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ENTREVISTA DA 2ª
SÉRGIO FERNANDO MORO
Prisão de chefes do crime depende da utilização de grampo
Para magistrado, método faz a investigação chegar ao topo das quadrilhas
LILIAN CHRISTOFOLETTI
DA REPORTAGEM LOCAL
A PRISÃO de chefes de organizações criminosas no Brasil depende de métodos especiais de investigação, como escutas telefônicas, buscas e apreensões e até infiltração de agentes. Sem isso, diz o juiz federal Sérgio
Fernando Moro, 36, só serão presos a "mula [pessoa
que transporta] num caso de contrabando ou o homem da cueca com dólares num caso de corrupção,
nunca os chefes". Um dos primeiros a comandar vara especializada no combate à lavagem de dinheiro,
Moro, que atuou no caso Banestado, afirma que a
realidade exige que o juiz não seja "um alienado".
Há 12 anos na profissão, Moro rechaça comparação entre o
juiz engajado brasileiro e o juiz
de instrução da Itália, que participa de toda a investigação.
Sobre o projeto de lei que torna
inviolável o escritório de advogados, o juiz de Curitiba diz que
isso traz o risco de transformar
o escritório em um "depósito
de provas de crimes". Leia trechos da entrevista concedida
por telefone na sexta-feira.
FOLHA - Até que ponto o juiz pode
se envolver no combate ao crime
sem perder a imparcialidade?
SÉRGIO FERNANDO MORO - A função do juiz é muito clara, ele julga os casos que lhe são apresentados. Em alguns casos, a investigação depende de certas ordens judiciais, como a interceptação telefônica ou a quebra do
sigilo bancário. Aí o juiz se vê
envolvido já na fase de investigação. A função dele é autorizar
ou não. Como juiz, ele tem um
compromisso de fazer justiça
aplicando a lei. As pessoas falam da neutralidade do juiz. Isso é correto. Mas o juiz também
tem um compromisso com o
bom resultado do processo.
FOLHA - O juiz engajado se aproxima do juizado de instrução da Itália?
MORO - Não, nem caminhamos para isso. Na Europa, alguns países já abandonaram esse modelo, que é diferente da
nossa tradição. É mais útil tentar arrumar os erros do nosso
modelo. Nosso problema não
passa pelo juizado de instrução.
FOLHA - E por onde passa?
MORO - O grande problema da
Justiça criminal é que muitas
vezes ela é disfuncional. Os recursos disponíveis são escassos
e mal focalizados. Há mil processos contra "mulas" do tráfico, mas poucos contra o chefe
da organização. A vantagem da
especialização é permitir que
uma unidade do Judiciário, a
vara especializada, foque recursos nos casos mais complicados. Quando eu trabalhava em
varas não especializadas, sempre procurava dar atenção aos
processos mais complicados.
Na prática, o juiz, oprimido pela estatística, acaba julgando os
mais simples. Ao especializar,
cuidará dos complicados.
FOLHA - O Ministério Público é eficiente contra o crime organizado?
MORO - O Ministério Público é
um órgão muito heterogêneo.
Tem bons procuradores e outros nem tanto. É preciso maior
envolvimento de uma parcela
do Ministério Público com a investigação e o processo.
FOLHA - E a PF? Há "espetacularização" das operações?
MORO - O combate e a prevenção ao crime têm muito de simbólico porque não há a possibilidade de se investigar e punir
todos os crimes. Existe um efeito preventivo nas investigações, há a expectativa de que se
coíba a prática de crimes. Por
isso, alguma publicidade é importante. Porém, quando
transcende a mera publicidade
e se busca a "espetacularização", deve ser reprovado.
FOLHA - Para os advogados, as algemas e as prisões temporárias são
usadas para humilhar o investigado.
MORO - Para os policiais, o uso
de algemas é questão de segurança pessoal. A prisão temporária é de cinco a dez dias. Nas
grandes operações, quando há
necessidade de se realizar buscas e apreensões, o investigado
solto pode destruir provas.
FOLHA - Há exagero na decretação
de prisões preventivas?
MORO - Direito não é matemática. Pessoas razoáveis podem
divergir sobre a necessidade da
prisão preventiva. Essas divergências não devem levar a uma
conclusão no sentido de que
quem decreta [a prisão] é arbitrário e quem concede a liberdade age de maneira inadequada. Se examinarmos os casos
envolvendo criminosos de colarinho branco, a grande maioria responde em liberdade. Eu
não vejo esse excesso de prisão
como é alardeado.
