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MARCHA LENTA
De cada R$ 100 para investir, governo só usou nove centavos
Gastos com investimentos revelam governo paralisado
MARTA SALOMON
LUCIANA CONSTANTINO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Às vésperas de completar três
meses de mandato, o governo
Luiz Inácio Lula da Silva mantém
na estaca zero programas de saneamento básico, assentamento
rural e manutenção das estradas
federais. Esses não são exemplos
isolados, mas a regra, aponta pesquisa feita no Siafi (sistema informatizado de acompanhamento
dos gastos federais).
O Siafi registra que até 14 de
março só 0,09% dos investimentos autorizados pela lei orçamentária haviam sido liberados.
Nesse ritmo, Lula chegará ao final de 2003 com menos de 0,5%
dos investimentos planejados em
áreas como segurança pública,
saúde, educação, saneamento e
transporte. É como se, de cada R$
100 da lei, somente R$ 0,09 saíssem do papel.
A pesquisa mostra não só o
quanto o Orçamento da União se
aproxima da ficção, coisa sabida,
mas dá a imagem de um governo
praticamente parado.
Parte do freio nos investimentos
públicos é fruto da meta de ajuste
fiscal combinada com o FMI
(Fundo Monetário Internacional). Para pagar juros de sua dívida, o governo decidiu economizar
o equivalente a 4,25% do PIB
(conjunto de riquezas produzidas
no país). Bloqueou 72% de todos
os investimentos públicos programados para o ano, além de 7%
das despesas com manutenção da
máquina.
Segundo o Ministério da Fazenda, ainda sobram 28% de um bolo
de R$ 14,1 bilhões de investimentos autorizados, a serem liberados
durante o ano.
É muito menos do que se investiu em qualquer dos oito anos da
era Fernando Henrique Cardoso,
quando os gastos com investimentos variaram de 47% a 81%
do valor autorizado a cada ano
pelos orçamentos, sob permanente crítica do PT.
Mas, ainda assim, os 28% sobreviventes do ajuste fiscal permitiriam um ritmo de investimentos
incrivelmente maior do que o registrado nos primeiros dois meses
e meio de governo Luiz Inácio Lula da Silva.
Para a Fazenda, isso é sinal de
que a paralisia seria um fenômeno típico de começo do ano, e os
investimentos ainda podem ganhar velocidade nos próximos
meses. A conferir.
Paralisia geral
Não importa a área do governo
em que se debruce, os programas
que não tiveram nem um tostão
liberado são a maioria.
A paralisia atinge, indistintamente, de ações triviais como o
programa Toda Criança na Escola
à implantação da rede de laboratórios de mapeamento genético
do projeto Genoma.
Obras estão paradas em todo o
país, desde a construção de anéis
do corredor do Mercosul até a
conservação rotineira e emergencial das rodovias.
De acordo com pesquisa da
CNT (Confederação Nacional do
Transporte), cerca de 60% das rodovias têm avaliação entre deficiente e péssima. A eliminação de
pontos críticos deveria consumir
durante o ano R$ 50,2 milhões, segundo a lei orçamentária, além de
R$ 630,4 milhões destinados à
manutenção das rodovias.
O conta-gotas na liberação do
dinheiro não apenas chateia motoristas e passageiros, mas encarece o preço de produtos por causa do custo mais alto do frete.
O Ministério dos Transportes
informa que os investimentos começam a virar realidade e até a
próxima semana devem alcançar
R$ 180 milhões. Perdido para o
ajuste fiscal até o dinheiro arrecadado com a Cide (contribuição
cobrada sobre a venda de gasolina), o ministério conta com a ajuda do pessoal do Exército para recuperar as estradas.
Entre os programas que não deram nem sequer o primeiro passo
para liberar dinheiro -o chamado empenho do gasto, no jargão
orçamentário-, está o de assentamento de trabalhadores rurais.
Cestas básicas
Sob pressão do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra), o governo até mandou distribuir cestas de alimentos
(via Fome Zero), mas não gastou
nenhum centavo no assentamento de sem-terra nem na consolidação de assentamentos herdados do governo anterior.
A ação do Ministério do Desenvolvimento Agrário parece concentrada em manter a própria
máquina funcionando, além de
cuidar da pesquisa tecnológica
voltada à agricultura familiar e
fruticultura.
No mesmo time da pasta de Miguel Rossetto, está o colega do Ministério das Cidades, Olívio Dutra. Os gastos previstos no Orçamento para habitação e saneamento tampouco foram empenhados. Pelo tamanho do corte de
gastos que atingiu a pasta -recorde na área social-, é possível
que o retrato dos primeiros dois
meses e meio do ano permaneça
sem mudança. A alternativa em
estudo no ministério é recorrer a
financiamentos da Caixa Econômica Federal e a parceria de organismos internacionais.
E, embora tenha levado ao ar
campanha de publicidade no Carnaval estrelada pela cantora Kelly
Key, o Ministério da Saúde não
usou nada dos R$ 3,9 milhões que
o Orçamento destina a ações de
prevenção e controle da Aids,
além de assistência aos portadores da doença. A compra de medicamentos escapou do bloqueio
porque não é considerada investimento.
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