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PT SOB SUSPEITA
Para promotores do caso Santo André, investigação não é política
Há grupo promíscuo cravado na prefeitura, diz Promotoria
LILIAN CHRISTOFOLETTI
DA REPORTAGEM LOCAL
Doze dias após terem denunciado um suposto esquema de propina na prefeitura petista de Santo
André, os quatro promotores criminais que encabeçam as investigações que mais preocupam o PT
debruçam-se agora sobre cerca de
60 mil documentos, em busca de
novas irregularidades.
O objetivo desses promotores,
que ressaltam em cada frase o caráter sigiloso das apurações, é
desvendar as atividades "promíscuas" de "um grupo cravado" na
administração municipal.
Atividades essas que incluem a
extorsão de empresários locais
para suposto financiamento de
campanhas eleitorais e o uso do
poder público para favorecer
amigos e aliados políticos.
Objeto de investigação, o PT
tenta fazer um cordão de segurança para evitar que as acusações
respinguem no presidenciável
Luiz Inácio Lula da Silva.
As insinuações que dão conotação política à investigação irritam
os promotores. "Investigamos
pessoas, não partidos", contesta
Roberto Wider Filho.
Juntos em entrevista exclusiva à
Folha, Wider Filho, 34, e os três
colegas, Amaro José Thomé Filho,
41, José Reinaldo Carneiro, 41, e
Márcia Monassi Bonfim, 33, se vigiam para que informações adicionais não vazem para a imprensa. "Tudo está em sigilo", sintetiza
Carneiro. Leia a seguir trechos:
Folha - Quando os senhores tiveram ciência das irregularidades na
Prefeitura de Santo André?
José Reinaldo Carneiro - A empresária Rosângela Gabrilli buscou a Procuraria Geral da Justiça,
no final de janeiro deste ano, e falou sobre o esquema de corrupção na prefeitura. Ela disse que tinha muito medo em relação aos
fatos [ao assassinato do prefeito
Celso Daniel". Em reunião da
Promotoria de Justiça Criminal
de Santo André, decidimos apurar o esquema de cobrança de
propina de empresários de ônibus da cidade, relatado por ela.
Em seu depoimento, Rosângela
citou expressamente João Francisco Daniel [irmão do prefeito
assassinado Celso Daniel", que
também foi ouvido.
Folha - Por que ele foi citado?
Carneiro - Ela disse que João
Francisco tinha ciência do esquema e que havia tentado interceder
em favor da família Gabrilli com o
prefeito, mas contou que as coisas
não deram certo.
Folha - O que não deu certo?
Márcia Monassi Bonfim - João
Francisco disse que conversou
com o prefeito. Ele [Celso Daniel"
teria ficado revoltado e teria prometido providências. Mas, tempo
depois, ele morreu.
Folha - As testemunhas relacionaram esse esquema ao assassinato de Celso Daniel?
Carneiro - Não havia uma relação direta e objetiva. Elas colocavam em dúvida os rumos da investigação [sobre o assassinato".
Folha - O que era investigado antes da morte do prefeito?
Roberto Wider Filho - Na Promotoria criminal não tinha nada.
Qualquer possível envolvimento
do então prefeito era de atribuição da Procuradoria Geral.
Carneiro - E não tínhamos notícias de corrupção. Eu nunca tinha
ouvido falar de investigação, mesmo fora da Promotoria criminal,
de esquema de propina de empresários de ônibus. A primeira vez
que tomamos conhecimento foi
com Rosângela.
Folha - Como funcionava esse esquema de propina?
Wider Filho - Todo pagamento
era feito em dinheiro. No caso da
Viação São José [da família Gabrilli", a empresa pagava por mês
uma certa quantia [cerca de R$ 40
mil" à Expresso Nova Santo André [grupo que reunia empresas
de transporte público". O dinheiro da caixinha era contado e, segundo denúncias, entregue a Ronan Maria Pinto [empresário do
mesmo setor" e depois a Sérgio
Gomes da Silva [que dirigia o carro no momento do sequestro de
Celso Daniel".
Folha - E depois?
Márcia - Parte desse dinheiro, segundo João Francisco, era para o
partido. Ele disse que R$ 1,2 milhão foi, em certa ocasião, levado
por Gilberto de Carvalho [ex-secretário de Governo e braço direito do prefeito morto" a José Dirceu [presidente nacional do PT".
Wider Filho - Teria sido R$ 1,2
milhão em lotes pequenos, em dinheiro. Isso foi a conversa de Gilberto com João Francisco.
Folha - Os srs. têm convicção desse suposto esquema de propina?
Carneiro - Com certeza. Denunciamos um esquema por formação de quadrilha e por extorsão,
com pedido de prisão preventiva.
