|
Próximo Texto | Índice
+ ciência
OUTRORA UM SÍMBOLO DE PIONEIRISMO E INOVAÇÃO, HOJE A
NASA, AGÊNCIA ESPACIAL AMERICANA, É COMPOSTA POR UM
ARRANJO POUCO ELEGANTE DE TERCEIRIZAÇÃO E BUROCRACIA
O ABALO DO GIGANTE
Nasa
|
Foguete Saturno-5, que impulsionou a Apollo-11 à Lua em 69 |
James Glanz
Edward Wong
William J. Broad
do "The New York Times"
Nas primeiras horas de 1º de fevereiro de 1958,
William Pickering, diretor do laboratório que
preparou a resposta dos EUA ao Sputnik, estava esperando a confirmação de uma estação de monitoramento na Califórnia de que sua nave, o primeiro satélite americano, tinha completado uma volta em torno da Terra.
Dois ciensitas esperaram com ele num escritório do
Pentágono -Wernher von Braun, o ex-chefe do programa de foguetes nazista que se tornou um inovador
na indústria americana, e James Van Allen, um brilhante e jovem astrônomo. Levou apenas três meses para
que eles atingissem o feito marcante da União Soviética
lançando um foguete de quatro estágios atolado de
equipamentos sensores para o espaço.
Quando a confirmação finalmente chegou, os três foram arrastados pelo Potomac até Washington, onde foram recebidos por uma multidão de repórteres e fotógrafos ao levantarem uma réplica do foguete sobre suas
cabeças como um troféu gigante.
A nação estava eletrizada, a corrida espacial havia começado, e as leituras dos instrumentos de Van Allen
iriam revolucionar o entendimento científico da Terra e
do Sistema Solar. Meses depois, o Congresso declarou
que o esforço seria conduzido por uma nova entidade
federal, a Administração Nacional de Aeronáutica e Espaço (Nasa). Era o tipo de triunfo, dizem muitos cientistas, que a Nasa de hoje -com uma base técnica em declínio, um conjunto erodido de talento científico e de
engenharia e cada vez menos patentes e estudos notáveis- não seria capaz de obter.
Por mais de três décadas, a Nasa desafiou todas as
probabilidades se tornar uma burocracia multibilionária com dezenas de milhares de gerentes, cientistas, engenheiros e técnicos, ainda de alguma forma se mantendo fiel à audácia entoxicante e à mestria técnica que
lhe deram vida. Os jovens inovadores da Nasa não só
aterrissaram homens na Lua e exploraram o Sistema
Solar, enviando sondas para Vênus, Marte e Júpiter e visitando todos os planetas exteriores exceto Plutão. Juntos, eles montaram e mantiveram um repositório impressionante de talento científico e técnico.
Hoje, entretanto, a Nasa é dominada não por cientistas e engenheiros que pensam grande, mas por administradores técnicos que dependem largamente de contratados externos que foram eles mesmos perturbados
por compactação, cortes e tempos difíceis na economia.
Como resultado, os pesquisadores da Nasa estão produzindo muito menos patentes do que o fizeram em
anos anteriores, e houve uma recente queda em estudos
também. Outros cientistas, muitos dos quais já questionavam o valor do programa do ônibus espacial desde o
início, estão agora surpresos pela falta de sofisticação
científica exigida pelos engenheiros da Nasa encarregados de explicar o desastre do Columbia publicamente.
"Houve uma queda constante na competência e na
sensação de que você está realmente lidando com colegas de ciência", disse Van Allen, que, com seu grupo na
Universidade de Iowa, tem enviado instrumentos em
missões com a Nasa ao longo das últimas décadas.
Terceirização nociva
A confiança em empresas
terceirizadas deixou pessoal dos centros da Nasa com
pouca experiência prática. "Eles não sabem realmente o
que está acontecendo", disse Van Allen. "Eles sabem o
que precisam fazer, num sentido estreito, no dia-a-dia."
Daniel Baker, que liderou os laboratórios de ciência
espacial no Centro Espacial Goddard de 1987 a 1994 e
agora é diretor de um laboratório na Universidade do
Colorado, disse que nos anos 90, quando a Nasa cortou
alguns dos últimos programas internos que davam a jovens engenheiros a chance de construir satélites eles
mesmos, o declínio técnico acelerou.
