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Micro/Macro
Inteligência, evolução e vida extraterrestre
Marcelo Gleiser
especial para a Folha
Os seres humanos parecem estar
convictos de que são o clímax da
sofisticação biológica, os reis únicos e absolutos dos animais. Qualquer outra forma de vida seria necessariamente inferior, ao menos neste planeta. É curiosa
essa confiança toda, já que, fisicamente,
os humanos são extremamente frágeis:
não possuem pêlos no corpo para protegê-los do frio, nem dentes ou garras fortes o suficiente para se defender dos predadores, nem barbatanas para nadar rápido, nem músculos para correr longas
distâncias ou a altas velocidades.
Essa confiança vem exclusivamente do
privilegiado cérebro dentro de nossas cabeças. Não passamos frio porque sabemos fazer fogo e nos vestir com casacos.
Se não temos dentes e garras, construímos armas e armaduras. Se não temos
barbatanas, construímos barcos, remos
e velas. E, se somos lentos, domesticamos cavalos e camelos e construímos
carruagens, trens e carros. A criatividade
humana é o que garante a sobrevivência
da espécie no planeta.
Não há dúvida de que uma espécie inteligente, se estiver sozinha em um ecossistema, irá dominar as outras espécies.
(Possivelmente, apenas uma espécie inteligente pode sobreviver, após destruir a
outra.) Esse fato leva à conclusão precipitada de que a inteligência é uma consequência natural da evolução das espécies: dado tempo suficiente, espécies ficarão cada vez mais inteligentes até que
uma delas seja inteligente o bastante para dominar todas as outras e, de certa
forma, controlar o processo evolutivo. A
grande diferença entre os humanos e as
outras espécies é que nós não estamos
completamente à mercê da natureza. E ai
daquele animal que nos ameaçar, como
comprova o enorme número de espécies
extintas por nossas mãos ou lançadas à
beira da extinção.
Esse argumento, de que a inteligência é
o ápice da cadeia evolutiva, leva também
à crença de muitos na existência de vida
extraterrestre inteligente. Afinal, se dado
tempo suficiente a vida inteligente desenvolveu-se na Terra, por que não em
outros planetas?
É plausível supor que as mesmas leis de
seleção natural aplicáveis aqui sejam
aplicáveis em outros planetas espalhados
pelo cosmo. Devemos distinguir entre
vida extraterrestre e vida extraterrestre
inteligente. Inteligente, aqui, significa
uma espécie capaz de desenvolver tecnologias que representem um certo grau de
controle sobre a natureza. (Um "certo
grau" porque, contra certos fenômenos
naturais, como terremotos, erupções
vulcânicas, maremotos, colisões com objetos celestes e outros, continuamos sendo praticamente indefesos.) Será que o
Universo está cheio de outras civilizações, provavelmente muito mais inteligentes do que a civilização humana?
Uma resposta final para essa questão
só será dada quando estabelecermos (ou
não) contato com civilizações extraterrestres. Como isso ainda não ocorreu
(relatos sobre Ovnis à parte), temos de
refletir usando o único exemplo que temos, o exemplo terrestre.
Essa é uma situação delicada. Como dizia o astrônomo e divulgador de ciência
norte-americano Carl Sagan (1934-1996), a ausência de evidência não implica a evidência de ausência: o fato de ainda não havermos estabelecido a existência de civilizações extraterrestres não significa necessariamente que elas não existam. Por outro lado, uma reflexão cuidadosa sobre a história da vida no planeta
Terra leva à conclusão de que o aparecimento da inteligência por aqui foi resultado de uma série de acidentes, cuja reprodução em outro mundo é altamente
improvável.
Há 65 milhões de anos, os dinossauros
reinavam supremos sobre a Terra. Os
mamíferos eram seres insignificantes,
semelhantes a pequenos roedores, subjugados pelos sáurios. Até que, um belo
dia, um asteróide de dez quilômetros de
diâmetro caiu sobre o golfo do México,
causando uma devastação catastrófica
que, afirmam hoje os paleontólogos, dizimou os dinossauros.
Os mamíferos aproveitaram a deixa e
passaram a evoluir rapidamente, até
aparecerem os primeiros hominídeos,
primatas ancestrais da nossa espécie, há
4 ou 5 milhões de anos -a data do surgimento desse grupo de primatas também
é debatida. Sem a colisão e sem as inúmeras mutações genéticas que foram
metamorfoseando os mamíferos, a inteligência não teria surgido aqui.
Os dinossauros não tinham nada de inteligentes e dominaram o planeta por
centenas de milhões de anos. Inteligência não é um produto necessário da seleção natural. Portanto, não é nada claro
que o Universo esteja repleto de outras
civilizações inteligentes. O que não significa que nós sejamos os únicos. Afinal,
nada mais perigoso do que supor a supremacia humana em um cosmo que
permanece repleto de mistérios, apesar
de nossa criatividade.
Marcelo Gleiser é professor de física teórica do
Dartmouth College, em Hanover (Estados Unidos),
e autor do livro "O Fim da Terra e do Céu"
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