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DIPLOMACIA
Presidente, que chega ao Brasil na terça, se diz solidário, mas afirma que economia mexicana se move na esfera do dólar
Fox isola México da crise latino-americana
MARCIO AITH
ENVIADO ESPECIAL A CIDADE DO MÉXICO
O coração e as preocupações
dos mexicanos estão em sintonia
com os acontecimentos na América Latina. Mas não a economia
do país. Em entrevista exclusiva à
Folha, o presidente mexicano, Vicente Fox Quesada, disse estar solidário com os brasileiros e com
os argentinos nesse momento de
dificuldades, mas que seu país
não corre nenhum risco de ser engolido por uma crise financeira
sistêmica, como a que afetou o
México em 1994.
"O momento exige que mostremos aos latino-americanos nossa
união e que cuidemos uns dos outros", disse ele em seu gabinete
pequeno e prosaico dentro do palácio presidencial de Los Pinos.
"Mas não corremos risco, pois temos todos os fundamentos para
atravessar essa fase difícil. A economia do México se move hoje na
esfera da América do Norte e do
dólar, mais do que na esfera da
América Latina."
Fox chega ao Brasil na terça-feira, dia em que completa 60 anos,
para assinar um acordo de preferência tarifária com o Brasil. Nesse dia, terão passado dois anos de
sua vitória histórica nas eleições
mexicanas. Em 2 de julho de 2000,
Fox ganhou a presidência mexicana e desalojou do poder o PRI
(Partido Revolucionário Institucional), partido que governava o
país fazia 71 anos.
Na quarta-feira, Fox parte para
uma visita à Argentina e, na quinta, participa, como convidado especial, da cúpula dos países do
Mercosul (Brasil, Argentina Paraguai e Uruguai). O presidente encerra sua visita à América do Sul
no Uruguai.
Fox declarou à Folha que pretende encontrar-se com os principais candidatos à presidência no
Brasil e que, embora não tenha
preferência por nenhum deles,
deseja que o substituto de FHC
"continue o caminho de desenvolvimento econômico e social"
do atual governo.
"Vou me reunir com os candidatos dos outros partidos políticos durante a visita ao Brasil. Porém, não tenho preferência, somente uma amizade próxima do
presidente Cardoso. Admiro
muito sua obra, creio que fez um
governo excelente, conseguiu enfrentar os problemas e aproveitar
as oportunidades. O Brasil agora
tem um caminho traçado de desenvolvimento econômico, de desenvolvimento social que deve
continuar", afirmou.
Ex-presidente da Coca-Cola no
México, Fox negou que as turbulências na América Latina tenham
sido provocadas pelas reformas
liberais na última década. "As reformas foram e são essenciais.
Mas não são tudo. Não se pode só
fazer reformas e descuidar do resto." Leia os principais trechos da
entrevista à Folha:
Folha - O sr. viaja à América Latina durante o aniversário de dois
anos de seu governo e num momento delicado das economias
brasileira e argentina. O México
encontra-se num momento de alinhamento inédito com os EUA e
tenta desvincular sua economia do
resto da América Latina. Qual é a
mensagem que o sr. pretende levar?
Vicente Fox - Primeiro, quero
agradecer o presidente Cardoso
pelo convite para essa viagem ao
Brasil, que, na verdade, é uma retribuição à que ele fez ao México
em 2000. As duas visitas são sinais
da importância que damos às relações entre os dois países. Vou ao
Brasil num momento muito interessante e importante, num momento em que há intranquilidade, incerteza e volatilidade nos
mercados internacionais.
O momento exige que mostremos aos latino-americanos nossa
união e que cuidemos uns dos outros. Vou com muita vontade e
entusiasmo, para demonstrar a
solidariedade do povo do México
com o povo brasileiro, com o governo do presidente Fernando
Henrique Cardoso.
Folha - Ao refletir sobre as turbulências no Brasil, o sr. sente somente solidariedade ou também medo
de seu país ser engolido por uma
nova crise sistêmica, como a que
contaminou o México em 1994?
Fox - Bem, certamente, neste
momento todos temos preocupação com esse nível de volatilidade
mundial. O dólar desvalorizou-se
7% a 8%, há um ajuste de moedas
em lugares distintos do mundo.
Esperamos que seja somente isso:
um ajuste de moedas, uma acomodação, que não piore mais. Na
realidade, o que detonou essa situação foi a incerteza quanto ao
crescimento da economia americana e de outras economias líderes, como o Japão e a Europa.
