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Micro/Macro
Tempestades solares
Marcelo Gleiser
colunista da Folha
Na primavera de 1613, o italiano Galileu Galilei em seu "História e Demonstração Sobre as Manchas Solares",
argumentou que as manchas vistas no Sol
estavam localizadas sobre a sua superfície.
Um ponto de vista alternativo, defendido
pelo astrônomo jesuíta padre Scheiner, dizia que as manchas solares eram pequenos
planetas orbitando o Sol. Scheiner, treinado na doutrina aristotélica, não podia aceitar que um objeto celeste tivesse qualquer
tipo de imperfeição. Segundo Aristóteles,
todos os objetos celestes eram feitos de éter
- a quintessência-, sendo, portanto,
perfeitos. Venceu Galileu, após humilhar
bastante seu oponente, como era seu estilo.
O que não sabia é que as manchas solares
têm dimensões maiores do que da Terra e
representam uma medida de atividade
magnética na superfície solar. Hoje, sabemos que o Sol apresenta ciclos de atividade
de duração de onze anos, nos quais o número de pares de manchas solares aumenta durante o pico dos ciclos, indicando o
borbulhar magnético do astro-rei. Essa atividade tem sérias implicações para a Terra.
No dia 14 de julho de 2000, cientistas no
Centro Ambiental Espacial em Boulder, no
Colorado, monitorando o satélite Goes-8,
detectaram uma emissão violenta de raios
X emitida por uma região do Sol que, durante os dias precedentes, havia demonstrado alta atividade. Os raios X acusavam a
formação de uma gigantesca centelha,
emitindo energia equivalente a bilhões de
megatoneladas de TNT: literalmente, uma
explosão apocalíptica na superfície do Sol.
Outro satélite, Soho, também detectou a
centelha em sua órbita a 1,5 milhão de quilômetros da Terra, um décimo da distância
até o Sol. Após meia hora, o Soho detectou
outro fenômeno, de proporções assustadoras: a ejeção de uma bolha de bilhões de
toneladas de plasma, partículas eletricamente carregadas. Destino: Terra.
A bolha, um exemplo de ejeção de massa
coronal (do inglês "coronal mass ejection",
ou CME), viajando a 1.700 quilômetros por
segundo, chegou aqui 25 horas mais tarde.
Ao passar pelo Soho, a bolha provocou pane em seus instrumentos, desligando-os
temporariamente. Em um dia suas células
solares sofreram danos equivalentes aos de
um ano. Um satélite japonês foi perdido.
Outros tiveram seus instrumentos de detecção e transmissão de dados arruinados.
Em outubro do ano passado, uma tempestade solar emitiu outra massa coronal
gigantesca. Essa eu mesmo vi -ao menos
uma de suas consequências- do jardim
da minha casa: as partículas de plasma, ao
se chocarem com a atmosfera terrestre,
provocaram uma belíssima aurora boreal,
cortinas de luz oscilando no céu em tons de
vermelho e laranja. Uma das (poucas) vantagens de morar em latitudes altas.
A conexão Terra-Sol tem uma importância que vai além das belas auroras. As partículas solares, altamente energéticas, são
afuniladas pelo campo magnético terrestre, concentrando-se principalmente nos
pólos. Caso a Terra não tivesse um campo
magnético, nosso casulo, não poderíamos
sobreviver à radiação. De fato, durante
tempestades solares, astronautas da estação espacial têm de procurar abrigo em
partes da espaçonave com proteção extra.
Imagine o Sol e a Terra como duas bolas ligadas por elásticos. Esses elásticos são as linhas de campo magnético, que gosto de visualizar como um cordão umbilical unindo-nos ao astro que nos mantém vivos. As
bolhas de plasma seguem essas linhas como se fossem trilhos, juntamente com as
partículas que formam o vento solar, a
emissão normal proveniente do Sol, composta principalmente por prótons. A
maior pressão durante uma tempestade
solar modifica o campo magnético terrestre, diminuindo sua eficiência. Partículas
carregadas colidem com satélites, provocando faíscas e danificando instrumentos.
Mais ainda, as tempestades aquecem a atmosfera, fazendo-a dilatar. Isso causa aumento no atrito que pode levar à queda dos
satélites em órbitas mais elevadas.
A vida moderna depende crucialmente
de satélites: transações bancárias, GPS, telefonia celular, telecomunicações. A conexão Terra-Sol representa mais um lembrete que não devemos nos esquecer de nossos vizinhos cósmicos.
Marcelo Gleiser é professor de física teórica do Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro
"O Fim da Terra e do Céu"
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