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Lula pode tender ao populismo à Chávez, diz estudioso alemão
DE PARIS
Se Lula for eleito e não puder levar adiante as mudanças que prometeu aos seus eleitores, duas coisas podem ocorrer, segundo o
brasilianista alemão Jens
Hentschke: a democracia pode
deixar de ser reconhecida pela população como um valor a ser defendido e Lula pode se inclinar ao
neopopulismo de Hugo Chávez.
Hentschke avalia que, se uma
vitória de Lula for aceita sem traumas pelas elites e ele puder cumprir suas metas, a democracia se
terá consolidado no Brasil. "Enquanto a democracia não afeta as
"classes conservadoras", é fácil
aceitar as reformas sociais. No entanto será que as elites vão tolerar
as reformas quando estas estiverem ligadas ao menos a um certo
grau de redistribuição [de renda]?
Em 1963/64 não ocorreu isso", diz
Hentschke.
Para o brasilianista, o sucesso de
Lula depende também de ele convencer a ala esquerda de seu partido de que "a solução para os problemas brasileiros não está na libertação, mas na liberdade e no liberalismo".
Hentschke, 44, é professor da
cadeira de estudos brasileiros e
portugueses na Universidade de
Newcastle (Inglaterra) e de ciência política na Universidade de
Heidelberg (Alemanha).
Dedica-se sobretudo ao estudo
da Era Vargas e do populismo na
América Latina. Publicou, entre
outros, "Estado Novo - Gênese e
Consolidação da Ditadura Brasileira de 1937" (ed. VfE), um volume de 725 páginas, ainda não traduzido no Brasil. Está terminando de escrever "Reconstruindo a
Nação - A Política de Educação do
Governo Vargas".
(ALCINO LEITE NETO)
Folha - Quais as implicações para
o Brasil e para a América Latina de
uma vitória de Lula nas eleições?
Jens Hentschke - Lula seria o primeiro presidente do Brasil e um
dos poucos da América Latina
que não terão saído das elites (e
não é um militar). Seu partido, o
PT, não esteve envolvido em nenhum escândalo maior de corrupção e poderia, então, representar uma nova ética na política.
Lula tem prometido moderação, e
distanciou-se do neopopulismo
-que se tornou uma força superior na América Latina na última
década. Contudo não há dúvida
de que Lula representa a esquerda. Se, depois do período conservador de Sarney e de Collor e da
coalizão de centro-direita de Fernando Henrique Cardoso, a vitória de Lula for reconhecida e o novo presidente puder cumprir suas
metas, isso significará a consolidação da democracia no Brasil.
Folha - Quais as principais dificuldades que Lula enfrentaria?
Hentschke - O Brasil permanece
uma das sociedades mais desiguais dos pontos de vista social e
étnico em todo o mundo; a classe
média do país é relativamente pequena. Um governo Lula precisa
voltar-se para o que João Goulart
chamava de "reformas estruturais" ou "básicas". Seu próprio
partido e a maioria daqueles que
sustentaram sua campanha vão
recordar a Lula suas primeiras
promessas de mudar fundamentalmente a sociedade. Será que ele
convencerá o eleitorado de que a
política é o possível e de que não
pode produzir milagres? Será, por
outro lado, que a ala esquerda do
PT aceitará que a solução para os
problemas brasileiros não está na
libertação, mas na liberdade e no
liberalismo? Será, ainda, que as
elites aceitarão a necessidade de
uma reforma social? Enquanto a
democracia não afeta as "classes
conservadoras", é fácil aceitar essas reformas. No entanto será que
as elites vão tolerar as reformas
quando elas estiverem ligadas ao
menos a um certo grau de redistribuição? Em 1963/64, isso não
ocorreu. Se Lula não puder levar
adiante as mudanças prometidas
à maioria da população, a democracia pode deixar de ser reconhecida como um valor em si mesmo,
algo que valha a pena ser defendido. O próprio Lula e seus sucessores podem então seguir o mesmo
tipo de neopopulismo dos presidentes do Peru e da Venezuela.
Devo dizer, porém, que o Brasil
está agora socialmente tão desigual e polarizado politicamente
que mesmo membros da classe
política conservadora sentem que
Lula pode ser o único político capaz de criar pontes entre o trabalho, a classe média e as grandes
empresas.
Folha - O sr. acredita que ele poderia colocar em prática todo o seu
ambicioso programa social hoje?
Hentschke - Não, certamente
não, e isso é parte do problema.
Até nos países industriais mais
desenvolvidos a mudança do poder de um partido para outro não
leva a uma mudança radical nas
políticas anteriores. A parte do
Orçamento que pode ser realocada quando existem compromissos a serem honrados é muito pequena. Os sistemas políticos construíram barreiras que fazem com
que as decisões passem por um
longo e complicado processo. Isso
se aplica tanto ao liberalismo
americano quanto ao neocorporativismo do Estado de bem-estar
social dos países europeus. O
mesmo é válido para o Brasil, onde um presidente voltado para reformas sempre enfrentará um
Congresso muito mais conservador e obstrutivo, que prefere defender o status quo. Ainda levará
muito tempo até que o Brasil tenha uma sociedade menos hierarquizada e mais igualitária. Tudo o
que Lula pode fazer, e já será muito, é preparar um novo horizonte,
por exemplo, adotando uma reforma tributária ou investindo
mais em serviços sociais. Um de
seus maiores desafios, caso seja
eleito, será levar a cabo algum tipo
de reforma agrária.
Folha - Na sua opinião, por que o
mercado internacional teme tanto
um governo presidido por Lula?
Hentschke - Primeiro, há o passado de Lula como figura revolucionária no período da abertura.
Durante sua última campanha
presidencial, Lula vestiu camisetas com slogans que alimentaram
o medo de que ele pudesse fazer
um experimento socialista no
Brasil. Há ainda a estrela vermelha, o logotipo do partido, que recorda bastante regimes de estilo
soviético. É verdade que líderes
políticos internacionais e instituições financeiras têm observado o
percurso de Lula rumo ao centro
com certa fascinação. No entanto,
a incerteza sobre o desconhecido
permanece. Lula quer continuar
as negociações de Cardoso com
os EUA e outros países latino-americanos para uma zona de livre comércio das Américas, mas
ele inclui Cuba em seus planos e
foca na consolidação do Mercosul
e em sua expansão pela região andina. Para Washington, isso indica que Lula está de fato concentrado num "latino-americanismo" sem -e potencialmente
contra- os Estados Unidos, em
oposição ao pan-americanismo
defendido por Washington. Alguns pensam que o Brasil vai estabelecer relações firmes com Hugo
Chávez, presidente da Venezuela,
e com Fidel Castro depois de uma
vitória de Lula. Esse medo é certamente exagerado. As incertezas
explicam o nervosismo dos mercados internacionais.
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