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Mar esquentou 50% mais que o previsto
Cálculos feitos por brasileira radicada na Austrália indicam que elevação do nível dos oceanos tende ao pior cenário
Estudo resolve mistério que intrigava os oceanógrafos ao estimar contribuição da
expansão térmica à subida observada desde 1961
CLAUDIO ANGELO
EDITOR DE CIÊNCIA
Os oceanos do planeta estão
esquentando 50% mais do que
se imaginava até agora, e isso
pode fazer com que as previsões sobre o aumento do nível
do mar no fim deste século fiquem mais próximas do pior
cenário. A estimativa é de um
estudo australiano, liderado
por uma oceanógrafa paulista.
A pesquisa, publicada na edição de hoje da revista científica
"Nature", afirma que os cientistas estavam subestimando a
chamada expansão térmica, o
aumento do volume do mar em
razão do aquecimento da água.
Ela faz, pela primeira vez, um
cálculo preciso do quanto da
elevação observada no nível
global dos oceanos de 1961 a
2003 pode ser atribuído a essa
expansão e o quanto é culpa do
derretimento das geleiras causado pelo aquecimento global.
Esse balanço mundial do nível do mar vinha tirando o sono
dos oceanógrafos. No famoso
relatório publicado no ano passado pelo IPCC, o painel do clima das Nações Unidas, a soma
da contribuição do degelo e do
aumento de volume eram menores do que a elevação média
de fato observada no período.
Isso levou muita gente a desconfiar que os modelos climáticos estivessem errados. Afinal,
o que faz a qualidade de um modelo é a precisão com a qual ele
consegue reproduzir o clima
medido no passado.
Entra em cena Cátia Domingues, da Csiro, organização nacional de pesquisas da Austrália. A cientista e seus colegas John Church e Susan Wijffels
descobriram que os modelos
estavam certos: erradas estavam as observações.
Os dados de observação usados pelo IPCC se baseavam em
estudos do americano Sydney
Levitus e do japonês Masayoshi
Ishii, que fiaram-se em medições feitas com um aparelho
chamado XBT (batitermógrafo
descartável, na sigla em inglês).
"O XBT parece um torpedinho que a gente lança ao mar
para medir temperatura. O
problema é que ele não mede
profundidade", diz Carlos Eiras
Garcia, da Furg (Fundação
Universidade de Rio Grande),
ex-orientador de mestrado de
Domingues. A relação entre
temperatura e profundidade,
fundamental para saber o
quanto cada camada do oceano
aquece, era dada por uma equação matemática. "Essa equação
estava errada." diz Garcia. Os
XBTs "esconderam" a real taxa
de expansão térmica do mar.
E não era só isso: o método
usado por Levitus e Ishii para
inferir a temperatura da camada mais superficial do oceano
(até 700 metros de profundidade) em regiões onde não havia
medições feitas, como o hemisfério Sul, também tinha falhas.
O grupo australiano descobriu a origem desses dois erros
e refez todas as contas.
"Nós já esperávamos alcançar resultados mais precisos,
porque fomos os primeiros a
corrigir os vieses nas observações de temperatura do oceano", disse à Folha Domingues,
36. "Agora, exatamente qual
seria a diferença nós não sabíamos. Quando terminamos os
cálculos e comparamos com os
resultados de Levitus e Ishii,
quase caímos para trás!"
A nova estimativa coloca finalmente os modelos em concordância com as observações,
embora a elevação anual do nível do mar estimada por Domingues e colegas (1,6 mm) seja um pouco menor que o estimado pelo IPCC (1,8 mm).
O problema é que, como o
mar está esquentando mais rápido do que se pensava, a elevação final em 2100 tende também a ser maior. Os cenários
do IPCC indicam uma subida
de 18 cm a 59 cm no fim do século. "Este e outros resultados
indicam que ela tende ao limite
superior", diz a brasileira.
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