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Ciência em Dia
O complexo biológico-militar
Marcelo Leite
editor de Ciência
E quanto no Brasil demiurgos da pesquisa científica se debatem para induzir a formação de capitais de risco que
viabilizem um setor biotecnológico empresarial, na pátria dos negócios de alta
tecnologia ventos de outros quadrantes
trazem novo impulso para a investigação
biomédica. Mas há razão para se preocupar com a chance de que a brisa quente
do Estado militarista americano se revele
uma semente de tempestades.
De início pareceu que a vertente biotecnológica da nova economia resistiria
melhor à fuga de investidores que a eletrônica, mas a calmaria também já está
no encalço da primeira. Segundo reportagem de Peg Brickley na revista "The
Scientist" (www.the-scientist.com) do
último dia 11, quatro lançamentos de
empresas amealharam US$ 26 milhões
em 2002, contra US$ 110 milhões levantados por dez companhias em 2001.
A crise da indústria da biotecnologia
também já havia sido noticiada por Andrew Pollack no jornal "The New York
Times", há um mês, em reportagem reproduzida nesta Folha. Ali se dizia que
cerca de 35% das companhias com ações
na bolsa têm menos de um ano de verba
disponível, no nível atual de gastos, segundo uma pesquisa recente feita pela
consultoria Merrill Lynch. Desde o começo de julho, segundo dados da newsletter "BioCentury" (www.biocentury.com), pelo menos 45 companhias de
biotecnologia nos EUA e na Europa haviam anunciado cortes.
Brickley indica na mesma "The Scientist", contudo, a alternativa de financiamento que os cientistas-empresários (ou
seriam empresários-cientistas?) da biotecnologia já farejaram: verbas governamentais para a pesquisa de genomas de
microrganismos, na esteira dos atentados com antraz e das ameaças de guerra
biológica. Só o Instituto Nacional de
Alergia e Doenças Infecciosas dos EUA
(Niaid, na abreviação em inglês) está pedindo ao Congresso norte-americano
US$ 104 milhões para pesquisa genômica de micróbios. Adivinhe se a recém-conquistada maioria republicana nas
duas Casas não será sensível ao pedido.
E o Niaid é só uma das muitas agências
dos EUA dispostas a desembolsar fundos para a genômica de segurança nacional. Uma relação parcial de siglas de organismos com bala na agulha (CIAFBINIAIDNSFDOEDODDARPA) se assemelha às sequências de letras de DNA
(AGATTACAGATTACAGATTACAG).
Faro sensacional demonstrou a geneticista Claire Fraser, que dirige o Tigr (Instituto para Pesquisa Genômica) criado
por seu marido, J. Craig Venter, o cientista-empresário que infernizou o Projeto Genoma Humano ao abrir a empresa
Celera para concorrer com a iniciativa
pública. (Catapultado da Celera, Venter
hoje tenta transformar serviços genômicos para pessoas físicas em um novo nicho empresarial-científico.) Fraser deu a
sorte de já estar trabalhando no sequenciamento do Bacillus anthracis quando
houve o 11 de setembro de 2001 e os atentados subsequentes com a bactéria. O
Niaid comparece hoje com algo entre
um quarto e um terço do orçamento de
pesquisa do Tigr, segundo Brickley, ou
cerca de US$ 40 milhões.
Muitos pesquisadores nessa situação
dirão que dinheiro não tem cheiro e que
estão produzindo ciência básica, também, enquanto colaboram com a segurança nacional dos EUA. Pode até ser.
Mas também há muita gente séria preocupada com o preço a ser pago pelos pesquisadores atraídos para o nascente
complexo biológico-militar naquela que
é a moeda mais cara para a ciência: a livre
circulação de informações.
E-mail: cienciaemdia@uol.com.br
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