Há dois meses, achávamos que
o segundo semestre de 2002 seria
de franco crescimento. Agora, já
não está tão claro. Há algumas
dúvidas e são elas que provocam
essa situação, Não acho que vá haver uma crise grave, que vá haver
grandes ajustes, mas apenas uma
acomodação.
Folha - A economia do México
ainda faz parte da América Latina
ou seu destino está definitivamente atrelado à América do Norte?
Que garantias o sr. tem de que o
México não vai acompanhar o Brasil nesse momento de turbulência e
a Argentina nessa fase de desintegração social?
Fox - A melhor defesa contra as
crises é ter todas as variáveis fundamentais da economia em ordem, bem alinhadas, administradas com disciplina. E o México
agora tem todas essas características, com folga. Temos as certificações das três agências mais importantes de classificação de risco. Temos reservas de cerca de
US$ 45 bilhões, as mais altas da
história. Temos um fluxo de investimentos estrangeiros muito
importante, da ordem dos US$ 12
bilhões. Temos uma planta produtiva muito sólida. Temos os níveis de inflação e as taxas de juros
mais baixas de nossa história. Temos um orçamento e um governo
muito disciplinados.
Nosso déficit fiscal não vai passar de 0,65% do PIB, algo com o
qual nos comprometemos no
Congresso e que certamente iremos respeitar.
Não podemos nos esquecer que,
sob o ponto de vista financeiro, o
México se move hoje na esfera da
América do Norte e do dólar,
mais do que na esfera da América
Latina. Além disso, o México hoje
é a nova economia do mundo em
tamanho.
Folha - Passou a do Brasil...
Fox - Sim, é uma economia cujo
valor do PIB é de US$ 603 bilhões,
maior que a de todos os países de
língua espanhola. Também temos
uma balança comercial que é inveja em muitas partes do mundo,
é a sétima em tamanho, com US$
350 bilhões em comércio. Isso nos
dá solidez para que possamos
atravessar as incertezas do momento.
Folha - Presidente, a lógica de
sua resposta faz supor que o Brasil
encontra-se sob pressão dos mercados porque seus fundamentos
econômicos não são tão sólidos
quanto os do México. No entanto, o
Brasil passou a sofrer turbulências
mesmo tendo investimentos diretos volumosos e disciplinas fiscal e
orçamentária elogiadas pelo FMI
(Fundo Monetário Internacional).
O que falta ao Brasil?
Fox - É claro que o Brasil tem vários dos mesmos fundamentos. É
por isso que confio no Brasil e que
o país vai melhorar, porque seus
fundamentos são sólidos, e é isso
o que conta no final. É natural
que, nesse momento de eleições,
exista essa certa turbulência nos
mercados. Seguramente o Brasil
terá capacidade de sair adiante,
estamos confiantes. Mas queremos avançar ainda mais.
Queremos dizer ao Brasil que
estamos aqui, que vamos trabalhar na relação bilateral e buscar
os melhores resultados para nossos dois países. Vamos lutar para
que a região latino-americana, incluindo o México, tenha melhores
condições de financiamento, de
acesso aos mercados. Vamos lutar juntos para que se derrubem
os subsídios dos EUA e da Europa
em matéria de agricultura e de pecuária. Nisso estamos unidos, o
Brasil e o México.
Folha - O México tem utilizado
seu acesso aos mercados dos EUA e
do Canadá como ativo político e comercial. É com ele que o sr. tem
atraído acordos comerciais com outros países. Esse ativo deixaria de
existir se a Alca fosse implementada, já que o resto do hemisfério teria acesso aos EUA. Dada essa constatação lógica, por que o México
diz defender a Alca (Área de Livre
Comércio das Américas) se seus interesses econômicos e políticos são
claramente contrários?
Fox - Por que defendemos a Alca? Em primeiro lugar, por um espírito de solidariedade, de equidade e de Justiça. Pretender avançar sozinhos, ilhados, sem que outros países tenham um desenvolvimento semelhante, não faz sentido.
Folha - Então é por solidariedade...
Fox - Não só. Para nós é tão importante que o México cresça e se
desenvolva como que os outros
países também cresçam. Um
exemplo: se a economia dos EUA
não cresce, nós não crescemos.
