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Micro/Macro
Cuidando da nossa casa
Marcelo Geiser
especial para a Folha
Acabo de ler o relatório "Panorama Ambiental Global 3", preparado pelo Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Ambiente). Com base em observações e coletas de dados pelo mundo inteiro, o relatório
apresenta uma previsão da situação do planeta, a nossa
casa, durante as próximas três décadas, supondo que
nenhuma providência seja tomada para mudar o ritmo
atual de exploração e expansão econômica.
Mesmo reconhecendo alguns pontos positivos, como
o aumento considerável no número de áreas dedicadas
a parques nacionais e a melhora na qualidade da água
na Europa e nos EUA, as conclusões são devastadoras.
Nas palavras de Klaus Töpfer, o secretário executivo do
Pnuma, o grau de penetração humana "em áreas cada
vez maiores do planeta não é sustentável". "A menos
que o curso atual seja alterado, nós ficaremos com muito pouco."
Eis algumas das conclusões do relatório: 25% das espécies de mamíferos poderão estar extintas em 30 anos.
Ao todo, 1.130 das 4.000 espécies de mamíferos e 1.183
das 10 mil aves conhecidas correm o risco de extinção.
Menos aves implica mais insetos e mais pragas que podem afetar a produtividade do setor agrícola e aumentar o número de doenças contagiosas.
Nos mares o problema também é sério. A tecnologia
da indústria pesqueira é hoje tão eficiente que um terço
do estoque mundial de peixes desapareceu nas últimas
décadas, especialmente no Mediterrâneo e nas costas
da China e do Japão. Esses mares, é bom ressaltar, alimentam mais de um bilhão de pessoas.
Essas perdas estão diretamente relacionadas com o
ritmo de exploração econômica do planeta. Mais de
15% da superfície da Terra está comprometida devido
aos excessos da indústria agropecuária e da mineração.
Em 30 anos, desenvolvimentos infra-estruturais como
estradas e a expansão urbana poderão afetar 70% da superfície da Terra. Nós estamos literalmente devorando
a nossa casa, sem a menor preocupação com as consequências que esse nosso apetite terá para as futuras gerações. Sei que sôo melodramático, mas a minha preocupação é grande. O perigo é real e os toques de despertar estão sendo dados continuamente por cientistas,
economistas e ambientalistas. Infelizmente, a maioria
cai em ouvidos surdos pela ganância e pelo imediatismo que caracterizam a maioria das nossas decisões.
Pelos comentários acima, pode parecer que eu esteja
dizendo que o desenvolvimento econômico é incompatível com a estabilidade da Terra. Não é isso. Acredito
que seja possível manter um nível elevado de desenvolvimento econômico baseado em um planejamento responsável do uso e da manutenção de recursos.
Segundo o relatório da ONU, durante a metade dos
anos 90, cerca de 40% da população mundial sofreu
com sérios períodos de seca e em torno de 1,1 bilhão de
pessoas ainda não têm acesso à água potável. Há uma
conexão entre a abundância de água e as variações climáticas que, como todo mundo já está percebendo, estão cada vez mais extremas nos últimos anos. E esse desequilíbrio climático vem dos elevados níveis de poluição, do famoso efeito estufa. É necessário impor restrições às emissões de gases em indústrias e veículos, de
carros a navios cargueiros, que são sérios poluidores
devido à baixa qualidade do combustível que utilizam.
O que será que pode ser feito para melhorar essa situação? A física nos ensina que equilíbrio depende de
um compromisso entre tendências opostas. Mesmo em
uma situação instável, se o balanço entre essas tendências for mantido, a situação de equilíbrio persistirá. Talvez possamos aprender com isso. A natureza está nos
dizendo algo muito simples, mas muito importante: em
qualquer situação de equilíbrio instável, abusos terão
consequências devastadoras.
Como nos tornamos senhores do planeta, temos de
exercer essa função com a responsabilidade que um
cargo de controle exige. Com o poder vem a responsabilidade. Está mais do que na hora de provarmos ao
nosso planeta que somos dignos de estar aqui, que merecemos esse poder. A história da humanidade mostra
que nós somos capazes das mais belas criações e dos
mais horrendos crimes. Espero que o nosso planeta não
seja uma de nossas vítimas. Quando queimamos a casa
onde moramos, ficamos sem teto. E por onde começar?
Gosto do slogan que diz "pense globalmente e aja localmente". Da próxima vez que você jogar lixo nas ruas, ou
deixar o carro ligado sem necessidade, lembre-se de que
os menores atos podem ter grandes consequências.
Este ensaio é dedicado à memória do grande jornalista científico e divulgador de ciência José Reis.
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Marcelo Gleiser é professor de física teórica do Dartmouth College,
em Hanover (EUA), e autor do livro "O Fim da Terra e do Céu".
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