FOLHA - Existe um uso indiscriminado de escutas telefônicas?
MORO - Tem muita mistificação. Os crimes complexos, como os de colarinho branco, estão envoltos em um manto de
segredo. No mundo inteiro, é
necessário o uso de métodos
especiais de investigação para
que esses crimes sejam descobertos. Entre eles está a interceptação telefônica. Pode-se limitar mais o uso desse recurso,
mas com uma conseqüência
negativa para a investigação.
Num caso de tráfico, por
exemplo, o objetivo não é a mera apreensão de drogas, mas a
identificação de toda a organização criminosa.
FOLHA - Por que são comuns interceptações de dois, três anos?
MORO - Num juízo abstrato,
dois anos de escuta podem parecer abusivos, mas os casos
concretos demandam tratamentos especiais. Nos EUA,
não se faz tanta interceptação.
Mas eles usam a escuta ambiental, instalam dispositivos
nas casas dos mafiosos. Usam a
delação premiada e a infiltração de agentes. Isso acontece
porque o crime hoje é muito
mais complexo. Sem esses métodos, não há condições de se
desenvolver um bom processo
contra os chefes. Pegamos a
"mula" num caso de contrabando, nunca os chefes. Nós
podemos abdicar desses métodos, porém iremos processar só
quem está na base da pirâmide.
FOLHA - Como o sr. avalia o Brasil
no combate ao crime organizado?
MORO - Evoluiu bastante nos
últimos anos. A PF deu um salto grande. O Ministério Público
se profissionalizou. A Justiça
também vai melhorando. Agora, na perspectiva de copo meio
cheio e copo meio vazio, temos
no máximo um quarto de copo
cheio. Ainda precisa melhorar.
O grande problema é a morosidade e, para resolver isso, só alterando o sistema de recursos.
Somos o país dos recursos. É a
Justiça que nunca termina.
FOLHA - Como a Justiça nunca termina, as prisões com o uso de algemas acabam sendo a punição?
MORO - Em boa parte dos casos, é isso que vai acontecer. O
processo não vai terminar. A
punição que houve, que é uma
coisa inadequada, é a prisão
temporária ou preventiva que
não tenha chegado até o final
do processo. Infelizmente é a
realidade, com exceções.
FOLHA - O sr. acha que deveria diminuir o número de instâncias?
MORO - Com certeza. Estou
numa vara especializada desde
2003 e tenho processos que foram julgados ainda em 2003. É
um trâmite até que bastante rápido para a primeira instância.
Mas, até hoje, não tenho processo que percorreu todas as
instâncias. Quando a pessoa recorre, mesmo quando a prova é
cabal, não transita em julgado
porque o sistema não funciona.
FOLHA - Como deve ser a postura
do magistrado?
MORO - A lei é para ser a expressão da vontade popular. O
juiz não pode ser um alienado
do que acontece. O juiz deve decidir segundo a lei, mas deve ser
inserido no seu contexto social,
tem de ser engajado. Não pode
ser um burocrata que fique satisfeito com estatísticas, não
pode esquecer da necessidade
de os julgamentos se refletirem
na modificação da realidade.
FOLHA - No caso Dantas, o juiz de
1ª instância mandou prender o banqueiro, o Supremo mandou soltar.
Como o sr. avalia o que ocorreu?
MORO - Não comento decisão
judicial. O que causou indignação foi o fato de, após a decisão
do ministro Gilmar Mendes,
ele ter solicitado a adoção de
medidas disciplinares. A indignação foi justificada porque
não se pode punir um juiz que
pense diferente. Sem liberdade,
não há juízes independentes.
Mas o ministro voltou atrás e o
episódio foi encerrado.
FOLHA - Mendes pulou as instâncias ao julgar um caso de 1º grau?
MORO - Não comento isso.
FOLHA - Houve afronta ao STF?
MORO - De forma nenhuma. O
que havia primeiro era uma
prisão temporária. Depois, a
preventiva. Os fundamentos de
cada uma são diferentes.
FOLHA - Um mesmo habeas corpus
poderia anular as duas?
MORO - [risos] Não comento.
FOLHA - O que o sr. acha do projeto
que torna o escritório do advogado
inviolável?
MORO - O risco é transformar o
escritório de advogados em um
depósito de provas de crimes. A
Associação dos Juízes Federais
do Brasil se posicionou contra.
É forçoso reconhecer que é necessária a proteção da relação
entre cliente e advogado, mas
não ao extremo. Se isso for feito, criminosos e, às vezes, advogados mal intencionados podem se valer desse expediente
para evitar a investigação.
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