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Ciência em Dia
Genomas brutos e líquidos
Marcelo Leite
editor de Ciência
O nome do veleiro de 30 m (cem pés)
diz um tanto sobre a personalidade
do dono: Sorcerer, ou Feiticeiro(a). Os
inimigos de Craig Venter até já aproveitaram para apelidá-lo de Aprendiz de
Feiticeiro, deixando bem clara sua antipatia com o projeto do polêmico cientista-inventor-empresário de singrar os
mares do mundo coletando micróbios
para seqüenciar (soletrar) seus genomas.
Venter deixou há dois anos a presidência da empresa Celera, um dos dois grupos que transcreveram os mais de 3 bilhões de letras de DNA contidas no genoma humano. Continua a toda, porém.
Uniu o útil -sua capacidade frenética
de ler genomas- com o agradável -seu
hobby, velejar- e conseguiu financiamento de dois potentados, um público
-DOE, o poderoso Departamento de
Energia dos EUA- e um privado -a
Fundação Gordon e Betty Moore, do
fundador da Intel-, para sua máquina
de açambarcar genes marinhos.
Venter já provou do que é capaz. Primeiro, com o genoma humano. Ninguém acreditou muito que ele seria capaz de seqüenciar e ordenar o genoma
humano em três anos, mas ele cumpriu a
promessa. Como subproduto, forçou
seu concorrente financiado por verbas
públicas, o Projeto Genoma Humano, a
antecipar em dois anos seu trabalho
-ambos foram publicados simultaneamente em fevereiro de 2001.
Agora, Venter demonstra que seu método de triturar genomas, conhecido como "whole-genome shotgun", também
funciona no atacado. Em 4 de março, ele
e uma penca de colaboradores publicaram na revista "Science" (www.sciencemag.org) um dos primeiros "genomas
ambientais", o de algumas gotas do mar
dos Sargaços, nas Antilhas.
Funciona assim: amostras de água do
mar são coletadas, e os genomas de todos os microrganismos ali flagrados são
seqüenciados ao mesmo tempo. No caso
Sargaços, Venter pescou na água salgada
um total de mais de 1 bilhão de caracteres
de DNA (um terço do genoma humano).
Usando apenas métodos computacionais, distribuiu esse sopão de letrinhas
entre pelo menos 1.800 espécies de micróbios. Entre elas, provavelmente, 148
de bactérias desconhecidas.
É algo parecido com recolher num puçá 1 bilhão de caracteres de um alfabeto
de apenas quatro letras e conseguir montar 1.800 livros da biblioteca que virou
moda chamar de "genoma ambiental".
Só que o mais importante, no caso, não
são os livros, mas as palavras (genes)
contidas neles. Venter achou 1,2 milhão
delas, inéditas, ou seja, que nunca haviam emergido de outros projetos genoma (o humano, por exemplo, rendeu 40
mil genes, vários conhecidos).
O DOE entra na história porque está
interessado em micróbios e genes que
possam conter dicas úteis para resolver
problemas cabeludos do futuro industrial, como a produção de energia limpa
e o saneamento ambiental (reciclagem
de poluentes). No vocabulário filtrado
do mar dos Sargaços, por exemplo, Venter amealhou 782 genes que parecem ter
relação com fotorreceptores -moléculas sensíveis à luz, como aquelas envolvidas na fotossíntese, a mais antiga forma
de aproveitamento da energia solar.
Essa é a meta do programa GTL (Genomes to Life, ou Genomas à Vida), que
mais parece uma plano de manutenção
da hegemonia genômico-bioinformática
no campo das ciências da vida. Agora,
com a Intel como "insider".
E-mail: cienciaemdia@uol.com.br
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