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São Paulo, domingo, 28 de dezembro de 2003

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NO PLANALTO

Fraude filantrópica custa R$ 246,9 mi ao erário

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Os leitores com estômago para frequentar este canto de página acompanharam o esforço do repórter para iluminar o universo milionário dos negócios pseudofilantrópicos. Entre 2001 e 2002, publicaram-se aqui duas dezenas de textos sobre o tema.
Um deles tratava do caso da Fundação Sinhá Junqueira. Vem a ser uma usina de açúcar cinquentenária. Opera no município paulista de Igarapava. Sob falsa fachada social, recebia tratamento açucarado do Estado.
Beneficiava-se havia mais de três décadas de isenções tributárias. Em troca deveria praticar a benemerência. Jamais praticou. O banho de sol proporcionado pela exposição pública rendeu à Sinhá Junqueira a cassação do certificado filantrópico que a mantinha longe dos guichês da Receita e da Previdência.
O Ministério Público interessou-se pelo caso. Abriu um inquérito. Decorridos dois anos, o resultado da investigação encontra-se exposto em três denúncias protocoladas pelo procurador Uendel Domingues Ugatti na 2ª Vara da Justiça Federal de Ribeirão Preto.
As fraudes têm potencial para encolerizar o brasileiro em dia com o Fisco. Sobretudo numa fase em que o governo petista acaba de arrancar do Congresso a manutenção do arrocho tributário para o exercício de 2004. Abaixo, um resumo:
1) criada em 1950, a Fundação Sinhá Junqueira foi reconhecida como entidade de "utilidade pública federal" em 1968. Utilizava-se dessa condição "com a finalidade exclusiva de fraudar a fiscalização tributária";
2) sob o manto da filantropia, a fundação foi transformada "em uma empresa controladora e administradora de outras pessoas jurídicas". Gere ao todo cinco firmas;
3) atuam "na operação de usina de açúcar, destilaria de álcool, cultivo de cana-de-açúcar e prestação de serviços rurais". Têm a contabilidade tonificada por repasses financeiros da falsa entidade social;
4) pela lei, os administradores de filantrópicas são proibidos de receber salário. Mas os gestores da Sinhá Junqueira são também funcionários das firmas "coligadas". E delas receberam entre 1998 e 2002 vencimentos que oscilam de R$ 410 mil a R$ 551 mil. Sem mencionar assistência médica, hospitalar, farmacêutica e educacional;
5) a Sinhá Junqueira foi isentada de todos os tributos. Não pagou Imposto de Renda, Contribuição Social sobre o Lucro, PIS, Cofins, o diabo. Só entre 1998 e 2002, sonegou ao erário R$ 30,4 milhões;
6) Receita e Previdência levantaram os débitos da fundação ainda não alcançados pela decadência. Somam R$ 115 milhões;
7) tem nome de santa a principal "coligada" da Sinhá Junqueira. Chama-se Fazenda Santa Cristina. É integralmente controlada pela fundação, de quem recebe repasses financeiros, maquinário, tratores e caminhões. Tem sede no mesmo endereço da "filantrópica". Contrata mão-de-obra de outra empresa sob controle da fundação, a Valgran Ltda;
8) restou evidenciado que a Santa Cristina é uma "empresa virtual". Toda a sua "atividade empresarial [...] é de fato praticada pela Fundação Sinhá Junqueira". Inexiste "separação física" entre uma e outra;
9) em dois anos (1997 e 1998), a Santa Cristina fraudou o Imposto de Renda em R$ 66,4 milhões. Referem-se a despesas operacionais e encargos indevidamente glosados do Fisco. Entre eles uma doação de R$ 30 mil para campanha eleitoral do PFL. No mesmo período (1997 e 1998), a Santa Cristina sonegou R$ 65,4 milhões em contribuições sociais sobre o lucro;
10) somando-se a face visível da burla fiscal da Santa Cristina ao logro tributário da Sinhá Junqueira, chega-se à cifra de R$ 246,9 milhões. Imagine-se o que não terá sido sonegado desde 1968, ano em que os negócios açucarados de Igarapava passaram a ser recobertos pelo diáfano véu da "utilidade pública";
11) são oito os administradores da Sinhá Junqueira e "coligadas". Por decisão da Justiça Federal, encontram-se com todos os bens sequestrados -mais de uma centena de imóveis, veículos, aplicações financeiras, ações e cotas de empresas;
12) em procedimento iniciado no dia 20 de novembro, a Justiça começou a colher os depoimentos dos gestores da "filantrópica";
13) simultaneamente, a Receita e a Previdência tentam reaver os R$ 246,9 milhões sonegados. Não há vestígio de um único centavo restituído aos cofres públicos. O débito é contestado pelos devedores.
Nada de novo, como se vê. O Estado só é ágil na hora de tirar dinheiro de quem não consegue escapar: o assalariado.



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