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Ciência em Dia
Jovens e desempregados doutores
Marcelo Leite
editor de Ciência
Virou moda entre administradores
de CT&I (ciência, tecnologia e inovação, como reza o credo reformado da
confraria) apontar como indicador de
excelência e maturidade da pesquisa brasileira a formação de 6.000 doutores por
ano. Parece razoável, perto de 40 mil
Ph.Ds diplomados a cada ano nos EUA,
país com um PIB quase oito vezes maior
-calculado pelo critério do poder de
compra das respectivas moedas.
Vista de outro ângulo, porém, a produção de 6.000 doutores anuais pode ser excessiva. Esse ângulo é o do mercado, não
o mercado com M maiúsculo, financeiro, mas aquele que tira o sono da maioria
dos brasileiros -o de trabalho, garroteado pelo primeiro. Não parece haver
postos de trabalho bastantes para tantos
doutores, no Brasil, como se o país não
precisasse de pessoas com treinamento
acadêmico qualificado para pensar e formular seus rumos.
Obviamente há necessidade, sim, de
gente bem formada e informada. O que
não há, em primeiro lugar, são verbas
para abrir concursos nas universidades
públicas e, assim, preencher as inúmeras
vagas abertas pelo êxodo de professores
e pesquisadores, acossados pela pecha de
barnabés e pela ameaça de perder nacos
de suas aposentadorias.
A julgar pelas declarações de luminares
do governo Lula, e não só da famigerada
equipe econômica, tão cedo essas verbas
não virão. Assim como os compadres do
governo Fernando Henrique Cardoso,
seu furor orçamentário parece determinado a não deixar pedra sobre pedra nas
instituições públicas em que seus próprios quadros (mal) aprenderam a fazer
contas, discursos, planos e política.
Em segundo lugar no fomento ao desemprego doutorado aparece a muitas
vezes diagnosticada e nunca remediada
incapacidade do setor privado nacional
de criar a tal inovação. Se as empresas
atuantes no país estivessem necessitadas,
capacitadas e capitalizadas para investir
em desenvolvimento tecnológico de produtos, absorveriam naturalmente essa
legião de jovens pesquisadores.
É claro que boa parte desses novos
doutores vai encontrar emprego, ou melhor, ocupação, como pede a novilíngua
dos pilotos de planilha. Muitos acabarão
dando aulas como horistas nas prolíficas
universidades privadas, sem tempo nem
remuneração e muito menos incentivo
para fazer pesquisa. Terão também alguma vantagem comparativa, se decidirem
concorrer para vagas de telemarketing.
Esse setor, pelo menos, não parece parar
de crescer -até donativos para lares de
velhinhos e de crianças com HIV já caíram na alça de mira dessa vanguarda do
empreendedorismo, por assim dizer.
No fundo, o que o país não tem -não
tinha com FHC e continua não tendo
com Lula- é um projeto de desenvolvimento com lugar para gente que anda de
ônibus e não em carros estrangeiros
blindados. Transformou-se numa máquina financeira de moer talentos e triturar biografias, produzir ignorância e desperdiçar conhecimento. Enquanto não
decidir aonde pretende chegar com sua
gente, com sua indústria e com suas florestas, não haverá mesmo lugar para o
excedente de doutores.
Se servir de consolo, é bom saber que o
número de doutores formados nos EUA
está caindo: já foi de 41 mil e despencou
para menos de 40 mil, em 2002. Pelo visto, está ficando cada vez mais fácil e barato importar doutores prontos e desocupados de países mais pobres.
E-mail: cienciaemdia@uol.com.br
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