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Micro / Macro
A misteriosa origem da água
Disso todos sabemos: sem água não estaríamos
aqui. Não só temos entre 60% e 70% de água em nossos corpos, como não sobreviveríamos sem consumir diariamente grandes quantidades de água. De fato,
a água é uma substância muito especial, que prova que a
ausência de distinção não significa ausência de importância: inodora, incolor, sem nenhum gosto (quando é de boa qualidade), ela tem na simplicidade o seu grande charme. A sua relevância para a nossa sobrevivência
mais do que justifica a preocupação dos astrofísicos
com a sua origem: afinal, de onde veio toda essa água
que encontramos na Terra? As respostas aceitas até recentemente têm enfrentado sérias críticas.
Tales de Mileto, o primeiro dos filósofos ocidentais,
ensinava, no século 6º antes de Cristo, que "tudo é
água". Ao procurar por uma única explicação para a
aparente diversidade dos fenômenos naturais, Tales
certamente reconhecia a importância da água para nós
e para os ciclos de criação e destruição que ocorrem na
natureza.
Portanto, já nos primeiros passos da ciência, ou do
que um dia viria a se tornar ciência, a água ocupava um
lugar fundamental. De lá para cá descobriu-se muito
sobre a água. Mas e a origem dela?
A água veio do espaço. Esse fato poucos cientistas
contestam. O problema é quando e como. O Sistema
Solar se formou há 4,6 bilhões de anos, a partir da contração de uma nebulosa rica em hidrogênio, hélio e vários detritos microscópicos. Esses detritos continham
metais, como ferro e alumínio, e gases, como metano e
vapor d'água. Com a contração dessa nebulosa, a maior
parte da matéria foi se concentrando em seu centro,
que, com o aumento da pressão, ficava cada vez mais
quente. Esse aumento da temperatura central vaporizou todos os materiais mais voláteis, como a água e o
metano, que foram empurrados para a periferia da nebulosa, enquanto os minerais permaneceram no centro. Isso explica por que os planetas internos (como a
Terra) são rochosos, enquanto os externos (como Júpiter) são compostos de gases solidificados, como metano
e água. Mas isso não explica como a água apareceu aqui.
Para isso, os astrônomos invocam um período dramático na vida da Terra, o seu primeiro bilhão de anos.
É razoável supor que esse processo de formação de planetas tenha deixado detritos, restos de matéria que não
foi incorporada aos nove planetas. Um exemplo desses
detritos que existe até hoje é o cinturão de asteróides,
entre Marte e Júpiter. Outro é a nuvem de Oort, uma região nos confins do Sistema Solar com trilhões de "bolas de neve sujas", contendo em torno de 50% de gelo e
50% de metano e outros gases. Se uma dessas bolas de
neve se aproxima do interior do Sistema Solar, o aumento da temperatura começa a vaporizar seus gases.
Quanto mais perto do Sol, mais brilhante é o objeto, que
chamamos de cometa.
Até recentemente, a explicação mais aceita para a origem da água na Terra lançava mão dos cometas: durante o primeiro bilhão de anos de sua existência, o nosso
planeta foi bombardeado por incontáveis cometas e asteróides. Esse bombardeio depositou enormes quantidades de água na Terra, o que acabou formando os
oceanos. Recentemente, essa teoria foi contestada. Ao
examinar a composição química de três cometas recentes, astrônomos descobriram que metade da água desses astros não é a mesma que a encontrada na Terra: os
átomos de hidrogênio da água cometária contêm não
só o próton usual, mas também um nêutron. Ou seja, os
cometas poderiam no máximo explicar metade da água
na Terra. Colisões com asteróides conhecidos como
condritos carbonáceos também ajudam, mas não o suficiente. Ainda falta metade da água.
Astrônomos do Observatório de Nice, na França, têm
outra idéia. Eles sugerem que, entre os vários bólidos
que colidiram com a Terra no início de sua existência,
existiam alguns que eram verdadeiros reservatórios de
água, com diâmetros comparáveis ao da Lua. Esses planetóides foram formados além de Júpiter, mas, tal como os cometas, tiveram as suas órbitas desestabilizadas
e foram atraídos para o interior do Sistema Solar. Um
ou mais deles colidiram com a Terra, dando-lhe um banho.
Caso essa hipótese esteja correta, outros planetas do
Sistema Solar teriam também muita água. O candidato
mais interessante é Marte, que, aparentemente, tem
mesmo bastante água. Resta analisarmos as propriedades dessa água marciana e ver se ela é comparável com a nossa. Em caso afirmativo, Marte se torna um pouco
mais parecido com a Terra, ao menos em seu passado. O que nos leva a outro mistério, a origem da vida na Terra e a possibilidade de vida em Marte.
Marcelo Gleiser é professor de física teórica do Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "O Fim da Terra e do Céu".
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