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+ciência
O MANIPULADOR
Roberto Mitsuyoshi Hiramoto/Divulgação
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O Toxoplasma gondii, causador da toxoplasmose |
O parasita Toxoplasma gondii, um parente do causador da malária,
nunca foi considerado um grande problema de saúde pública, mas,
segundo alguns cientistas, isso pode mudar, se ficar comprovado que ele
é capaz de alterar o comportamento de pessoas infectadas
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James Randerson
da "New Scientist"
Você se surpreendeu agindo estranhamente nos
últimos tempos? Está com problemas para se
concentrar? Não culpe as madrugadas em claro
ou a idade avançada -você pode estar à mercê
de um parasita manipulador de mentes. Uma besta microscópica que repousa discretamente em seu cérebro
pode estar exercendo uma forma sutil de controle mental, transformando-o em alguém um pouco diferente.
Pode soar pouco convincente, mas estão aumentando
as evidências de que o Toxoplasma gondii -causador
da toxoplasmose e parente do parasita da malária-
pode mudar seu modo de pensar. E você pode até já estar infectado, sem estar sabendo.
Por que você nunca ouviu falar disso antes? Porque a
opinião médica insiste que o toxoplasma é quase sempre inofensivo, uma causa de preocupação apenas para
mulheres grávidas e pessoas com sistema imunológico
enfraquecido. A acusação de controle de mentes está
longe de provada. Mas, se for verdadeira, o parasita pode se tornar um pesadelo de saúde pública da noite para
o dia. O toxoplasma é um dos parasitas humanos mais
comuns no mundo, infectando entre 30% e 60% da população global. Qualquer mamífero pode ser infectado,
mas é apenas em gatos que o toxoplasma é capaz de se
reproduzir sexualmente. Nele são liberados os ovos,
que se espalham nas fezes felinas e, se acabarem caindo
em solo apropriado, podem se manter dormentes por
até 18 meses. Um rato ou um camundongo podem pegar a infecção a partir do solo contaminado e, caso um
gato os mate e coma, o ciclo vital continua.
O perigo do toxoplasma às mulheres grávidas vem da
capacidade do parasita de atravessar a placenta e causar
um aborto ou danificar o cérebro do bebê. Mas esses casos são raros, com apenas um punhado por ano no Reino Unido e níveis similares em outros países desenvolvidos, como EUA e Austrália. Então, além de avisar futuras mães sobre a necessidade de limpar o lugar em
que o gato da casa faz suas necessidades fisiológicas, lidar com o toxoplasma nunca foi uma prioridade de
saúde pública nas nações mais ricas.
Fatores de risco podem variar entre países. A maioria
das pessoas contrai o toxoplasma ao comer alimentos
pouco cozidos -carnes de porco, vaca e ovelha podem
todas carregar o parasita. Você também pode infectar-se com o toxoplasma ao ingerir acidentalmente resíduos de solo contaminado com fezes de gato. Portanto,
sempre lave as mãos com cuidado depois de dar aquele
trato no jardim.
Na fase inicial da infecção, chamada toxoplasmose
aguda, o parasita está presente no sangue. Tipicamente,
ele causa pouco mais do que uma dor de cabeça e inflamação na garganta, embora em casos raros possa causar sérios danos à visão. Mesmo se você for ao médico, o
caso é quase sempre diagnosticado como infecção viral.
Após esse ataque inicial, o parasita se esconde do sistema imunológico (de defesa), formando cistos resistentes em tecidos nervosos e musculares, inclusive no
cérebro -um estágio conhecido como toxoplasmose
latente. Para a maioria das pessoas, esse desaparecimento é o fim da história. Uma vez que o parasita tenha
sumido, ele quase nunca reaparece, a menos que seu
sistema imunológico seja suprimido, como em vítimas
de Aids, por exemplo. Você mantém a infecção latente
pelo resto da vida -não há drogas que a curem ou vacinas que a previnam-, mas a sabedoria médica transmitida é a de que ela é inofensiva.
Então, por que a preocupação? Bem, pesquisadores já
sabem que o toxoplasma pode manipular roedores,
seus "hospedeiros intermediários" naturais. Está estabelecido que ratos e camundongos se comportam de
forma mais imprudente quando são infectados. Joanne
Webster e sua equipe da Universidade de Oxford descobriram que os azarados roedores são mais ativos e menos temerosos de coisas novas. Eles até sentem atração
por urina de gato. E uma pesquisa de Jaroslav Flegr e
seus colaboradores da Universidade Carlos, em Praga,
mostrou que os ratos têm tempo de reação aumentado.
