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São Paulo, domingo, 27 de abril de 2003

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REFORMA TRIBUTÁRIA

Consultor do PT ressalva que mexer em interesses dos ricos é difícil

Para Khair, proposta é pouco progressiva

DA REPORTAGEM LOCAL

Tradicional colaborador do PT para a área de finanças públicas, Amir Khair, consultor na área fiscal e tributária, avalia que a reforma tributária a ser proposta pelo governo poderia ter um caráter mais progressivo, ou seja, cobrar alíquotas maiores de acordo com o tamanho da renda e da riqueza do contribuinte.
"Mexer em interesses de quem tem muita riqueza é difícil", afirmou Khair, que foi secretário de Finanças da Prefeitura de São Paulo durante a gestão Luiza Erundina (1989-1992). "Em relação a outros países, o Brasil tributa muito pouco a renda e o patrimônio", declarou o consultor.
Khair, que elogia a iniciativa de criar um imposto sobre heranças e doações, acha que o sistema tributário brasileiro seria mais justo com a instituição de um imposto sobre grandes fortunas.
"Fala-se muito da renda mínima, mas isso é uma iniciativa do lado da despesa. A reforma tem de focar a receita. Por isso é importante colocar um artigo na Constituição que permita que todo e qualquer tributo seja progressivo", disse. (JD)
 

Folha - Como o sr. avalia a proposta do governo que visa a alterar o sistema tributário?
Amir Khair -
É a reforma tributária possível, em que existe um grau de consenso. As tentativas que foram feitas no passado não conseguiram emplacar. Eles fizeram a coisa correta do ICMS com legislação única, em que se pretende que seja mais simplificada. Não vai ser fácil simplificar. Evitar as 27 legislações e padronizar as alíquotas já é uma grande coisa.

Folha - Haverá aumento da carga tributária com a criação de apenas cinco alíquotas para o imposto?
Khair -
Sempre que você faz uma reforma tributária acaba tendo. Nesse caso, depende. As alíquotas que interessam aos Estados, que são as de energia elétrica e de comunicações, são as maiores. Normalmente 25%, em vez de 18%, que é o normal das alíquotas. Só o fato de ter algo padronizado já vai fazer com que você nivele essas alíquotas por cima.

Folha - Então haverá um impacto negativo para o consumidor?
Khair -
Sim, se eles não fizerem um sistema interno de compensação. Vamos supor que definam um novo conjunto de alíquotas que todos os Estados têm de respeitar. Alguns ganhariam e outros perderiam. Os Estados que sairiam ganhando teriam de colocar esse algo a mais num fundo para dividir com os que estão perdendo porque o espírito da reforma é o da neutralidade. Esses fundos preservariam a receita que Estados ou municípios tiveram nos últimos anos.

Folha - O que falta na proposta?
Khair -
Acho que deveria estar contemplada a parte relativa ao imposto sobre grandes fortunas. Quem tem uma riqueza acima de certo montante pagaria esse imposto com uma alíquota baixa. A Constituição atual prevê esse imposto, mas nunca foi regulamentado porque dependia de lei complementar. A tributação sobre a herança vai ser um avanço. Permite cobrar de heranças baixas um pequeno valor e mais de 4% acima de certo valor.
Como o IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano), que pode ser progressivo. É uma questão de justiça tributária. Acho que a Constituição deveria ter algum artigo dentro da reforma tributária prevendo que todo e qualquer tributo poderá ser progressivo na forma da lei. Assim se faz justiça fiscal: cobra mais de quem tem mais e reduz de quem tem menos.

Folha - Por que o sr. considera o imposto sobre grandes fortunas tão importante?
Khair -
Quando fazemos tributação em cima da atividade econômica, tributamos produção, um movimento, um fluxo. Outra coisa é tributar estoque, que é a riqueza. Você pode descarregar impostos sobre o fluxo, se você quer manter a mesma carga tributária. A brasileira, que é hoje de 36% do PIB, poderia baixar para 31%, por exemplo, diminuindo a tributação sobre a atividade econômica.

Folha - Por que o governo não propõe essa cobrança, que é uma tradicional defesa do PT?
Khair -
Mexer em interesses de quem tem muita riqueza é difícil. É relevante colocar essa questão em pauta porque ela está omissa nessa discussão. Em relação a outros países, o Brasil tributa muito pouco a renda e o patrimônio. Poderíamos mexer ainda na questão progressiva dos tributos sobre a propriedade e nas alíquotas do Imposto de Renda. Essa de 27,5% para pessoa física é muito baixa. Você pode estabelecer uma faixa mais alta. Poderia ser 35%.

Folha - O sr. acha que a proposta poderia ter sido mais progressiva?
Khair -
Acho que sim. Fala-se muito da renda mínima, mas isso é uma iniciativa do lado da despesa. A reforma tem de focar a receita. Por isso é importante colocar um artigo na Constituição que permita que todo e qualquer tributo seja progressivo.

Folha - Houve enfoque correto sobre a questão?
Khair -
O mais importante não se fala. É colocar no papel onde se está e onde de se quer chegar. Para isso, precisamos de planejamento. Saber quem tem que pagar para o Estado, quanto e como. E distribuir isso na sociedade. Quanto menor a renda, menor a tributação. Hoje quem ganha mais, paga proporcionalmente menos imposto. Tem muita carga de ICMS, o imposto mais alto. Mas o rico e o pobre pagam o mesmo pelo quilo de arroz. Na progressividade sobre o patrimônio e a renda, o rico paga proporcionalmente mais do que o pobre.

Folha - Quem ganha com a proposta do governo?
Khair -
Ela está por enquanto pesando na discussão de não desagradar aos governadores. O ponto principal é o ICMS. A discussão que veio a tona foi essa. Viram o que tem de comum: unificação, cobrança no destino, que vai dar muita confusão. Para não ter tanta discussão, deixaram a questão para lei complementar, que passa com maioria. Mas isso vai estourar lá na frente.


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