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TROCA
Para presidente, acordo rende apoio para a aprovação do
foro privilegiado para ex-autoridades; por sua vez, o candidato
petista à Presidência recebe uma espécie de aval internacional
FHC e Lula criam 'ponte para o futuro'
KENNEDY ALENCAR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O presidente Fernando Henrique Cardoso e seu virtual sucessor, Luiz Inácio Lula da Silva (PT),
já fecharam um acordo de ajuda
mútua para o futuro. FHC terá
apoio de Lula para aprovar o foro
privilegiado para ex-autoridades.
E Lula, uma espécie de aval internacional de FHC.
Mais: confirmada a vitória de
Lula hoje, a conversa do petista
com FHC marcada para terça-feira será fundamental para a formação do novo ministério. Alguns
cotados têm ligações com o PSDB
e o próprio presidente. FHC "liberaria" essas pessoas a aceitar
eventuais convites.
Se seguir um conselho do atual
presidente, Lula não tardará a nomear o ministro da Fazenda e o
presidente do Banco Central do
seu governo. Para FHC, o mercado ficará ansioso pelos dois nomes e poderá dar início a uma
queda-de-braço com o PT antes
mesmo da posse, marcada para 1º
de janeiro de 2003.
A intenção de Lula é anunciar
logo apenas a equipe de transição,
mas o petista não descarta indicar
o ministro da Fazenda e o presidente do BC se julgar necessário.
Uma hipótese é colocá-los para
trabalhar desde já na equipe de
transição. Além desses dois nomes fortes da economia, seriam
indicados outros dois da política,
como José Dirceu, presidente do
PT, e Antonio Palocci, coordenador do programa de governo. Assim, o PT acha que o gesto não pareceria rendição ao mercado.
A Folha apurou que o próprio
Lula falou secretamente com FHC
por algumas vezes na eleição, mas
a maioria dos contatos com o presidente ficou a cargo de Dirceu.
Foro privilegiado
Nas conversas com Dirceu, FHC
pediu a garantia de que não será
perseguido, com reabertura de investigações sobre atos de seus
dois governos. Será atendido.
Além disso, negociou com o PT a
aprovação do foro privilegiado
para ex-autoridades, regra que o
STF (Supremo Tribunal Federal)
derrubou em 1999.
Hoje, FHC só pode ser processado penalmente por iniciativa do
procurador-geral da República,
Geraldo Brindeiro, funcionário
público indicado para o cargo pelo presidente da República.
As ações de natureza civil contra
FHC começam na primeira instância da Justiça Federal. Existem
cerca de 200 ações (entre populares e por improbidade administrativa) contra FHC -a maioria
sobre o processo de privatização.
Sem o foro privilegiado, FHC
poderá ser processado penal e civilmente em qualquer comarca
do país. Ou seja, estaria sujeito à
ação de juízes e de promotores de
primeira instância.
Foi por intermédio de Dirceu
que Lula e FHC costuraram esse
acordo. "Um presidente da República não pode ser deixado ao relento", diz Lula em conversas reservadas. Detalhe: como o PT está
prestes a virar governo, a prerrogativa será útil no futuro.
Transição e aval
Para FHC, a indicação rápida do
ministro da Fazenda e do presidente do Banco Central de Lula
permitiria a divisão imediata da
responsabilidade sobre a economia. Isso tranquilizaria o mercado, crê FHC, e permitiria maior
afinidade entre as duas equipes de
governo, a atual e a futura.
O temor de FHC é que o mercado não se contente com a equipe
de transição de Lula, por achar
que terá de lidar com pessoas diferentes daqui a dois meses. Se ficar claro desde já quem tocará a
área econômica, essa incerteza se
dissiparia, e o dólar poderia cair,
avalia o presidente.
A Folha apurou que esse assunto será tema do encontro de terça.
"O Lula não pode errar no começo. Deve passar credibilidade e
não pode começar com um duelo
com o mercado", diz o presidente.
Nas conversas com a comunidade internacional, FHC já vem
cumprindo o papel de avalista de
Lula. Foi assim, por exemplo, que
surgiu uma notícia no jornal argentino "Clarín", nas vésperas do
primeiro turno, dando conta de
que FHC dissera à comitiva do
presidente do país vizinho,
Eduardo Duhalde, que Lula venceria a eleição em 6 ou em 27 de
outubro. Para não melindrar Serra, FHC negou o comentário.
Mas consta que, perante os argentinos que visitavam Brasília,
FHC fez elogios a Lula, tratando-o
como um político equilibrado,
bem-intencionado e incapaz de
arroubos que coloquem em risco
a estabilidade monetária.
Nos próximos dois meses e no
começo do governo Lula, FHC
pretende continuar a transmitir
confiança na gestão petista, o que
soa contraditório com os recados
domésticos do segundo turno para satanizar Lula e ajudar Serra.
"Mais do que ajudar o Serra, o
presidente estava defendendo o
governo dele. O PT também aumentou o tom contra o governo
no segundo turno", diz um tucano amigo do presidente.
FHC pensa que uma derrocada
econômica na transição ou no início do governo Lula seria debitada na sua conta, já que a vulnerabilidade externa da economia é
sua herança mais perversa.
No aspecto político, FHC pretende fazer da transição uma inédita e exemplar demonstração de
apreço à democracia e de elegância administrativa. Além do controle da inflação, o presidente
atual acha que outra marca de sua
gestão será a estabilidade política.
