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NO PLANALTO
Saiba por que a cadeia é usina de crime
JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
A criminalidade é questão
das mais discutidas. Exausto
de tanto debate, o Brasil se imagina diante de dilema sem solução.
Engano. Na verdade, o país nem
sequer enxergou o problema.
Pior: talvez não queira enxergar.
Pede-se mais polícia e mais presídios. Como se a cadeia fosse o
fim do problema. Bobagem. É no
cárcere que a encrenca começa.
A despeito dos grupos de extermínio, não há entre nós a pena de
morte formal. Nem a prisão perpétua. Ou seja, quem sobrevive à
cana está condenado à liberdade.
Desnecessário qualificar as cadeias brasileiras. Qualquer zoológico oferece estadia mais decente.
Tratado assim, como sub-bicho, o
preso vira uma fera. E ganha as
ruas.
Documento entregue às principais autoridades da República
em janeiro de 2003 informa: 70%
dos 295 mil presos brasileiros são
reincidentes. O texto foi produzido por auditores do Tribunal de
Contas da União.
Analisaram-se dados relativos
à fase de 2000 a 2002. Quem lê o
trabalho percebe que a violência
não é fruto de improviso. Nossas
cadeias são deliberadamente estruturadas como escolas do crime.
Algumas informações expostas
no relatório:
1) virou letra morta a Lei de
Execução Penal, de 1984. Contém
normas de "prevenção" ao crime
e "ressocialização" do criminoso.
Estabelece os "direitos" do preso
-educação e trabalho, por
exemplo;
2) "as penitenciárias não foram
planejadas para atividades de
educação, profissionalização e
trabalho." Faltam salas de aula e
oficinas;
3) há no país 46.514 agentes penitenciários. Só 5.449 atuam em
atividades de "ressocialização. Os
demais 72,5% dedicam-se à segurança;
4) visitaram-se 18 cadeias em
nove Estados. Entrevistaram-se
108 presos. Enviaram-se questionários a todas as prisões de regime fechado. As respostas indicam
que 77% da população carcerária
não estuda. Onde há ensino, ele é
precário e descontinuado;
5) São Paulo guarda em seus calabouços 72.140 criminosos (40%
do universo carcerário nacional).
Só 12.500 (17%) estudam. Registrou-se percentual idêntico no
Distrito Federal, Ceará, Paraíba e
Bahia;
6) em Estados como Espírito
Santo, Acre, Rondônia, Goiás,
Amazonas e Pará só 7% dos presos têm acesso a educação;
7) o Paraná, campeão de civilidade, oferece ensino a míseros
31% de seus detentos. Seguem-se
Minas (30%), Mato Grosso e Maranhão (ambos com 28%) e, mais
atrás, Rio Grande do Sul, Amapá
e Alagoas (todos com cerca de
20%);
8) a qualificação profissional é
virtualmente inexistente. Em São
Paulo, "se aproxima de zero". Nos
Estados mais bem estruturados
passa de 50% o número de presos
mantidos no ócio. O "direito" ao
trabalho converteu-se em "privilégio";
9) o preso-trabalhador deveria
receber pelo menos 70% do salário mínimo. Nem sempre recebe.
Convênios com empresas privadas são, em muitos casos, desvirtuados. No presídio feminino de
Brasília, por exemplo, "empresas
se instalam de maneira informal". Flagraram-se detentas trabalhando sem receber;
10) contam-se nos dedos de uma
mão as experiências positivas implantadas nos Estados. São programas oficiais, parcerias com entidades como o Sebrae e convênios com empresas. Mas "as boas
práticas ainda não estão devidamente consolidadas";
Ouvido, Angelo Roncalli, diretor do Departamento Penitenciário Nacional (Ministério da Justiça), diz: "A visão atual privilegia
a segurança, atividade meio. É
preciso migrar para um sistema
que contemple a ressocialização,
atividade fim. Se fizermos tudo
certinho, em 20 anos o quadro pode estar melhor".
Gerência de presídios, lembra
Roncalli, é obrigação dos Estados.
Brasília ajuda pouco. No orçamento de 2003 há R$ 217 milhões.
Só R$ 2 milhões vão para a assistência ao preso. O resto financiará a construção e reforma de cadeias.
Em 1995, havia no país 95 mil
presos. Hoje, há 295 mil. Só São
Paulo faz 1.500 novas detenções a
cada mês. "O governo paulista teria de construir três novos presídios a cada 30 dias, o que não
ocorre", contabiliza Roncalli.
"Enquanto não for resolvido o
problema da superlotação, fica
difícil investir em outra coisa."
A discussão sobre a necessidade
de "humanizar" as prisões é coisa
do século 18. A conveniência da
"ressocialização" do criminoso
tonificou-se no final do século 19.
Atrasados em mais de um século,
ainda não acordamos para o problema.
Por sorte, temos os pés no chão.
E as mãos também. Em futuro
próximo, teremos casas com portas a prova de canhão. Seu filho o
identificará pelo olho mágico.
Você dirá a senha. Em 15 minutos, ele dará as cinquenta voltas
na chave. Mais 20 minutos e todas as trancas estarão destravadas. Tempo suficiente para você,
precavido, levar a mão ao revólver.
No interior do quarto de TV
blindado, enterrado no segundo
subsolo de sua casa-fortaleza, você verá no noticiário um flash, ao
vivo, sobre a 35ª rebelião carcerária das últimas 24 horas. Antes de
dormir, perguntará à sua mulher
quantas vezes ela foi assaltada no
dia. "Só sete pela manhã e nove à
tarde." E vocês dormirão aliviados.
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