Tenho que torcer bastante para
que os EUA cresçam. Ocorre o
mesmo com o Mercosul. Se a Argentina não se recuperar, o Brasil
terá dificuldades, o Chile vai ter
dificuldades, o Uruguai vai ter dificuldades. Precisamos de um
avanço regional, de um avanço
equitativo para todos. Essa é nossa visão e estamos convencidos
que a Alca vai isso. A Alca permitirá que a América Central -hoje
um lugar de muita pobreza e marginalização- ingresse num processo de desenvolvimento. Isso
interessa muitíssimo ao México.
Convém muito ao México que a
América Central cresça, que o
Haiti resolva seus problemas, que
as populações do Caribe tenham
um melhor nível de vida. O México entende isso porque estamos
na metade desse processo de desenvolvimento. Não somos um
país totalmente desenvolvido,
mas também não somos um país
com a pobreza extrema que os
outros têm. Isso permite a nós entender os dois lados da equação e
buscar um desenvolvimento
compartilhado.
Folha - Uma corrente na América
Latina associa a quebra da Argentina e as turbulências no Brasil ao excesso de reformas liberais. Já os
EUA dizem que o país quebrou por
razões opostas, por não ter completado o processo de reformas.
Com quem o sr. concorda?
Fox - Veja, as reformas são importantes, eu diria indispensáveis
para podermos ter um desenvolvimento sustentável. Mas não são
tudo. Não se pode só fazer reformas e descuidar do resto. Não se
pode fazer reformas de mercado e
não atacar a fundo o problema de
distribuição de renda na América
Latina e o problema da pobreza.
Não se pode fazer reformas se os
recursos naturais e a ecologia são
destruídos. Não se pode fazer reformas exitosas se nos esquecermos do desenvolvimento das comunidades indígenas e dos grupos vulneráveis do país.
O processo de desenvolvimento
tem que ser integral. Por isso, estamos trabalhando no México em
todas as frentes. Se implementarmos uma reforma estrutural sem
combater a ilegalidade, a criminalidade, a corrupção, não há desenvolvimento sustentável. A batalha
pelo desenvolvimento é muito
ampla e complexa, tem que ser de
médio e de longo prazo. Não podemos baixar a guarda, temos que
lutar constantemente, não podemos descansar. A luta pelo desenvolvimento integral e sustentável
é permanente.
Folha - O sr. chega ao Brasil no
meio no meio de um processo eleitoral no qual quase todos os candidatos, inclusive o do governo, propõem o modelo de substituição de
importações e muito mais cuidado
no processo de integração comercial. O candidato que lidera as pesquisas, Luiz Inácio Lula da Silva, do
PT, é um ex-sindicalista. O sr. foi
presidente da Coca-Cola. Não há diferença mais simbólica que essa. O
sr. não acha que algo está ocorrendo na América Latina?
Fox - Eleições são decisões das
pessoas, da cidadania. É para isso
que servem. Para isso funciona o
voto. Vou me reunir com os candidatos dos outros partidos políticos durante a visita ao Brasil. Porém, não tenho preferência, somente uma amizade próxima do
presidente Cardoso. Admiro
muito sua obra, creio que fez um
governo excelente, conseguiu enfrentar os problemas e aproveitar
as oportunidades.
O Brasil agora tem um caminho
traçado de desenvolvimento econômico, de desenvolvimento social que deve continuar. Portanto,
acredito que a consistência e a
perseverança na rota atual devam
ser mantidas.
Folha - O acordo de preferência
tarifária que o sr. irá assinar com o
Brasil permite esse avanço ou é
apenas um fato isolado?
Fox - Vou com um espírito de
plena colaboração para analisar,
junto com o presidente Cardoso e
seu governo, o que mais podemos
fazer para intensificar a relação
entre o Brasil e o México. Estamos
com a idéia de uma negociação,
um acordo comercial, que é parcial, não é um acordo comercial
total, abarca somente alguns setores. Nesse sentido, vou com a convicção de que os dois países estão
se beneficiando. O comércio só
vale quando as duas partes ganham. Quando o comércio é feito
para que um ganhe e outro perca,
não serve para nada.
Vamos procurar garantir que o
Brasil possa exportar mais para o
México, que o México possa exportar mais para o Brasil, e vamos
permitir que investidores brasileiros invistam no México e ganhem
acesso ao mercado dos EUA sem
tarifas, o que dará a eles muita
competitividade. Queremos dividir com os investidores brasileiros o mercado dos EUA e do Canadá. E vamos acompanhados de
empresários mexicanos que já investiram e vão investir ainda mais
no Brasil.
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