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NO PLANALTO
Fraude filantrópica custa R$ 246,9 mi ao erário
JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Os leitores com estômago
para frequentar este canto
de página acompanharam o esforço do repórter para iluminar o
universo milionário dos negócios
pseudofilantrópicos. Entre 2001 e
2002, publicaram-se aqui duas
dezenas de textos sobre o tema.
Um deles tratava do caso da
Fundação Sinhá Junqueira. Vem
a ser uma usina de açúcar cinquentenária. Opera no município
paulista de Igarapava. Sob falsa
fachada social, recebia tratamento açucarado do Estado.
Beneficiava-se havia mais de
três décadas de isenções tributárias. Em troca deveria praticar a
benemerência. Jamais praticou. O
banho de sol proporcionado pela
exposição pública rendeu à Sinhá
Junqueira a cassação do certificado filantrópico que a mantinha
longe dos guichês da Receita e da
Previdência.
O Ministério Público interessou-se pelo caso. Abriu um inquérito. Decorridos dois anos, o resultado da investigação encontra-se
exposto em três denúncias protocoladas pelo procurador Uendel
Domingues Ugatti na 2ª Vara da
Justiça Federal de Ribeirão Preto.
As fraudes têm potencial para
encolerizar o brasileiro em dia
com o Fisco. Sobretudo numa fase
em que o governo petista acaba
de arrancar do Congresso a manutenção do arrocho tributário
para o exercício de 2004. Abaixo,
um resumo:
1) criada em 1950, a Fundação
Sinhá Junqueira foi reconhecida
como entidade de "utilidade pública federal" em 1968. Utilizava-se dessa condição "com a finalidade exclusiva de fraudar a fiscalização tributária";
2) sob o manto da filantropia, a
fundação foi transformada "em
uma empresa controladora e administradora de outras pessoas
jurídicas". Gere ao todo cinco firmas;
3) atuam "na operação de usina
de açúcar, destilaria de álcool,
cultivo de cana-de-açúcar e prestação de serviços rurais". Têm a
contabilidade tonificada por repasses financeiros da falsa entidade social;
4) pela lei, os administradores
de filantrópicas são proibidos de
receber salário. Mas os gestores
da Sinhá Junqueira são também
funcionários das firmas "coligadas". E delas receberam entre
1998 e 2002 vencimentos que oscilam de R$ 410 mil a R$ 551 mil.
Sem mencionar assistência médica, hospitalar, farmacêutica e
educacional;
5) a Sinhá Junqueira foi isentada de todos os tributos. Não pagou Imposto de Renda, Contribuição Social sobre o Lucro, PIS,
Cofins, o diabo. Só entre 1998 e
2002, sonegou ao erário R$ 30,4
milhões;
6) Receita e Previdência levantaram os débitos da fundação
ainda não alcançados pela decadência. Somam R$ 115 milhões;
7) tem nome de santa a principal "coligada" da Sinhá Junqueira. Chama-se Fazenda Santa
Cristina. É integralmente controlada pela fundação, de quem recebe repasses financeiros, maquinário, tratores e caminhões. Tem
sede no mesmo endereço da "filantrópica". Contrata mão-de-obra de outra empresa sob controle da fundação, a Valgran
Ltda;
8) restou evidenciado que a
Santa Cristina é uma "empresa
virtual". Toda a sua "atividade
empresarial [...] é de fato praticada pela Fundação Sinhá Junqueira". Inexiste "separação física"
entre uma e outra;
9) em dois anos (1997 e 1998), a
Santa Cristina fraudou o Imposto
de Renda em R$ 66,4 milhões. Referem-se a despesas operacionais
e encargos indevidamente glosados do Fisco. Entre eles uma doação de R$ 30 mil para campanha
eleitoral do PFL. No mesmo período (1997 e 1998), a Santa Cristina sonegou R$ 65,4 milhões em
contribuições sociais sobre o lucro;
10) somando-se a face visível da
burla fiscal da Santa Cristina ao
logro tributário da Sinhá Junqueira, chega-se à cifra de R$
246,9 milhões. Imagine-se o que
não terá sido sonegado desde
1968, ano em que os negócios açucarados de Igarapava passaram a
ser recobertos pelo diáfano véu da
"utilidade pública";
11) são oito os administradores
da Sinhá Junqueira e "coligadas".
Por decisão da Justiça Federal,
encontram-se com todos os bens
sequestrados -mais de uma centena de imóveis, veículos, aplicações financeiras, ações e cotas de
empresas;
12) em procedimento iniciado
no dia 20 de novembro, a Justiça
começou a colher os depoimentos
dos gestores da "filantrópica";
13) simultaneamente, a Receita
e a Previdência tentam reaver os
R$ 246,9 milhões sonegados. Não
há vestígio de um único centavo
restituído aos cofres públicos. O
débito é contestado pelos devedores.
Nada de novo, como se vê. O Estado só é ágil na hora de tirar dinheiro de quem não consegue escapar: o assalariado.
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