|
Texto Anterior | Índice
Micro / Macro
O homem, esse ser improvável
Marcelo Gleiser
especial para a Folha
Quanto mais aprendemos sobre o Universo, maior
se torna a nossa insignificância. E mais significativa se torna a nossa presença nesse vasto cosmos. Afinal,
a Terra já foi considerada o centro do cosmos, até ser removida para uma das órbitas em torno do Sol, tal qual
qualquer outro planeta. Depois disso, o Sol foi o removido do centro, sendo deslocado para a periferia de nossa galáxia, a Via Láctea. Mas em 1924, o astrônomo
americano Edwin Hubble comprovou que a própria
Via Láctea era apenas uma entre inúmeras outras galáxias, cada uma delas com milhões ou mesmo centenas
de bilhões de estrelas. Hoje sabemos que existem centenas de bilhões de galáxias espalhadas pelo Universo, separadas por milhões de anos-luz.
Em pouco mais de 400 anos de ciência, passamos do
centro do Universo a um planeta orbitando uma humilde estrela em meio a bilhões de outras. O que essa visão
tem de humilhante, ela tem de magnífica. Termos consciência de nossa insignificância cósmica é, talvez, um
dos nossos maiores motivos de orgulho; ao mesmo
tempo, aprendemos a celebrar a enormidade do cosmo
e a nossa capacidade de compreendê-la.
Essas reflexões tornam a questão da nossa existência
ainda mais fascinante: como foi possível, em um Universo movido pelo acaso, que seres vivos tenham aparecido e, mais impressionante ainda, seres vivos inteligentes? Como foi possível, em um Universo dominado por
matéria inerte, que átomos destituídos de consciência
ou objetivo tenham se organizado em seres conscientes? Essas questões, claro, são bem mais antigas do que a
ciência, tendo sido abordadas por inúmeras religiões no
decorrer da história da humanidade. Temos uma profunda necessidade de compreender as nossas origens,
de justificar de alguma forma a nossa presença aqui. Se
a origem da vida permanece ainda um mistério, a sua
emergência é algo que deve ser explicado cientificamente, a partir da complexificação crescente da matéria
orgânica, desde os seres mais primitivos até a humanidade moderna.
O homem é um ser improvável. O que não significa
impossível, miraculoso. A vastidão do Universo, ou
mesmo da nossa galáxia, quase que justifica por si só a
presença de vida. Pense que a Via Láctea tem centenas
de bilhões de outras estrelas, provavelmente em sua
maioria com planetas à sua volta. Mais de 80 planetas
extra-solares já foram observados, a distâncias aproximadas de 50 anos-luz. Como a Via Láctea tem aproximadamente 100 mil anos-luz de diâmetro, esses planetas fazem parte da nossa vizinhança cósmica mais imediata. Existem projetos envolvendo telescópios orbitais
bem mais potentes do que o Telescópio Espacial Hubble, que serão capazes de analisar a química da atmosfera desses planetas extra-solares, procurando por sinais
de vida, como a presença de ozônio e oxigênio. E isso
apenas em nossa galáxia, um mero grão de poeira na
vastidão cósmica. Ou seja, não acredito que será muito
difícil encontrarmos vida em outras partes da galáxia,
ou, quem sabe, até mesmo em nosso Sistema Solar, como na lua de Júpiter conhecida como Europa, que aparentemente é coberta por um oceano de água salgada
revestido por uma camada de gêlo de aproximadamente 19 quilômetros de espessura. Entretanto, existe uma
grande diferença entre encontrar vida extraterrestre e
encontrar vida extraterrestre inteligente.
O que torna o debate complicado é que temos apenas
um exemplo de vida inteligente, o nosso. Revisitando a
história da evolução da vida na Terra, vemos que o surgimento de vida inteligente foi consequência de uma sequência de eventos completamente aleatória. Há cerca
de 200 milhões de anos, os dinossauros reinavam supremos sobre o mundo. Eles continuaram o seu reinado por 150 milhões de anos até que, um belo dia, um asteróide com diâmetro de dez quilômetros, viajando à
mais de 60 mil quilômetros por hora, colidiu com a Terra sobre a península de Yucatán, no Golfo do México. A
devastação causada por esse impacto destruiu cerca de
40% da vida, incluindo os dinossauros. Vários mamíferos, apesar de até então serem subjugados pelos sáurios,
sendo mais adaptáveis à brusca mudança nas condições
ambientais e climáticas, puderam sobreviver. E, com a
sua sobrevivência, vieram mutações genéticas que
eventualmente levaram ao surgimento dos primeiros
primatas bípedes, nossos antepassados. Ou seja, nós estamos aqui por causa desse evento e de suas várias consequências evolutivas e não por causa da nossa inteligência. O que nós dá mais uma razão para mantermos a
nossa humildade perante as incertezas cósmicas.
0
Marcelo Gleiser é professor de física teórica do Dartmouth College,
em Hanover (EUA), e autor do livro "O Fim da Terra e do Céu".
Texto Anterior: + ciência: Brisa marciana Índice
|