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ANÁLISE/POLÍTICA ECONÔMICA
A questão do PT é a transição, não a ruptura
VINICIUS TORRES FREIRE
EDITOR DE DINHEIRO
Já faz alguns meses, muito se
discute se a palavra "ruptura" vai
constar ou não do programa econômico do PT. Mas se fosse preciso prestar atenção a uma só palavra da nova carta de intenções
econômicas do PT seria melhor
perguntar o que o partido está
chamando de "transição" para
uma nova política econômica.
Aliás, trata-se de uma questão, a
transição, para todos os partidos.
Talvez seja aí que eles se diferenciem pois, em termos macroeconômicos, em linhas gerais todos
propõem a mesma coisa, em conversas reservadas, em público ou
em rascunhos de programas.
O tamanho do problema
A expressão "em termos macroeconômicos" quer dizer: o que
fazer da dívida pública, do crescimento, da inflação, dos juros, das
contas externas (quanto o país recebe e gasta em dólares).
A dívida pública (dos governos)
cresceu muito nos anos de Fernando Henrique Cardoso, problema número um. Dois, hoje em
dia, a economia brasileira, quando cresce, tende a produzir rapidamente uma diminuição do saldo comercial (as exportações diminuem, as importações aumentam). Mas o Brasil precisa de muitos dólares a fim de pagar juros da
dívida externa, os lucros que as
empresas estrangeiras remetem, a
conta do cartão de crédito dos turistas, o frete dos navios que
transportam nossas mercadorias,
entre outras despesas.
Para tanto, é preciso exportar
mais que importar e/ou conseguir
investimentos estrangeiros e/ou
empréstimos. Nos governos FHC,
o país precisou cada vez mais de
dólares e não aumentou sua capacidade autônoma de gerá-los em
volume relevante.
Em economias abertas (em que
o dinheiro entra e sai com relativa
liberdade de um país), de governos muito endividados, muito dependentes de capital externo para
fechar as contas e de pouca credibilidade (com histórico de calotes), como no Brasil, é difícil manter a dívida pública e as contas externas sob controle.
Mas é preciso que a dívida pública pareça "pagável" a quem
empresta ao governo. E o país tem
de parecer capaz de gerar dólares
para pagar a dívida externa e a fim
de poder trocá-los pelos reais de
quem quer remeter lucros, por
exemplo. Nessas economias precárias, na nossa, os juros em geral
são altos. Juros altos também serve para manter o fluxo de dinheiro que financia nossos déficits interno e externo.
Dois palavrões famosos
O PT pretende resolver, ao mesmo tempo, o problema da volta
do crescimento e da desigualdade
social. Para tanto, seus dois eixos
principais são o ataque à "vulnerabilidade externa" e a "criação de
um mercado interno de massas".
O palavrão número um, "reduzir a vulnerabilidade externa",
significa que o governo vai estimular ou executar programas que
aumentem as exportações e diminuam as importações (fazendo os
produtos aqui). São as chamadas
políticas industrial, de competitividade ou comercial. O número
dois, que o governo quer fazer
que os mais pobres consumam
mais, o que estimularia o crescimento sem criar problemas nas
contas externas. O PT diz que "as
massas" não consomem produtos exportáveis ou importáveis.
O PT fala em "medidas emergenciais" para melhorar as contas
externas. Não se sabe como o PT o
faria, mas tais políticas exigem,
por exemplo, reforma tributária:
redução de impostos de bens exportáveis, tornando-os mais baratos, concessão de subsídios, o
que custa caro ao governo e leva
tempo para implementar. Políticas menos custosas demoram a
dar resultados, dois ou três anos,
digamos. De resto, é bastante polêmico se vale a pena substituir
certas importações (sairia mais
caro fabricar aqui) e se é possível
barrar importações por meios como impostos, por exemplo, o que
pode violar tratados internacionais e impedir o acesso da empresa brasileira a bens mais baratos
de tecnologia.
Políticas de aumento do consumo de massas (obras de saneamento e infra-estrutura, construção de casas populares, que dão
mais emprego aos mais pobres)
não pressionam de início as contas externas, mas a médio prazo
aumentam o consumo geral da
economia, o que pressiona, sim,
as contas externas. De resto, exigem investimento público ou privado (via privatização do saneamento, por exemplo).
Dúvidas da transição
O problema é que tais políticas
são necessárias para de fato dar
um impulso ao crescimento econômico e tirar o país do círculo vicioso de dívida, déficit externo e
juros altos. A questão é o "timing"
ou a "consistência intertemporal", como dizem os economistas:
como chegar a esses objetivos antes que a dívida estoure, os investidores fujam, o país quebre?
Ao menos num primeiro momento, o PT parece que vai propor o que quase todo macroeconomista recomenda para o país
no ano que vem. Superávit fiscal
(economia de despesas dos governos) igual ou maior que o de 2001,
a fim de manter a confiança dos
investidores e, talvez baixar os juros e retomar algum crescimento,
o que conteria um pouco do aumento relativo da dívida.
Mas, num primeiro momento,
se o crescimento volta, tende a haver menos saldo comercial e piora
nas contas externas (mais importação, menos importação), pois as
políticas industrial e comercial
não fazem efeito no curto prazo,
se é que de fato vai haver dinheiro,
criatividade, competência e capacidade de negociação para fazê-las melhorar no médio prazo.
Alguma piora nas contas externas tende a pressionar o dólar e
provavelmente a inflação, já pressionada pelos aumentos programados nos serviços públicos. Para
conter a inflação nas metas estreitas de hoje, seria preciso conter o
crescimento, o que piora a situação da dívida pública.
Enfim, por algum lado, nos dois
primeiros anos do próximo governo, o problema estoura. Esse é
o problema da transição: o que fazer enquanto as contas externas
não melhoram e os juros não podem cair muito?
Uma pergunta imediata é: o PT
vai manter superávits fiscais o
tempo suficiente para controlar a
dívida, baixar juros e reduzir o
consumo nacional (o que também ajuda as contas externas)?
Como e em que medida vai controlar a inflação, caso o crescimento volte de imediato? Com
que tipo de metas de inflação?
Em um espaço de quinze dias,
neste mês, três economistas do PT
deram respostas diferentes para o
problema das metas de inflação.
Mesmo o governo FHC acaba de
admitir que as metas fixadas são
muito estreitas e exigem altas frequentes de juros, o que emperra a
economia. Mas há divergências
no PT sobre qual sistema adotar
-e trata-se de uma questão crucial para garantir a credibilidade
da política econômica. Diferenças
sobre essas questões geraram
uma crise interna entre os economistas e defecções na equipe do
programa econômico.
De onde virá o financiamento
para os investimentos que vão estimular o "consumo de massas"?
Alguns dos economistas do PT falam em usar dinheiro dos bancos
federais, que nos anos FHC viveram semiquebrados e na dependência dos escassos recursos públicos. Para manter a dívida estável e investir mais, o governo do
PT reformaria a Previdência dos
servidores públicos, a maior fonte
de déficit público?
O problema crucial será essa
transição do "malanismo", da política econômica de FHC, para um
novo modelo. E é um problema
de todos os candidatos.
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