Onde tem quadrilha e pedido de
prisão, sob a ótica da acusação,
tem uma relação de promiscuidade. Não temos somente o depoimento de Rosângela, temos também o de seu irmão, o de seu pai e
até o da funcionária que centralizava os recursos [da propina"...
Márcia - Temos também documentos enviados por fax que fazem referência à caixinha, temos
muitas provas.
Folha - E o uso do dinheiro para
campanhas do PT, isso faz parte da
investigação?
Wider Filho - Não temos atribuição para isso. Como foi mencionado um deputado federal [José
Dirceu", encaminhamos as denúncias à Procuradoria Geral.
Folha - Esse dinheiro financiou a
campanha do PT, em 2000, à Prefeitura de São Paulo?
Márcia - É o que João Francisco
relatou.
Folha - Há outras campanhas?
Carneiro - Ele não mencionou
datas nem campanhas. Para nós,
que investigamos o caso da propina de Santo André, o depoimento
de João Francisco é muito importante porque parte de uma pessoa
de muita credibilidade. Não faz
parte de nossa atribuição investigar o possível destino eleitoral do
dinheiro. Nós investigamos a
existência de um grupo que está
cravado na administração municipal de Santo André.
Folha - Quem faz parte desse grupo "cravado" na prefeitura?
Carneiro - Os acusados. Diretamente o secretário [afastado" de
Serviços Municipais, Klinger Luiz
de Oliveira Souza, e os empresários Sérgio Gomes da Silva e Ronan Maria Pinto, que transitavam
entre o grupo.
Folha - O prefeito Celso Daniel tinha conhecimento desse esquema?
Carneiro - João Francisco disse
que comunicou ao prefeito e que
este teria se revoltado ao saber
que o dinheiro não era destinado
às campanhas políticas, mas era
desviado...
Márcia - Ele concordava porque
achava que o dinheiro ia para o
partido. Quando soube que estava servindo para enriquecer essas
pessoas, teria discordado.
Wider Filho - Essa informação
João Francisco disse que recebeu
de Miriam Belchior [ex-mulher
do prefeito". Mas não compete a
nós fazer um juízo de valor do ex-prefeito. Se ele fosse vivo, não seria de nossa atribuição. Estando
morto, não faz sentido ser investigado no âmbito criminal.
Carneiro - Nos depoimentos,
ninguém diz que ele tinha conhecimento da forma como o empresariado era achacado.
Márcia - Ele sabia que os empresários davam dinheiro e, quando
Miriam falou com ele, teria dito
que não aceitaria e que iria tomar
suas providências.
Wider Filho - Até onde o prefeito
sabia ou não sabia, a gente não
tem como explicar. E, de qualquer
forma, não interessa às investigações porque ele está morto.
Folha - João Francisco sabia que
não se tratava de uma ajuda voluntária dos empresários?
Carneiro -Ele foi informado por
Rosângela de que isso era feito na
mais absoluta pressão.
Márcia - O prefeito informou
que iria resolver o problema, ele
não ficou inerte. Mas, passado um
tempo, ele foi morto.
Folha - Por que os acusados não
foram ouvidos na Promotoria?
Carneiro - Nós até pensamos em
chamá-los, mas isso quebraria o
sigilo das investigações.
Wider Filho - Nós optamos por
manter sigilo absoluto. Não foi
dada vista dos autos à prefeitura, a
ninguém...
Márcia - As próprias testemunhas não sabiam o que uma dizia
ou deixava de dizer.
Wider Filho - Guardamos sigilo
até formar o nosso convencimento e garantir a segurança das testemunhas. A investigação só teve
publicidade no momento em que
oferecemos a denúncia.
Folha - Até que ponto a periculosidade dos acusados é real?
Carneiro - Tanto é real que pedimos a prisão preventiva. Eles estavam cravados na administração
municipal e portavam armas de
forma ostensiva. Todas as vítimas
ouvidas narraram que morriam
de medo deles.
Folha - Foi frustrante saber que o
juiz não concedeu a prisão?
Carneiro - Preocupante sim,
frustrante não. Mas nós já estamos recorrendo dessa decisão.
Folha - E os srs. têm medo?
Amaro José Thomé Filho - Um
promotor não pode se preocupar
com isso. Caso contrário, não
consegue trabalhar. Não podemos ficar intimidados.
Folha - O trabalho da CPI ajuda?
Wider Filho - Causa uma certa
estranheza uma CPI que se iniciou exatamente depois que foi
oferecida a denúncia. É uma repetição da investigação.
Thomé Filho - O objetivo de uma
CPI é apurar os fatos e encaminhar aos promotores. Mas o Ministério Público já apurou o fato e
já tomou providências. Não tem
muito sentido.
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