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ENTREVISTAS
NO EXTERIOR Líder francês quer PT na Internacional Socialista e diz que partido saberá evitar extremismos; brasilianista crê que
não-cumprimento de promessa gerará descrença na democracia
Para líder socialista francês, vitória dará fôlego às esquerdas
ALCINO LEITE NETO
DE PARIS
A eventual vitória de Lula dará
novo fôlego às esquerdas latino-americanas, na opinião do primeiro-secretário do Partido Socialista francês, o deputado François Hollande. Para ele, Lula é um
"verdadeiro social-democrata" e
seu governo não levaria o país ao
isolamento internacional.
"Na França, quando [o socialista] François Mitterrand ganhou a
eleição presidencial de 1981, comentaristas internacionais prediziam o isolamento de nosso país.
Veja o que se passou. Mitterrand
se tornou um parceiro respeitado
de todos os grandes dirigentes do
mundo. Estou certo de que o mesmo acontecerá com Lula", diz.
Segundo Hollande, Lula deverá
rediscutir o acordo de transição
com o FMI. "Todo mundo concorda em dizer, inclusive no FMI,
que esse acordo não é perfeito."
Ele afirma também que as alianças serão indispensáveis ao eventual governo, a fim de restaurar a
confiança econômica e financeira
no país. Na sua opinião, o PT "saberá evitar derivas extremistas".
Hollande, 48, é a principal personalidade da esquerda na França
e um dos nomes-chaves da social-democracia européia. Em 1997,
tornou-se primeiro-secretário do
PS no lugar de Lionel Jospin, então indicado para primeiro-ministro. Com a derrota de Jospin
nas eleições presidenciais deste
ano e com o seu afastamento voluntário da política, Hollande se
tornou o líder dos socialistas.
Hollande antecipa, na entrevista
abaixo, que "o PT terá o seu lugar
na Internacional Socialista e que
sua presença será bastante benéfica a essa organização". A Internacional Socialista (IS) reúne os
principais partidos de centro-esquerda do mundo, como o SPD
(Partido Social-Democrata), do
chanceler Gerhard Schröder, e o
Partido Trabalhista, do primeiro-ministro Tony Blair.
Lula teve dois encontros com
Hollande neste ano -em janeiro,
em Porto Alegre, no Fórum Social
Mundial, e em abril, em Paris,
quando o líder petista participou
de um comício da campanha presidencial de Lionel Jospin.
"Essas duas ocasiões me permitiram descobrir um homem sincero e determinado", diz Hollande. O Partido Socialista francês seria um dos principais aliados de
um governo Lula na Europa.
Folha - Quais as implicações da
eventual vitória de Lula para o continente latino-americano?
Hollande - A vitória seria também da esquerda latino-americana e daria a esta um novo fôlego.
Nós tivemos certo sucesso nos últimos anos, notadamente no Chile, onde o presidente Lagos soube
prosseguir a democratização do
país, não deixando de lado o progresso social. O sucesso de Lula
traria esperanças a todos os nossos parceiros da América Latina.
Folha - O sr. acredita que um governo Lula teria o apoio sem reservas de outros países e governos?
Hollande - Na França, quando
François Mitterrand ganhou a
eleição presidencial, em 1981, comentaristas internacionais prediziam o isolamento de nosso país.
Veja o que se passou. François
Mitterrand se tornou rapidamente um parceiro respeitado de todos os grandes dirigentes deste
mundo. Estou certo de que o mesmo aconteceria com Lula. Ele me
pareceu um verdadeiro social-democrata e uma personalidade
perfeitamente à vontade com os
grandes temas mundiais. Ele soube evoluir, permanecendo, porém, muito ligado a suas convicções: penso que muito em breve
será apreciado por todos os seus
parceiros internacionais.
Folha - Como os socialistas franceses podem contribuir hoje para
reduzir a desconfiança que existe
em certos meios internacionais a
respeito de Lula e do Partido dos
Trabalhadores?
Hollande - Em janeiro deste ano,
em Porto Alegre, nós organizamos um encontro entre as direções dos dois partidos, o Partido
Socialista e o Partido dos Trabalhadores. Nós compartilhamos
um bom número de valores e de
objetivos. Pensamos que o PT terá
seu lugar na Internacional Socialista e que sua presença será bastante benéfica a essa organização,
sobretudo na América Latina.
Folha - Quais serão as primeiras
ameaças ao bom funcionamento
de um governo Lula?
Hollande - Não falaria em ameaças. Lula teria um número importante de desafios a enfrentar, os
quais ele próprio sublinha em seu
programa: a retomada do crescimento -mantendo o respeito ao
rigor orçamentário-, o controle
da inflação, a criação de empregos, a luta contra a pobreza, a melhoria do sistema educativo e de
saúde, o aumento do salário mínimo e a reforma agrária. São objetivos ambiciosos, mas que sua determinação e sua percepção da
realidade ajudarão a atingir. Mesmo que a situação econômica do
país permaneça frágil, o Brasil
dispõe de recursos que o ajudarão
a enfrentar esses problemas. Eu
pude constatar em Porto Alegre
que Lula está acompanhado de
uma equipe séria, com experiência em gestões locais.
Folha - O Brasil enfrentou nos últimos meses uma enorme crise financeira devido às "incertezas políticas", nas palavras de investidores internacionais. Por que o mercado teme tanto Lula?
Hollande - O conjunto dos atores
políticos e econômicos do Brasil,
em primeiro lugar o presidente
Fernando Henrique Cardoso, teve a inteligência de tentar acalmar
o mais rápido possível a crise financeira. Lula não parece suscitar
temores hoje em dia, nem junto
aos empresários e investidores,
nem junto ao FMI. Alguns chegam mesmo a apoiá-lo. Isso ocorreu porque muitos compreenderam que sua política contribuirá
para assegurar a coesão econômica e social do Brasil.
Folha - O que o PT e Lula deveriam fazer para acalmar os investidores já no início de um governo?
Hollande - O G-7 reafirmou recentemente seu apoio ao Brasil. E
eu estou certo de que a coligação
que Lula conseguiu realizar servirá para assegurar a estabilidade
do país, que é essencial para restaurar a confiança econômica e financeira dos investidores.
Folha - O sr. pensa que um governo petista deveria respeitar o acordo do governo Fernando Henrique
Cardoso com o FMI ou acha que esse acordo precisa ser rediscutido?
Hollande - Lula endossou o acordo de transição assinado com o
FMI. Agora, todo mundo concorda em dizer, inclusive no FMI,
que esse acordo não é perfeito. Ele
será sem dúvida revisto, e não devemos senão permanecer tranquilos quando o diretor-geral do
FMI, Horst Köhler, declara estar
confiante numa "transição sem
choque após as eleições".
Folha - No Brasil, alguns se perguntam se Lula e o PT têm realmente qualificação para ocupar o governo do país. Qual é a sua opinião?
Hollande - Um partido que gere
autoridades locais de maneira notável e um homem cujas qualidades são hoje reconhecidas por
muitas personalidades, inclusive
no FMI, parecem-me largamente
qualificados para dirigir o Brasil.
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