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Taxonomia galáctica
Reuters/Nasa - 5.abr.2001
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Imagem do telescópio espacial Hubble mostra galáxia M51 interagindo com galáxia vizinha, no alto; gravidade da companheira influi na formação estelar na M51 |
Marcelo Gleiser
especial para a Folha
A taxonomia, ciência da classificação, tradicionalmente serviu mais aos botânicos ou biólogos do
que aos astrônomos. No entanto, a astronomia é cheia
de classificações, que ajudam a arranjar os vários objetos celestes de acordo com as suas propriedades. Por
exemplo, as estrelas são classificadas de acordo com a
sua luminosidade, que se relaciona com a temperatura
de suas superfícies. O Sol, com uma temperatura aproximada de 6.000C, é uma estrela amarela da classe G. O
mesmo com Alfa Centauri A, a estrela mais próxima do
Sol, que se encontra a uma distância de 4,3 anos-luz.
Agora é a vez de as galáxias serem classificadas, de acordo com a sua forma, ou morfologia.
Antes de discutirmos a morfologia das galáxias, convém lembrar que até 1924 acreditava-se que só existisse
uma galáxia no cosmo, a Via Láctea. Na verdade, nem se
fazia uma distinção entre galáxia e Universo: a galáxia
era o Universo. O astrônomo norte-americano Edwin
Hubble mostrou que a Via Láctea era uma entre inúmeras outras galáxias, aglomerados de estrelas e gás isolados na vastidão cósmica. Hoje sabemos que existem
centenas de bilhões de galáxias, cada qual com milhões
ou até bilhões de estrelas. Sem dúvida alguma, essas
descobertas nos forçam a repensar a nossa posição no
cosmo: em 400 anos de ciência, passamos do centro à
insignificância. Nossa razão de ser não deve ser encontrada em nosso posicionamento cósmico -besteira
achar que quem está no centro é o mais importante-,
mas, entre outras coisas, em nossa capacidade de compreender a natureza a ponto de podermos nos situar em
um cosmo bilhões de trilhões de vezes maior que nós.
Voltando à taxonomia, durante a última década telescópios extremamente potentes, como o Telescópio Espacial Hubble e o telescópio Keck, no Havaí, permitiram um estudo detalhado dos variados formatos e propriedades das galáxias. Sabemos que as galáxias aparecem em três tipos diferentes: as elípticas, aglomerados
de estrelas com pouco ou nenhum gás, têm formato esférico, como uma bola, ou ligeiramente alongado, como
um dirigível. Elas são as galáxias de maior massa, formadas de estrelas mais velhas orbitando em torno do
centro como abelhas em torno de uma colméia. Já os
seus centros são ocupados por buracos negros gigantes,
com massas milhões ou mesmo bilhões de vezes maiores do que a do Sol. As espirais, que incluem a Via Láctea e a nossa vizinha Andrômeda, têm uma região central também com um buraco negro circundada por braços que se estendem pelo espaço, ricos em gás e em estrelas jovens. Finalmente, as irregulares, que não se encaixam em nenhuma das duas classificações anteriores,
têm formatos difusos, como a Pequena Nuvem de Magalhães.
A variação morfológica das galáxias está intimamente
ligada ao seu mecanismo de formação: o desafio diante
dos astrônomos é obter explicações plausíveis para a taxonomia galáctica. A dificuldade maior, um problema
típico da astronomia, é que não é possível estudar a formação de galáxias diretamente, no laboratório: elas não
só são meio grandes (a Via Láctea tem um diâmetro de
cem mil anos-luz, ou seja, alguém que viajasse à velocidade da luz levaria cem mil anos para atravessá-la), mas
a sua formação é muito lenta, podendo levar dezenas de
milhões de anos.
A saída é usar uma combinação de modelos de computador e observações obtidas por telescópios. As observações funcionam de modo semelhante às explorações dos paleontólogos, que tentam reconstruir a evolução das espécies pela coleta de fósseis de idades diferentes: munidos de telescópios poderosos, os astrônomos
estudam galáxias em fases diferentes de seu período de
formação, infância e adolescência. Já as simulações tentam imitar o processo de formação de uma galáxia em
computadores poderosos. O problema é extremamente
complicado, mas os primeiros resultados das simulações mais realistas são promissores.
Essencialmente, a diferença entre as galáxias elípticas
e as espirais está na interação com galáxias vizinhas durante o seu processo de formação: quando uma nuvem de gás primordial desmorona, ela o faz como uma massa de pizza, girando e achatando até ficar como um disco plano, com o centro mais denso. Esse processo dá origem a uma galáxia espiral. As elípticas são o resultado de colisões entre espirais: a colisão dispersa os braços das espirais e concentra a matéria na região central.
Isso explica o fato de as elípticas aparecerem tipicamente em grupos, enquanto as espirais tendem a ser mais solitárias. A taxonomia galáctica rendeu os seus primeiros frutos.
Marcelo Gleiser é professor de física teórica do Dartmouth College,
em Hanover (EUA), e autor do livro "O Fim da Terra e do Céu".
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