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JANIO DE FREITAS
As fontes verdadeiras
A dúvida é se Luiz Inácio Lula
da Silva tem conhecimento de
que a surpreendente linha econômica e social do governo, definida
no documento "Políticas Econômicas e Reformas Estruturais"
apresentado pelo ministro Antonio Palocci, provém de uma espécie de ONG financiada por instituições internacionais interessadas em tal linha. E que essa ONG
intermediária tem um de seus dirigentes como secretário de Política Econômica do Ministério da
Fazenda, outro dos sócios como
secretário-executivo do Ministério da Assistência e Promoção Social e um terceiro como secretário
de Avaliação.
É difícil admitir que Lula da Silva tenha informação desse enlaçamento. Ainda assim, não poderá mais dizer, sob pena de ser inverdadeiro com a população,
que a política econômica é transitória e forçada pela "grave situação" em que o governo passado deixou o país. A linha escolhida para enfrentar a situação,
contrária a tudo o que Lula e o
PT simbolizavam, sabe-se agora
que não é forçada nem transitória.
A indignada entrevista da professora Maria da Conceição Tavares, na Folha da última segunda-feira, estabeleceu a identidade do documento divulgado
por Palocci com a concepção, vigente no Banco Mundial, FMI &
cia., de que o problema brasileiro básico é o déficit governamental. Ao passo que "todos os economistas bons desse país" localizam
o problema básico no "estrangulamento externo, no aumento dos
passivos externos" (dívida externa, seus juros, e balança de transações internacionais).
Diagnóstico diferente, receituário diferente. Ter o déficit como
alvo de prioridade absoluta conduz à exacerbação dos cortes de
investimentos e dos gastos com
funcionalismo, aposentadorias e
demais finalidades sociais. Como
fez e faz o governo Lula, com os
cortes de mais R$ 15 bilhões no
Orçamento já sufocante deixado
pelo governo anterior e, em seguida, com o aumento da sua meta
de saldo neste ano, equivalente a
mais uns R$ 55 bilhões para pagar juros.
Diante das necessidades sociais,
a política de prioridade ao déficit
adota o que chama de "focalização", que é a seleção de setores ou
bolsões com os quais admite determinadas porções de gastos, em
vez da concepção generalizadora
chamada de "universalização".
Mas centrar a divergência suscitada por Conceição Tavares apenas em "focalização" versus "universalização", como os adeptos
da primeira estão forçando, é escamotear o principal: o diagnóstico e a decorrente linha de política
econômica, dos quais "focalização" ou "universalização" não
passam de instrumentos (apesar
de seu profundo sentido ideológico).
Quase que só de passagem, porém, Conceição Tavares fez duas
referências que foram pinçadas e
ressaltadas aqui nesta coluna, como necessitadas de explicação pelos envolvidos. Uma delas: "As estatísticas sociais apresentadas no
Conselho de Desenvolvimento
Econômico e Social [aquele criado por Lula para definir as propostas de reforma] foram falsificadas". A outra dizia que os ocupantes dos postos citados no começo deste texto, quando ainda
fora do governo, "montaram um
instituto, que é uma ONG, que recebe em torno de US$ 250 mil do
Banco Mundial para fazer o tal
estudo especial para focalizar".
Estudo do qual derivou o documento definidor da política econômica divulgado pelo ministro
Antonio Palocci.
Marta Salomon, que figura no
pequeno grupo dos melhores repórteres brasileiros, trouxe a resposta à segunda questão. O secretário de Polícia Econômica, Marcos Lisboa, que mandara a esta
coluna correspondência negando
os vínculos que a entrevista lhe
atribuíra, tem mais do que simples vínculos. Integra o conselho
de administração do instituto,
Iets, que, além de financiado pelo
Banco Mundial e outras entidades internacionais, como o Banco
Interamericano, recebeu também
altos valores do governo passado.
Só no último ano e meio do
mandato de Fernando Henrique
Cardoso, o Iets recebeu pelo menos R$ 3.425.957,00 o equivalente
a 17.130 salários mínimos. Na correria de fim de mandato, dois pagamentos, nos dias 20 e 27 de dezembro, somando R$ 812.057,00,
ou 4.310 salários mínimos. Tudo
tão transparente, que os integrantes do Iets hoje na cúpula do governo e seus associados preferiram não publicar os exigidos balanços correspondentes a 2001 e
2002.
Pelo valor já verificado, e não é
todo, a obra do Iets para o governo deve ser de gênios. Mas seu
maior mérito, se não for o único, é
o de levar à identificação da procedência, doutrinária e financeira, da surpreendente política econômica e social, ou antieconômica e anti-social, que está levando o governo a desprezar outro dos
valores de que também Lula da
Silva e o PT foram simbólicos: o
direito democrático de divergir e
o dever moral de ser coerente com
os princípios está sendo negado
aos membros do PT e aos ministros não petistas, para que calem
seu desacordo com a política econômica e seus desdobramentos.
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