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MESMA LÍNGUA
Futebol inspira a imaginação da equipe econômica, que tem desde goleiro a cobrador de pênaltis; outros assessores preferem a medicina
Metáforas do presidente contaminam fala dos ministros
VIRGILIO ABRANCHES
DA REDAÇÃO
"O Brasil está na reta final para
deixar a segundona, chegando à
primeira divisão dos investimentos." Não, apesar do estilo metafórico, a frase não é do presidente
Lula em mais uma tentativa para
explicar as medidas de seu governo recorrendo ao futebol. O autor é o secretário do Tesouro,
Joaquim Levy, um dos nomes
fortes do ministério da Fazenda.
Assim como Levy, outros nomes do alto escalão do governo
gostaram da idéia e, pouco a
pouco, transformaram as discussões de políticas públicas em jogos de palavras. Como no caso de
Lula, o futebol é a principal fonte
de inspiração. O ministro da
Agricultura, Roberto Rodrigues,
encarou os países que mantêm o
protecionismo aos produtos
agrícolas como adversários no
gramado. Em julho, garantiu:
"Eles vão levar bola nas costas".
No mesmo time de Rodrigues
joga o ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan,
que, além de participar das formulações da mesa-redonda federal, ainda "escalou" um outro
colega: "O ministro da Fazenda,
num time de futebol de 11, é o goleiro. Tem de cuidar para não tomar gol dos adversários e, de vez
em quando, não tomar gol contra", disse em novembro, sobre
as "defesas" de Antonio Palocci
Filho na área econômica.
Se no time de Lula tem goleiro
que "pega todas", tem também
jogador que pede para não sair,
ergue os braços e reclama: "O
presidente é o técnico do time.
Enquanto eu estiver escalado,
continuo jogando". Foi o que
disse o ministro José Graziano
(Segurança Alimentar), neste
mês, sobre a reforma ministerial.
O presidente do Banco Central,
Henrique Meirelles, também entrou na onda para driblar a marcação da opinião pública sobre a
política monetária: "Muitas vezes estamos perto do fim de um
jogo de futebol, há um pênalti
para ser batido, e o jogo está empatado. Evidentemente isso configura uma possibilidade grande
de vitória, mas o pênalti tem de
ser batido corretamente, eficazmente e com categoria porque a
vitória comemorada antes de sua
batida pode levar, inclusive, o
chute para fora", declarou.
"É o efeito "Lula-Mendonça'",
diz o sociólogo Laymert Garcia
dos Santos, da Unicamp: "É uma
preocupação em falar linguagem
popular para manter uma falsa
interlocução com as massas".
Mas os que não gostam de entrar em campo também têm vez
no governo. Benedita da Silva
(Assistência Social) mostrou,
neste mês, que sabe associar o
trabalho do governo às tarefas do
dia-a-dia. Ao defender que a
equipe de Lula está construindo
o socialismo no Brasil, ela declarou: "O sal fora da massa não tem
efeito, é como fermento fora da
massa". Os afazeres domésticos
também inspiram o ministro da
Justiça, Márcio Thomaz Bastos:
"Reprimir sem prevenir equivale
a secar o chão com a torneira
aberta", disse em setembro.
"É uma contaminação", analisa Garcia dos Santos. "Eles
acham que isso está dando certo
com o Lula porque ele, apesar de
fazer uma política antipopular,
mantém uma taxa de popularidade muito alta", opina.
Se na visão dos colegas Palocci
é um goleiro, o próprio faz questão de não se distanciar de sua
profissão de origem. Em outubro, para conter os ânimos entre
o secretário e o corregedor da
Receita, ameaçou: "Vocês sabem
que sou cirurgião e sei cortar".
O ministro Gilberto Gil (Cultura), num discurso, invadiu a área
da colega Marina Silva (Meio
Ambiente): "Tenho insistido na
idéia de que este governo deve
praticar diariamente a fotossíntese política, trabalhando sempre à luz do dia, sem filtros ou
anteparos de qualquer natureza". Outro que buscou inspiração na área alheia foi Cristovam
Buarque (Educação), ao explicar
o novo sistema de avaliação dos
cursos superiores. "Tem doente
que acha que basta tirar a temperatura para ter o diagnóstico.
Antigamente, o provão tirava
apenas a temperatura do doente.
Agora, vamos apresentar o diagnóstico completo e dar a receita".
Para Alessandra Aldé, professora da Universidade do Estado
do Rio, usar figuras de linguagem é uma saída para quem não
quer ser cobrado pelo que diz.
"Quando se usa uma metáfora,
tem-se um grau menor de comprometimento. Não dá para as
pessoas cobrarem objetivamente
um discurso metafórico."
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