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Relator quer arrozeiros fora de reserva indígena em RR
Julgamento é paralisado após voto pela manutenção da demarcação contínua
Ministros ouvidos pela
Folha afirmam que voto de
Ayres Britto "levantou
muita poeira'; ainda não há
data para retomar votação
Alan Marques/Folha Imagem
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DENTRO
Indígenas dormem no plenário do Supremo durante a sessão que deu início ao julgamento da reserva Raposa/Serra do Sol (RR)
FELIPE SELIGMAN
FERNANDA ODILLA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O julgamento do STF (Supremo Tribunal Federal) sobre o
destino da reserva indígena Raposa/Serra do Sol, em Roraima,
foi interrompido ontem, após o
relator da ação, ministro Carlos
Ayres Britto, votar pela total retirada de não-índios da região e
manutenção da demarcação de
forma contínua -sem qualquer
interrupção na área delimitada.
O autor do pedido de vista
que adiou o julgamento foi o
ministro Carlos Alberto Direito. Não existe prazo para que
Direito apresente seu voto ao
plenário, mas terá que respeitar pedido do presidente do
STF, ministro Gilmar Mendes,
para que aconteça ainda neste
semestre. Devido ao clima de
tensão na região, fala-se na retomada do julgamento em
meados de outubro.
A demarcação da Raposa/
Serra do Sol é um dos julgamentos mais complexos da história do Supremo.
De um lado estão o governo
federal, índios e ONGs que querem a manutenção do decreto
de Lula, de 2005, que definiu a
reserva numa área contínua de
cerca de 1,7 milhão de hectares
em Roraima. Arrozeiros que
produzem em municípios no
interior da reserva, além de políticos do Estado, querem a revogação do decreto ou sua redefinição. Dizem que as terras
indígenas ocupam quase 50%
de Roraima e que a soberania
do Estado estaria em risco.
Ayres Britto demorou mais
de três horas para ler o voto de
108 páginas. O ministro se pautou pela defesa aos direitos indígenas, chegando a afirmar
que os índios não podem pagar
o preço de uma possível omissão do Estado na segurança.
Disse que, diferentemente
dos não-índios, a personalidade do povo indígena se caracteriza pela idéia "do não-enriquecimento pessoal à custa do empobrecimento alheio (inestimável componente ético de
que a vida social brasileira tanto carece) e de uma postura como que religiosa de respeito,
agradecimento e louvor ao
meio ambiente".
Em seu voto, Ayres Britto
também estabeleceu algumas
premissas consideradas importantes, como afirmar que o
marco temporal para se considerar a presença de índios e
não-índios não deve ser 1988,
quando foi promulgada a Constituição, mas anterior, baseado
em legislações anteriores que já
tratavam de direitos indígenas.
Sobre o argumento do "aculturamento" dos índios, Ayres
Britto afirmou que o fato não é
negativo e exige dos não-índios
a "humildade para reconhecer
que esse convívio é uma verdadeira estrada de mão dupla".
Afirmou que tal convívio
possibilita o surgimento da
"santa rebeldia cívica de um Tiradentes quanto o mais refinado engenho tecnológico de um
Santos Dumont, em par com a
mais desconcertante ousadia
estética de um Tom Jobim, um
Garrincha, um Manoel de Barros, um Oscar Niemeyer, uma
Daiane dos Santos".
Enquanto proferia seu voto,
índios e agricultores acompanhavam atentos, de dentro do
plenário do Supremo. Após o
pedido de vista, um dos índios
presentes revelou que, durante
a sessão foi feita uma reza para
"evocar macunaíma".
Dias antes do início do julgamento, ministros já afirmavam
nos bastidores que um pedido
de vista seria "inevitável", caso
Ayres Britto apresentasse um
voto considerado "radical". A
tendência prevista por boa parte dos ministros era adotar uma
postura intermediária, mantendo a reserva praticamente
intacta, mas isolando algumas
partes consideradas importantes para a economia local.
Ainda faltam dez votos. Ministros disseram reservadamente à Folha, porém, que o
voto de Ayres Britto "levantou
muita poeira" e que o pedido de
vista é "muito importante".
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