"Acho que é desastroso", disse Baker. "A Nasa perdeu
alguns de seus nervos, talvez seu senso de propósito."
Os cientistas dizem que a agência se contaminou por
uma cultura de serviço público, com suas raízes em regras burocráticas, cobertas por uma política contra riscos que permeou a Nasa após a explosão do Challenger,
em 1986. Como resultado, está mais difícil atrair jovens
talentosos e ambiciosos para a agência.
"Os líderes envelhecidos da Nasa de hoje vieram para
esse empreendimento com estrelas em seus olhos", disse Bruce C. Murray, geólogo do Instituto de Tecnologia
da Califórnia que dirigiu o Laboratório de Propulsão a
Jato (JPL) da Nasa de 1976 a 1982. "Não é o caso agora."
Com os gastos da agência reduzidos de US$ 5,9 bilhões anuais em 1966 para US$ 3,4 bilhões em 1971 e
US$ 3,3 bilhões em 1974, com o fim do programa Apollo, a Nasa iniciou um programa de "redução de mão-de-obra" que mudou sua personalidade.
Pelos anos 1990, entretanto, a privatização se tornou
uma palavra potente. Em 1995, duas grandes empreiteiras da Nasa, a Boeing e a Lockheed Martin, formaram
um consórcio chamado de United Space Alliance, e a
Nasa deu a ele vasta responsabilidade pela operação
diária do programa do ônibus espacial. O consórcio
tem um papel similar com a ISS (Estação Espacial Internacional). Um estudo do programa do ônibus espacial
financiado pela Nasa e concluído em dezembro de 2002
mostrou que 92% do dinheiro gasto nos ônibus ia para
empreiteiras.
Mas as empreiteiras da Nasa têm seus próprios problemas. Por exemplo, na Instalação de Montagem Michoud, em Nova Orleans, de propriedade da Nasa e gerida pela Lockheed, a maioria dos contratados tem mais
de 20 anos de experiência, enquanto uns poucos foram
contratados mais recentemente. Os funcionários dizem
que há um "gap" etário -15 anos ou mais- entre os
trabalhadores mais antigos e os mais novos, porque
muitos trabalhadores entre uma ponta e outra teriam
sido eliminados em ondas de cortes.
"O todo da Nasa como entidade tem muita gente que
quer se aposentar", disse James Lemann, 44, ex-funcionário da Michoud. "Se você está constantemente cortando os novos contratados e mantendo os velhos que
vão se aposentar, você chegará a um ponto em que não
terá ninguém para fazer o serviço."
Os cortes de orçamento na Nasa e em suas empreiteiras aeroespaciais estão longe de ser a única explicação
para o envehecimento e declínio da competência técnica no programa espacial.
O fim da Guerra Fria deixou o programa sem o apelo
de competir com a União Soviética, uma rivalidade que
alimentou o impulso americano de ir ao espaço em primeiro lugar. E poucos cientistas fora da Nasa têm algo
de bom a dizer sobre o ônibus espacial, que eles afirmam tomar dinheiro de pesquisas que poderiam ser
feitas a custo menor com foguetes não-reutilizáveis.
Programa injustificável
"Não há nenhuma ciência lá fora que possa começar a justificar o custo", disse
Robert L. Park, um físico da Universidade de Maryland
e também um membro da Sociedade Física Americana,
uma organização com 42 mil físicos no mundo todo.
Park apontou que o orçamento combinado da Nasa
para o ônibus e para a estação espacial era mais do que o
orçamento de US$ 5 bilhões para a Fundação Nacional
de Ciência, que financia cerca de 20 mil bolsas de pesquisa todo ano, resultando em dezenas de milhares de
estudos científicos publicados.
Por contraste, a ciência no ônibus espacial produz
uma pequena quantidade de publicações em áreas como crescimento de cristais e desenvolvimento embrionário, que funcionam melhor num ambiente sem peso.
Defensores do programa acreditam que o desafio do
vôo espacial humano justifica sozinho o custo, mas agora o ônibus espacial é usado principalmente para levar
material de construção e outros suprimentos para a estação espacial, uma missão que muitos jovens cientistas
consideram menos que atraente.
Quando os EUA escolheram o ônibus espacial sobre a
continuada exploração do espaço, a Nasa perdeu muito
de seu apelo com jovens pesquisadores, disse George
Gleghorn, um membro da Academia Nacional de Engenharia e ex-engenheiro-chefe na divisão espacial da
TWR, uma empreiteira aeroespacial.