Nesse quesito, também já andou dando conselhos a Lula: "Um
presidente precisa ter couro duro,
para suportar as críticas, especialmente as injustas, que não são
poucas", disse FHC a um petista.
Exterior e ONU
Vaidoso assumido, FHC se gaba
do respeito internacional que ganhou nos dez anos de poder (dois
anos como ministro da Fazenda e
oito anos como presidente).
Depois de passar a faixa presidencial ao sucessor, pretende viajar para o exterior e descansar por
um período de três meses. Em
princípio, evitará entrar na política doméstica, seja interferindo na
guerra que se prenuncia no PSDB,
seja criticando o PT. FHC acha
que o PT rapidamente tomará um
choque de realidade, verá como é
difícil ser vidraça e lhe dará razão
a respeito de reivindicações não
atendidas, como altos reajustes
do salário mínimo. Só pretende
dar alfinetadas se provocado.
Na agenda pós-governo, já estão marcadas viagens para Estados Unidos, França e Espanha,
para palestras e passeios. Um encontro com o ex-presidente Bill
Clinton é tido como certo.
Nesse período, FHC também
pensará na resposta que dará ao
convite do secretário-geral da
ONU (Organização das Nações
Unidas), Kofi Annan, para assumir uma das comissões da entidade. Já foi convidado e pode escolher a comissão que desejar.
No centro de São Paulo, o andar
inteiro de um prédio, doado por
empresários, será sede de um instituto dirigido por FHC. O presidente diz que pretende voltar "a
pensar mais como sociólogo" e
planeja escrever pelo menos um
livro, misturando o balanço de
seu governo com a experiência
cotidiana da Presidência.
FHC tem gravações, anotações e
documentos arquivados. Há a
possibilidade de que divida a história de sua Presidência em dois
livros. Um sairia entre 2003 e
2004. O outro, com informações
que podem melindrar políticos e
amigos, ficaria para mais adiante.
O cuidado se explica porque
FHC não descarta o retorno à política em 2006. Atualmente, leva o
assunto na brincadeira, mas já há
aliados de Serra que sonham com
a volta do atual presidente se Lula
fizer um governo de frustração.
A respeito do futuro político,
FHC pretende lançar uma semente, a do parlamentarismo. Como
nunca deposita toda as fichas numa única aposta, a articulação
parlamentarista será uma idéia
que venderá como garantia de governabilidade. O seu perfil, muito
mais para chefe de Estado do que
para chefe de governo, cairia como uma luva se a semente der frutos e se ele estiver bem de saúde,
como hoje. Em 2006, terá 75 anos.
Em assuntos do PSDB, FHC deverá ter interferência pequena.
Antevê uma guerra entre serristas, que pretendem fazer oposição
mais dura a Lula, e uma outra ala,
capitaneada por Aécio Neves, governador eleito de Minas e presidente da Câmara, e Tasso Jereissati, senador eleito pelo Ceará.
Aécio e Tasso preferem oposição
light, linha mais parecida com a
pregada por FHC.
Autocrítica eleitoral
Na estratégia montada dois
anos atrás para eleger o sucessor,
o PSDB cometeu dois erros graves, segundo admite o próprio
FHC. Nas conversas reservadas,
reconhece a sua cota de responsabilidade nos dois enganos.
O primeiro erro foi ter acreditado que bastaria um candidato do
governo chegar ao segundo turno
contra Lula para ter vitória assegurada. A articulação política,
empresarial e de mídia do petista
surpreendeu FHC.
O segundo erro é bastante específico: ter deixado o publicitário
Duda Mendonça fechar contrato
com o PT. Em 1999 e 2000, Duda
chegou a falar com Andrea Matarazzo, então secretário de Comunicação Social, sobre 2002.
Duda, porém, se aborreceu com
o descaso de Andrea e do próprio
FHC, que preferiram não abrigá-lo no núcleo do poder para não
melindrar Nizan Guanaes, marqueteiro das duas campanhas de
FHC, conselheiro-mor do governo e atual publicitário de Serra.
"Foi um erro ter perdido o Duda. O PT nunca teve uma comunicação tão boa como nesta campanha. Fez a diferença", diz FHC.
Quando fala da iminente derrota de Serra, FHC prefere apontar a
falta de carisma do candidato e
um erro de marketing na estratégia de "venda do produto" a reconhecer que o alto desemprego e
crise econômica gerada por sua
política tolheria muito as chances
de um postulante governista.
Quando veio a onda Ciro Gomes (PPS), entre julho e agosto
passado, FHC passou a se equilibrar de vez entre Serra e Lula. Desagradou o seu candidato quando
declarou que não era preciso diploma para ser presidente, num
contraponto a uma crítica da propaganda de TV tucana ao petista.
O afago foi combinado com José Dirceu, bem como o apoio do
PT ao novo acordo com o FMI
(Fundo Monetário Internacional). Nessa época, FHC chegou a
dar como morta a candidatura tucana, que variava entre 14% e 12%
nas pesquisas. A partir de então,
decidiu construir de vez com o PT
uma sólida ponte para o futuro.
Em 19 de agosto, dia em que recebeu os quatro principais presidenciáveis, fez deferência especial
a Lula. O petista foi o único convidado para uma conversa a sós.
FHC elogiou a moderação do petista na campanha e deixou claro
que, se Serra não chegasse ao segundo turno, jamais votaria em
Ciro. Para Lula, foi quase uma declaração de voto.
O petista julga "exemplar e democrático" o comportamento de
Fernando Henrique na eleição.
Diz que não houve abuso da máquina, nem jogo baixo.
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