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São Paulo, domingo, 27 de abril de 2003

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ELIO GASPARI

Toda cabeça boa nasce torta

A consultora McKinsey botou no ar um daqueles artigos sobre administração de empresas que fazem a felicidade de quem os lê. Seu autor é Charles Roxburgh, um dos diretores da empresa em Londres. Chama-se "Os defeitos ocultos na estratégia". Todo mundo fala em estratégia, inclusive pessoas que não sabem o significado da palavra. Pior: depois que se diz que uma determinada proposta faz parte de um "planejamento estratégico", qualquer tolice parece estar referendada por um conhecimento infalível.
Roxburgh sustenta que as pessoas tendem a cometer alguns erros porque o cérebro funciona de um jeito capaz de levá-las a isso. Ele lista oito tendências ao erro. Uma delas é a propensão a "ancorar" números. Quem estiver interessado, deve anotar num papel os três últimos dígitos do número de seu telefone. Em seguida, pode escrever a época aproximada em que acredita ter vivido Gengis Khan. Em geral as pessoas respondem que o mongol viveu no primeiro milênio, que tem três dígitos. Erro. Ele viveu no segundo, de quatro dígitos (1162-1227). O que aconteceu? Diante de uma questão para a qual não tem resposta, o cérebro tende a ancorar o palpite em algo parecido com o último número que passou por lá. (Desde que faça algum nexo.)
Adiante, alguns outros defeitos:

Excesso de confiança
As pessoas gostam de estar certas e tendem a acreditar que estão certas. Lord Keynes ensinou que o sujeito prefere errar com uma afirmação precisa do que acertar com uma afirmação vaga. Testa-se essa hipótese, convidando um grupo de pessoas a estimar a faixa de quilômetros dentro da qual está a extensão do rio Nilo. Quem disser que ele tem entre 4 mil e 20 mil quilômetros, tem 90% de chances de acertar. Apesar disso, nove em dez pessoas estimaram uma faixa mais estreita e erraram. (O Nilo tem 6.695 km.) Quem já viu ministro da Fazenda brasileiro prevendo o crescimento do PIB presenciou esse enguiço na sua manifestação ridícula.
Roxburgh conta que a Shell evita que seus executivos escolham uma entre três opções. (Em geral as pessoas ficam com a do meio.) A empresa pede que escolham duas entre quatro opções. Ele sugere que se sobretaxe em 20% ou 25% qualquer projeção pessimista. A Lloyd de Londres trabalhava com a hipótese de queda de um jato no centro da cidade. Passou bem pelo 11 de setembro. Se FFHH soubesse disso não teria havido apagão.

Contabilidade mental
A expressão é de Richard Thaler, um dos criadores da "economia comportamental". Ele descobriu que as pessoas tendem a tratar certas despesas e investimentos como se lidassem com moedas diferentes. Um exemplo: as empresas tendem a cortar custos no fabrico do seu principal produto para colocar mais recursos no lançamento de um novo, sobretudo quando é chamado de "investimento estratégico".
Dinheiro ruim estraga o bom
Erro conhecido. Para tristeza da Viúva, o BNDES tem a melhor bibliografia sobre essa forma de demência. Ela se associa à "contabilidade mental". Gastar R$ 100 milhões com o andar de baixo brasileiro é um absurdo. Emprestar mais R$ 100 milhões a uma empresa do andar de cima americano que não pagou o bilhão que deve, soa normal, como se fossem moedas diferentes. (Talvez sejam, mas essa é outra conversa.)

Deixa como está
A experiência é clássica. Um grupo de jovens é dividido em duas turmas. Numa, dá-se a cada um deles uma herança milionária para investir, mostrando-lhes que boa parte do dinheiro já está aplicada em papéis alto risco e alto retorno. No outro grupo, a mesma coisa, mas o investimento está num papel de baixo risco e pouca remuneração. Ambos podem fazer o que quiserem. A maioria dos novos milionários deixa o dinheiro onde estava. (Algo como eleger um presidente do PT.)
Roxburgh acha que se enfrenta essa lesão partindo da idéia de que tudo deve estar à venda, desde que haja alguém querendo comprar. Além disso, não se deve achar que a retirada do dinheiro de uma aplicação signifique fracasso.

Serviço - O artigo de Roxburgh, em inglês, está na página da publicação McKinsey Quarterly. Pede-se ao curioso que se cadastre. Vale a pena porque é grátis e seus artigos são muito bons. O endereço é: http://www.mckinseyquarterly.com/article-page.
asp?ar=1288&L2=21&L3=37&srid=6&gp=1A


O que é isso?

Um cidadão foi a Brasília, conversou com diversas pessoas e foi recebido por Lula. Tomou o carro e estava chegando ao aeroporto quando seu celular tocou. Era o chefe do Gabinete Civil, companheiro José Dirceu, perguntando-lhe o que haviam conversado.
O cidadão assustou-se.

Lei de Haddad

Do economista Claudio Haddad a respeito da reforma da Previdência:
"Toda reforma da Previdência tem dois componentes. Um é a redução das despesas com os servidores públicos. Aí há uma esperança. O outro o aumento do valor que se arrecada aos trabalhadores da iniciativa privada. Esse é uma certeza."
Até agora a reforma de Lula demonstra que a Lei de Haddad vai bem, obrigado.

Parolagem

Disse assim o novo embaixador de Lula em Havana, deputado Tilden Santiago:
"Não nos envolveremos quando uma superpotência (os Estados Unidos) quiser utilizar os direitos humanos não para defendê-los, mas para fazer manipulação política".
Noves fora três sujeitos que queriam cair fora da ilha para onde o doutor vai (com direito a Duty Free) e foram passados nas armas, o companheiro Celso Amorim podia explicar a Tilden Santiago que ele foi nomeado embaixador em Cuba, e não anti-embaixador nos Estados Unidos.

