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Supremo tenta evitar decisão radical sobre reserva indígena
"Às vezes a decisão contraria as duas partes", afirma Ayres Brito, relator do caso
A questão envolve debates fundamentais para firmar o entendimento do STF sobre o processo de demarcação de terras indígenas no país
FELIPE SELIGMAN
FERNANDA ODILLA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O STF (Supremo Tribunal
Federal) começa a julgar hoje
uma ação que contesta o processo demarcatório da reserva
indígena Raposa/Serra do Sol
em Roraima. A tendência da
corte é modificar a demarcação
contínua, excluindo algumas
áreas do território estabelecido
pelo decreto do presidente Lula, em abril de 2005.
A decisão dos ministros, segundo a Folha apurou, não será "radical" para nenhuma das
partes: o Supremo não deverá
manter a área de forma contínua como está hoje, mas também não deverá cancelar o decreto em sua totalidade ou isolar os índios em "ilhas", forma
debatida até pelos ministros
quando julgavam o pedido de
Roraima para interromper a
retirada dos não-índios pela
Polícia Federal, em abril.
A questão, considerada por
muitos ministros a "mais complexa" desde a edição da Constituição, envolverá debates
fundamentais para firmar o entendimento do STF sobre como deve ser o processo de demarcação de terras indígenas.
No caso da Raposa, de um lado estão governo federal, índios e ONGs que querem manter o decreto de Lula que definiu a reserva em área contínua
de cerca de 1,7 milhão de hectares. Alegam que a Constituição
garante o uso "exclusivo" das
terras tradicionalmente ocupadas por índios. O governo está
disposto a manter intacta a demarcação, embora alguns setores temam o estabelecimento
de uma jurisprudência que
prejudique o agronegócio.
"A discussão do STF incide
sobre discussão que já estava
estabilizada e que foi prejudicada por pessoas que ocupam
terras públicas", disse o ministro Tarso Genro (Justiça).
Do outro lado estão arrozeiros que produzem em cidades
do interior da reserva, congressistas do Estado e o governo estadual. Afirmam que terras indígenas ocupam quase 50% da
área de Roraima e que a soberania do Estado estaria em risco. E dizem que a produção dos
arrozeiros representa 6% do
PIB estadual. "Do jeito que está, o Estado não cresce, não há
segurança para investir em Roraima", disse Regis Jereissati,
procurador do Estado. Preparado para participar da sustentação oral, o advogado dos arrozeiros, Luiz Albrecht, disse
que vai relatar a história da
ocupação do Estado, questionar como o laudo antropológico foi feito e mostrar que, por
trás de índios, estrangeiros
ameaçam a soberania.
O STF não havia definido até
a conclusão desta edição o tempo máximo e se todas as partes
teriam direito a apresentar hoje argumentações orais à corte.
Há a possibilidade de pedido
de vista, que dependerá da proposta do relator, ministro Carlos Ayres Britto, para a solução
do problema. Questionado no
início da semana sobre a possibilidade de desagradar índios
ou arrozeiros, ele disse que "às
vezes a decisão contraria as
duas partes". No caso concreto,
uma possível decisão intermediária beneficiaria na prática os
arrozeiros. Os índios, apesar de
perder o direito "exclusivo de
usufruto", teriam quase a totalidade de suas terras mantida.
Outro ponto que deve ser
discutido é o fato de que, inicialmente, Raposa e Serra do
Sol eram separadas. Os ministros precisarão debater se há a
comprovação de continuidade
e relação entre os índios que vivem em cada uma das regiões.
E definir também um parâmetro temporal para analisar a
presença de índios e não-índios. A Folha apurou que alguns ministros irão propor que
seja 1988, ano em que a Constituição foi promulgada. Se for
assim, seria constatada a presença de índios e arrozeiros,
que estão lá desde os anos 70.
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