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+ ciência
No fundo do fosso
Primeira
tumba a ser
descoberta
desde 1922 no
Vale dos Reis
ainda não revelou múmias, intrigando arqueólogos
IAN FISHER
DO "NEW YORK TIMES"
Fazia 84 anos desde que a última tumba havia sido desenterrada no Vale dos Reis, um
cemitério de faraós no deserto
escaldante. E a esperança, é claro, era encontrar múmias. O
que mais poderia haver dentro
de sete sarcófagos no fundo de
uma câmara que, até fevereiro,
esteve durante milênios isolada de tudo, exceto dos cupins?
Excelentes travesseiros, para
começo de conversa.
"Desculpe, não tenho a menor idéia", disse Elsie Van
Rooij, especialista em tecidos
antigos, quando questionada
por que alguns construtores de
tumbas colocaram cinco travesseiros dentro dos sarcófagos
de infantis que ela examinava.
Caixões normalmente abrigam
corpos. Ela nunca havia visto
algo assim e, naturalmente,
gostou daquilo. "Uma tumba
precisa ser misteriosa", disse.
Depois de três meses de árduo trabalho desde a descoberta de fevereiro, após cinco dos
sarcófagos serem abertos, nenhuma múmia havia sido encontrada. Existe, afinal, a chance de que o local não seja mesmo uma tumba, mas um depósito de materiais funerários.
Mas ainda falta abrir um
grande sarcófago -o mais intrigante, lacrado, recostado no
fundo do espaço, com um capricho sugestivo de que há alguém importante lá dentro.
Os egiptologistas planejam
abri-lo, esperando não apenas
ver uma múmia mas resolver
muitos mistérios da nova descoberta. Eles querem abalar a
velha crença de que não há
mais nada importante a ser
descoberto no Vale dos Reis.
"Se for uma múmia, será uma
grande descoberta", diz Mansur Boraik, autoridade do patrimônio histórico egípcio em Luxor. A teoria de que deve haver
uma múmia no último caixão
ganhou reforço em 24 de maio:
um pequeno sarcófago dourado, que sugere realeza, foi encontrado sob travesseiros.
Se há uma múmia, Boraik
tem um bom palpite sobre
quem deva ser: Ankhesenpaaten, viúva de Tutancâmon. Um
selo achado no fundo do fosso
traz parte de seu nome.
Esperanças à parte, nunca foi
sugerido que a nova descoberta, chamada de KV-63, fosse de
relevância comparável à KV-62, a última tumba desenterrada, em 1922. Esta abrigava a
múmia de Tutancâmon e um
dos maiores tesouros egípcios
já encontrados. O vale não revelou nada melhor desde então.
A nova descoberta é só uma
câmara sem adornos, no fundo
de um fosso que a equipe do
egiptologista Otto Schaden, da
universidade de Memphis
(EUA), descobriu em 2005.
Ele escavou diversos locais
ao redor de algumas casas de
operários perto da tumba do faraó Ay, último rei da 18ª dinastia. No último dia da escavação,
no último lugar possível, ele se
deparou com o que agora chama de "situação incomum".
"De repente, havia uma camada escura onde deveria haver apenas pedra", conta. "Então, percebemos que alguma
coisa estava por vir."
A equipe chegou ao fundo do
fosso, a uns seis metros de profundidade, em fevereiro. As expectativas iniciais eram altas,
estimuladas por 28 jarros de argila finamente lacrados e distribuídos ao redor dos sarcófagos.
O estilo da câmara, o tipo de cerâmica e um selo de vinho idêntico a outro encontrado na
tumba de Tutancâmon, tudo
parecia confirmar que o lugar
datava da época da 18ª dinastia.
Mas a abertura dos sarcófagos
só trouxe enigmas.
O sarcófago infantil continha
travesseiros de fino algodão, e
Boraik disse não saber de travesseiros guardados em sarcófagos. Quatro dos outros não
continham restos humanos
mas alguns jarros de alabastro
de excelente qualidade, sais de
embalsamamento, linho e
montes de cacos de cerâmica.
Os sinais apontavam para a
sala como sendo um depósito
de materiais de embalsamamento, mas havia algo estranho: sarcófagos egípcios em geral são cobertos com um pouco
de resina para preservação,
mas neste caso pareciam ter sido lambuzados. Diversos dos
jarros lacrados, que também
continham cacos de cerâmica,
foram abalroados e colocados
dentro dos sarcófagos.
Schaden evita muita especulação -e qualquer que seja a
resposta, ela deve vir assim que
a equipe finalmente romper o
lacre do último caixão. Mas ele
ainda não descarta nenhuma
trapaça antiga. "Se há alguém
dentro desse último sarcófago,
é provavelmente alguém que
queriam esconder", diz.
Schaden não acredita que a
ausência de múmias, por enquanto, possa ser fruto do ato
de ladrões de tumba. "Se uma
tumba é roubada, normalmente há um braço aqui, um dedo
acolá, o crânio", diz.
Boraik acredita que existe
70% de chance de uma múmia
aparecer no último sarcófago.
Os belos travesseiros e jarros
de alabastro, o selo quebrado
com o fragmento de um nome e
o arranjo dos jarros em uma
posição de proteção sugerem
que este não é só um depósito.
"Espero que esse sarcófago
acabe com o mistério."
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