"O produto que você obtém, num sentido, é o que você estabelece como meta", disse Gleghorn, que até o ano
passado era membro do Painel Consultivo de Segurança Aeroespacial da Nasa. "Não acho que nos comparamos aos Van Allens e Von Karmans", disse, em referência a Theodore von Karman, o engenheiro que fundou
o JPL.
A falta de apelo é refletida pelo perfil etário na Nasa e
na indústria aeroespacial como um todo. A idade média
dos funcionários do consórcio United Space Alliance
subiu de 44,5 para 45,3 desde que foi formado, em 1996,
e a porcentagem de funcionários com menos de 35 anos
caiu para 11% na Nasa, de 28% em 1993.
As implicações desses números são dolorosas, dizem
especialistas que apontam uma erosão nas habilidades
técnicas da Nasa. Por exemplo, o Instituto para Informação Científica (ISI), companhia da Filadélfia que
acompanha as publicações científicas e seu impacto, recentemente fez um estudo que mostrou que a porcentagem de estudos da Nasa está caindo há uma década. Em
anos recentes, o número absoluto também caiu.
Patentes em queda
O mesmo ritmo é visto nas
patentes da Nasa, que são uma medida da inventividade
técnica. A CHI Research, de Haddon Heights, Nova Jersey, que acompanha índices de ciência, disse que as patentes da Nasa caíram na última década. A agência requisitou 155 patentes em 1992 e 89 em 2002, a companhia informou. Em comparação, a IBM recebeu 3.334
patentes no ano passado.
A mudança que esses números implicam não é sutil,
disse Seymour C. Himmel, um membro aposentado da
Nasa que recentemente deixou o Painel Consultivo de
Segurança Aeroespacial da agência.
Himmel recordou uma visita que o painel de segurança fez ao centro da Nasa, em que os empregados descreviam seu serviço. "Tudo que eles falavam era de contratos e grana", disse. "Eu fiquei tão furioso. Eu disse: "Seu
trabalho é conhecimento!" "
O que os cientistas que lidam com a Nasa parecem
achar especialmente intrigante é a evidência de que alguns afiliados da agência mantiveram sua vantagem
técnica, sugerindo que a decadência não é inevitável.
Muitos apontam o JPL, que é afiliado ao Caltech, como um lugar em que a inovação ainda vive. Mas Pickering, um dos três cientistas que seguraram o foguete
após o primeiro lançamento bem-sucedido, disse que a
decisão do laboratório em manter seus elos universitários causou atritos.
"Todo o resto era serviço público, e a burocracia da
Nasa não soube muito bem como lidar com isso", disse
Pickering. "E eu acho que houve um pouco de uma divisão de cultura."
Embora o laboratório tenha perdido duas de suas
sondas marcianas no final dos anos 1990 -erros técnicos de uma empreiteira foram as causas- também navegaram sondas relativamente baratas que orbitaram e
aterrissaram no planeta. O laboratório segue sendo um
centro de excelência em áreas que vão desde conceitos
de propulsão futurista até meios de comunicação no espaço profundo.
"De minhas observações por todos esses anos", disse
Barles Barth, professor-emérito de ciências planetárias
e astrofísicas da Universidade do Colorado, "eu acho
que eles se deram bem em continuarem a ser inovadores e a desenvolver idéias técnicas."
E, quando a Nasa trabalha junto com as mentes livre-pensantes da academia em outras áreas de suas operações, os resultados podem ser animadores. Poucos dias
atrás, um satélite da Nasa chamado Wilkinson Microwave Anisotropy Probe, desenvolvido em colaboração
intensa com Princeton, forneceu as mais antigas imagens da infância do Universo, dados que vão formar a
base de muitas áreas da cosmologia e da astrofísica nos
próximos anos.
David Spergel, um físico de Princeton que trabalhou
com uma equipe do Centro de Vôo Espacial Goddard
no projeto, disse que ainda havia centros de excelência
lá que poderiam servir de modelo para a agência toda.
"Em algumas áreas", Spergel disse, "a turma do Goddard e do JPL é a melhor do mundo -o tipo de gente que as universidades e a indústria adorariam ter."
Próximo Texto: Micro/Macro: O ceticismo do cientista Índice
|