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Micro/Macro
Desta vez foi por pouco
Marcelo Gleiser
especial para a Folha
Recentemente, dois eventos astronômicos reanimaram temores apocalípticos, como os retratados nos filmes
"Armageddon" e "Impacto Profundo":
colisões catastróficas entre asteróides ou
cometas e a Terra.
No dia 13 de janeiro, um astrônomo
trabalhando para o Linear (Lincoln Near
Earth Asteroid Research Program, ou
Programa Lincoln de Busca por Asteróides Próximos da Terra) detectou um novo asteróide. Fez quatro imagens do objeto em momentos diferentes, numa tentativa de compor a sua órbita.
Isso tudo é rotina e faz parte do Programa Spaceguard Survey, que reúne vários
observatórios dedicados à caça de asteróides com diâmetros de pelo menos um
quilômetro. O objetivo é observar as suas
órbitas, certificando-se de que nenhum
irá colidir com a Terra.
Por que asteróides com pelo menos
um quilômetro de diâmetro? Por dois
motivos. Primeiro, porque, quanto
maior o asteróide, mais fácil é achá-lo no
espaço. A tarefa dos astrônomos não é
nada fácil: é como detectar um mosquito
a quilômetros de distância.
Segundo, porque asteróides com mais
de um quilômetro de diâmetro podem
causar sérios danos ao planeta Terra, inclusive ameaçando a sobrevivência de
grande parte da humanidade. É bom
lembrar que foi um asteróide que precipitou a extinção dos dinossauros há 65
milhões de anos. (Rumores recentes
questionando essa conclusão são extremamente duvidosos.)
Existem mais de 1.100 asteróides dessas
dimensões circulando pelo Sistema Solar. Metade deles já foi catalogada, e nenhum até o momento apresenta perigo
de colisão com a Terra. A outra metade,
graças ao trabalho do Spaceguard, deverá ser catalogada até 2008.
O astrônomo Tim Spahr, do Linear,
enviou seus dados para um portal especializado e foi jantar. Passada uma hora,
o astrônomo amador europeu Reiner
Stoss viu os dados de Spahr e concluiu
que o asteróide, então chamado de
AL00667, estaria seis vezes mais próximo da Terra em um dia.
Stoss enviou mensagem para um grupo de caçadores de asteróides. As observações indicavam que o asteróide era pequeno, com 30 m de diâmetro. Objetos
desse tamanho podem explodir ainda na
atmosfera, tendo pouco efeito sobre a superfície. Mas, se a explosão ocorrer em
baixa altitude e sobre área habitada, eles
podem causar grandes danos e perda de
vida. Em 1908, um explodiu sobre a Sibéria, devastando dezenas de quilômetros
quadrados de floresta.
A essa altura, outro astrônomo, Alan
Harris do Instituto de Ciências Espaciais
em Boulder, no Colorado (EUA), checou
os dados da órbita. Concluiu que, caso
estivesse correta, o asteróide iria se chocar com a Terra em um dia. Nervoso,
Harris ligou para o chefe do programa de
detecção de asteróides da Nasa (agência
espacial dos EUA), Don Yeomans.
Em conjunto com outros astrônomos,
Yeomans concluiu que o asteróide tinha
25% de chance de colidir com a Terra. Jamais astrônomos haviam chegado a esse
tipo de margem de risco. E certamente
não com apenas um dia de aviso prévio.
Um certo pânico se espalhou entre os
astrônomos. Eram necessárias mais observações para confirmar se o risco era
mesmo tão alto. Para piorar a situação,
os céus se cobriram de nuvens, as grandes inimigas dos astrônomos.
Finalmente, na madrugada do dia 14,
astrônomos buscaram pelo asteróide no
local onde ele deveria estar, caso fosse
mesmo se chocar com a Terra. Não estava. Ainda bem, pois observações posteriores mostraram que o asteróide é muito maior, com 500 m de diâmetro. O susto foi tão grande que a Nasa preparou
um plano de comunicação para o caso de
um asteróide entrar em rota de colisão
com a Terra.
No dia 18 de março, outro asteróide
passou perto. Aliás, mais perto do que
qualquer outro já observado. Com 30 m
de diâmetro, passou a apenas 43 mil quilômetros de distância, ou 3,4 diâmetros
terrestres. Aqui, a novidade não foi que o
asteróide tenha passado assim tão perto
-estima-se que isso ocorra uma vez a
cada um ou dois anos-, mas que tenha
sido detectado, o que é um bom sinal.
O Sistema Solar é cheio de detritos, materiais que não se juntaram a planetas ou
luas em sua formação. As colisões com a
Terra são raras, mas ocorrem. Esses dois
episódios provam que não ter um plano
de defesa é, no mínimo, arriscado.
Marcelo Gleiser é professor de física teórica do
Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do
livro "O Fim da Terra e do Céu"
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