EREMILDO, O IDIOTA

Eremildo é um idiota mas não leva desaforo para casa. Ele adorou o destampatório da professora Maria da Conceição Tavares em cima da ekipenômika de Lula. Coisas como "garotos espertos", "infiltrados", "débeis mentais", e "papalvos" (patetas). Se Conceição tivesse dito coisas assim contra Pedro Malan e Armínio Fraga, o idiota acharia que ela estava sendo grosseira. Falando para sua turma (no dialeto da chefia) foi apenas enfática.
O idiota se aborreceu com o doutor André Urani, presidente do conselho da sociedade que produziu o documento chamado de "Agenda Perdida" (preparado pela Ekipe Achada). Ele replicou reclamando das "difamações que não agregam nada ao debate democrático que este país precisa travar para se tornar um país decente."
Eremildo reconhece que é idiota, mas lembra: "Doutor Urani: quem vive em país indecente é o senhor, e sabe porque."

A SAR chegou ao Brasil. Pegou o Unafisco

É dura a vida do pessoal do Unafisco, o sindicato dos auditores da Receita Federal. Em oito anos de tucanato fizeram 11 meses de greves e operações-padrão, tornaram-se fonte prestativa e confiável de parlamentares petistas para divulgar idéias, dados e propostas relacionadas com a política tributária. Ajudaram os bem pensantes do PT a denunciar o confisco do congelamento das alíquotas do Imposto de Renda. Veio o governo petista e parece que a turma do Unafisco está com a Síndrome Respiratória Aguda Grave. A ekipekonomica quer distância deles e de seus temas. As cabeças coroadas da bancada sumiram de seu caminho.
A área do governo que cuida de assuntos corporativos trata o Unafisco a pão de ló, mas os rapazes da Fazenda não entenderam que eles defendem idéias que beneficiam os outros. Coisas antigas, como taxar o capital e poupar o trabalho, tirar a mão do bolso dos trabalhadores, mostrando que o congelamento das alíquotas lesou 12 milhões de trabalhadores. Coisas como buscar um jeito de transformar o Imposto Territorial Rural num tributo sério. Arrecada-se menos com o ITR em todo o país do que com o IPTU da Dona Marta em alguns bairros de São Paulo.
O doutor Palocci e sua ekipe da Agenda Perdida devem tomar cuidado com a turma do Unafisco. Idéias como as deles são como a SAR, contagiam.

ENTREVISTA

Luiz Antônio Moniz Bandeira

(67 anos, autor de "Brasil, Argentina e Estados Unidos - Da Tríplice Aliança ao Mercosul")

- O senhor acha que Lula está encrencando as relações com os Estados Unidos?
- O que parece encrenca é apenas uma questão de ênfase. As divergências políticas entre os dois países são inevitáveis. Para os Estados Unidos, o essencial é a política econômica praticada pelo governo brasileiro. Até agora, a política de Lula é do aplauso dos investidores estrangeiros. De um lado o governo faz a única coisa que poderia fazer e de outro os americanos aliviam-se. Não lhes interessa uma debacle brasileira. A estabilidade da nossa economia interessa a Lula e, em certa medida, a George Bush. Fora dai, há detalhes. Os americanos podem não gostar da posição brasileira diante da guerra do Iraque ou a respeito de Cuba, mas preferem que a divergência fique por aí, na folhagem. A posição do Brasil em relação ao Oriente Médio tem o peso das palavras. Só. A política externa brasileira continua com a sua marca de continuidade. Fernando Henrique Cardoso teve posições muito independentes. É verdade que o Itamaraty entregou a cabeça do embaixador Bustani aos americanos. Eu acho que o embaixador Celso Amorim não tiraria os sapatos numa revista no aeroporto de Washington, como fez o professor Celso Lafer, mas isso é uma questão de tom.
- O senhor teme uma recaída do intervencionismo dos Estados Unidos contra Cuba?
- Apesar do lobby cubano em Washington, que é bastante forte, os Estados Unidos não têm interesse em radicalizar o problema cubano. Em 1959, quando Fidel Castro entrou em Havana, os cubanos eram 6 milhões. Uns 300 mil abandonaram a ilha e hoje constituem uma comunidade de 1 milhão de pessoas nos Estados Unidos. É possível que esse milhão da diáspora detenha mais riquezas que todos os 12 milhões de cubanos que vivem na Ilha. A economia cubana de hoje é menor que a do tempo de Fulgêncio Batista, o ditador derrubado por Fidel Castro. Essa gente, mesmo sendo pobre, não vai entregar o que tem de mão beijada. Uma guerra civil em Cuba levaria pelo menos 2 milhões de pessoas para Miami. Qualquer intervenção americana em Cuba custaria aos Estados Unidos mais que o milhão de dólares que os soviéticos mandavam para lá. Hoje uma das pessoas mais beneficiadas pela longevidade de Fidel Castro é George Bush.
- Como ficam as relações do Brasil com a Argentina se o ex-presidente Carlos Menem ganhar a eleição de hoje?
- A esta hora, isso é apenas uma hipótese. Podemos esperar um renascimento da política de picuinhas com o Brasil e uma tentativa dele de se transformar num Tony Blair latino-americano. Nem sei se não é o Blair quem se tornou um Menem britânico, com aquela coisa de relação carnal com os Estados Unidos. A Argentina tem no Brasil um prolongamento do seu mercado interno. Nenhum presidente vai colocar isso em risco. Nós deixamos de produzir trigo e de comprá-lo ao Canadá, para importar o argentino. Com o petróleo, dispensamos fornecedores do Oriente Médio. Teremos continuidade, com solavancos.


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