desde 85"/ "IBGE:
renda do trabalhador [não só
operário] despenca 14,6%" /
"Renda familiar cai e mais pessoas vão procurar emprego"/
"Lula gasta com Saúde menos
do que manda a lei", e por aí vai.
Mas não é só nas suas exibições para a mídia que o governo
divulga seu estado de confusão e
a incoerência como regra. Na semana anterior àquelas manchetes, Antonio Palocci prestou demorado depoimento no Senado. Eis dois dos trechos, sobre
aumento de impostos, representativos do todo:
"Quando dizemos que não vamos aumentar a carga tributária, isso não é um discurso. Não
é retórica".
Outro momento palocciano:
"Não digo que não haverá aumento de carga. Ninguém pode
dizer isso."
Correção em tempo: ficou dito, lá em cima, que o Orçamento
preparado pelo governo corta
todos os gastos. Todos, não. Os
gastos da Presidência da República ficam a salvo: são tão liberais, ou neoliberais, que, segundo a comparação de Mônica
Bergamo na Folha, se tornaram
maiores até do que ao tempo de
Fernando Henrique, o faustoso.
Rica Presidência quer dizer pobre país.
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