Tudo isso os torna muito mais vulneráveis a ataques felinos, exatamente o que o parasita quer. Afinal, o toxoplasma precisa infectar o gato (o "hospedeiro definitivo") para completar seu ciclo vital e espalhar seus genes.
Camundongos e homens
Mas poderiam homens e
mulheres ser afetados da mesma maneira? Na verdade,
o toxoplasma teria pouco incentivo evolutivo para influenciar nossas ações, uma vez que humanos pré-históricos provavelmente nunca foram comidos por grandes gatos numa frequência que fizesse a influência valer
a pena. Mas cérebros humanos e de roedores são muito
similares. Eles têm muitas partes similares e são controlados pelo mesmo conjunto de substâncias. Ninguém
realmente sabe como o toxoplasma subverte o comportamento dos ratos, mas é provável que interaja com algum composto no cérebro. Existe a possibilidade de
que a mesma substância esteja presente em nosso cérebro, também, tornando perfeitamente possível que os
humanos experimentem efeitos colaterais.
Flegr e sua equipe decidiram descobrir se isso estava
realmente acontecendo. Eles conduziram uma série de
testes em voluntários, alguns dos quais tinham uma infecção latente, conforme revelado por anticorpos para o
toxoplasma detectados em seu sangue.
Os resultados dos testes de personalidade foram complicados e mostraram confusas diferenças de gênero,
mas os homens pareciam pelo menos reproduzir um
aspecto da manipulação em roedores. Homens infectados tendiam a ser mais independentes e inclinados a
quebrar regras, embora mulheres infectadas tendessem
a ir na direção oposta. Poderiam os homens se tornar
mais imprudentes, como os ratos, enquanto por alguma razão o composto de controle mental tivesse um
efeito oposto nas mulheres? Nesse estágio, ainda não está claro. E, é claro, essa não é necessariamente uma relação causal -certas personalidades poderiam simplesmente ser mais vulneráveis à aquisição de infecções.
Um teste para medir tempos de reação e duração de
atenção deu resultados mais consistentes. Tanto homens quanto mulheres que tinham uma infecção latente levavam mais tempo para pressionar uma tecla de
computador após um sinal num monitor. Pessoas sem
a infecção levaram cerca de 250 milissegundos para reagir, mas as com infecção latente reagiram de maneira
8% mais lenta, em média. Além disso, os voluntários toxoplasma-positivos foram piorando conforme o experimento prosseguiu, sugerindo que eles tinham menor
capacidade de manter a concentração. De novo, os efeitos em humanos parecem estar imitando os que ocorrem nos ratos.
Até recentemente, poucas pessoas haviam levado os
resultados de Flegr muito a sério. E se o toxoplasma
causar alguns poucos estranhos resultados de laboratório, que diferença isso faria no mundo real? O que fez as
pessoas se sentarem e prestarem atenção foi uma pesquisa publicada em agosto pela equipe de Flegr, que
mostrava que os humanos com infecção latente têm
probabilidade 2,7 vezes maior de se envolverem em acidentes de carro.
Direção perigosa
Os pesquisadores testaram amostras de sangue de 146 pessoas envolvidas em acidentes
de automóvel em que eram ao menos parcialmente responsáveis e de outras 446 pessoas num grupo de controle. Havia mais portadores do toxoplasma no grupo
dos acidentados. Não importava se o indivíduo era um
motorista ou um pedestre, ter um parasita o torna mais
perigoso para os usuários das vias públicas. De forma
preocupante, surge uma ligação óbvia com os resultados dos tempos de reação de Flegr. E, caso o toxoplasma
reduza os tempos de reação, que outros efeitos poderia
ter? Poderia contribuir para outros acidentes de transporte, ou problemas industriais?
O trabalho de Flegr certamente ergueu algumas sobrancelhas no pequeno grupo de especialistas no campo, inclusive alguns representantes de saúde pública.
Por exemplo, Richard Holliman, um pesquisador de
parasitas na Hospital da Escola Médica St. George, em
Londres, diz que, embora os resultados precisem ser reproduzidos, "as implicações poderiam ser enormes".
Tempos maiores de reação podem não ser o único
efeito neurológico do toxoplasma. Outra idéia controversa é que a infecção latente poderia disparar algumas
formas de esquizofrenia. Fuller Torrey, do Instituto de
Pesquisa Médica Stanley, em Maryland (EUA), e sua
equipe descobriram que esquizofrênicos parecem ser
mais frequentemente donos de gatos e ter toxoplasmose latente. Além disso, drogas usadas para aliviar sintomas de esquizofrenia parecem danificar o parasita, ao
menos nos tubos de ensaio. Torrey acredita que talvez
seja por isso que as drogas funcionam.
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