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Micro/Macro
O futuro da corrida espacial
Marcelo Gleiser
especial para a Folha
Telescópio Espacial Hubble, instrumento científico mais popular
das últimas décadas, está com seus dias
contados. Como qualquer máquina, o
telescópio orbital precisa de manutenção. Suas baterias solares e seus giroscópios -aparelhos que estabilizam a posição orbital e que são usados para seu redirecionamento- perdem a eficiência
com o tempo. Até agora, a manutenção
do Hubble vinha sendo feita por astronautas levados ao satélite pelos ônibus
espaciais da agência espacial americana.
Conforme escreveu o físico Steven
Weinberg na "New York Review of
Books" (8 de abril de 2004), o Hubble
deu à Nasa a melhor justificativa para o
uso de vôos espaciais tripulados por humanos. Mas, como ele e muitos outros
afirmam, essas missões de manutenção
poderiam ter sido efetuadas por robôs.
Pôr humanos no espaço é arriscado
-vide os acidentes dos ônibus espaciais
Challenger e Columbia- e muito mais
caro. Tão mais caro que os custos ameaçam o futuro da exploração do espaço.
Recentemente, o presidente George
Bush anunciou o seu plano de exploração espacial: construir uma base lunar
até 2020 e de lá viajar até Marte.
O custo de tal empreitada foi estimado
de forma conservadora em torno de 600
bilhões de dólares. Como, em geral, essas
estimativas são sempre muito otimistas,
o custo pode chegar a 1 trilhão de dólares. E de onde vem esse dinheiro? Principalmente da Nasa. O problema é que seu
orçamento está sendo aumentado em
apenas 5% ao ano. Conclusão: caso esse
plano vá adiante, vários outros projetos
da Nasa vão pagar a conta. Uma das primeiras vítimas deve ser o Hubble.
Dois dias após o anúncio do plano de
Bush, a Nasa cancelou a missão de manutenção projetada para 2006. Sem ela, o
telescópio espacial irá operar no máximo
até 2009, quando outra missão (com custo de cerca de 300 milhões de dólares, caso seja tripulada) irá depositá-lo no fundo do oceano.
A possível morte do Hubble gerou um
maremoto de protestos. Milhares de
mensagens vêm sendo enviadas para o
portal do telescópio, para a Nasa, para
políticos. Alguém sugeriu privatizar o telescópio, vendê-lo para a Coca-Cola ou a
Pepsi: a empresa pagaria pela manutenção do telescópio e, em troca, suas fotos
trariam um pequeno logotipo de uma
das bebidas no canto.
Outros disseram que, se o problema é
que as missões com os ônibus espaciais
são muito arriscadas, eles mesmos iriam
em lugar dos astronautas. Ou, se o problema é dinheiro, que a Nasa peça doações para o público.
Nada disso estaria ocorrendo se a ênfase da corrida espacial fosse em explorar o
espaço, e não em explorar o espaço com
humanos. Inúmeras missões, incluindo
o Hubble, mas também os robôs agora
em Marte, os satélites que vêm mapeando as propriedades do Universo em microondas, raios X, raios gama, ultravioleta etc., foram todas robotizadas. Seus
custos são incomparavelmente menores
do que missões tripuladas. E os riscos,
claro, não envolvem vidas humanas.
Do ponto de vista científico, missões
tripuladas são praticamente inúteis. Por
exemplo, tudo que os astronautas fizeram na Lua com as missões Apollo poderia ter sido feito com robôs. Claro, o romance não teria sido o mesmo, e eu mesmo sou defensor da exploração do espaço por humanos. Mas não agora e não
unilateralmente, como querem fazer os
EUA. Talvez essa unilateralidade seja a
grande culpada. A corrida espacial é vista
como símbolo de hegemonia tecnológica e, portanto, explorada politicamente.
E a retórica do "homem desbravador
de fronteiras" ajuda a convencer o público de que explorar o espaço é importante, garantindo assim os enormes contratos para empresas de tecnologia aeroespacial. Dividir a exploração espacial com
o mundo significa sacrificar essa hegemonia, perder o apoio da opinião pública e a conseqüente alocação de fundos
federais para empresas privadas.
O que fazer? Parece-me que existem
dois caminhos. Um é continuar a robotização da exploração espacial, que pode
ser feita com fundos que já existem. O
Hubble, mesmo sendo um robô, cativou
o mundo. Outro seria globalizar a exploração humana do espaço. Afinal, a "última fronteira" é de todos, inclusive nossa.
Mas isso significa despolitizar o espaço, o
que pode ser mais romântico do que pôr
um homem em Marte.
Marcelo Gleiser é professor de física teórica do
Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do
livro "O Fim da Terra e do Céu"
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