Próximo Texto | Índice
Para SBPC, empresas empacam inovação
Marco Raupp, presidente da entidade, diz que Brasil pode perder a liderança do etanol se iniciativa privada não ajudar
Matemático defende regra para desburocratizar pesquisa em biodiversidade e diz que briga por lei sobre cobaias não está ganha
Antônio Scarpinetti/Unicamp/Cortesia
|
|
Marco Raupp, presidente da SBPC, dá entrevista em Campinas
AFRA BALAZINA
RAFAEL GARCIA
ENVIADOS ESPECIAIS A CAMPINAS
Para o matemático Marco
Antonio Raupp, presidente da
SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), o
atraso do Brasil em inovação
tecnológica é legado da cultura
empresarial brasileira que
mostra aversão a investimentos de retorno a longo prazo e
dialoga mal com a academia.
Ele não isenta as universidades
de culpa, mas diz que quem tem
de agir agora são as empresas.
Raupp coordenou nesta semana a 60ª reunião anual da
entidade, que terminou ontem
em Campinas com participação
estimada de 12 mil pessoas. O
evento reuniu diversos cientistas de primeira linha para discutir assuntos estratégicos para o Brasil.
Em entrevista à Folha,
Raupp fala sobre alguns deles:
FOLHA - Como o senhor avalia a
inovação tecnológica no país?
MARCO ANTONIO RAUPP - A academia está com desenvolvimento
razoável no que se refere a seus
aspectos acadêmicos, mas têm
de também participar do processo de inovação na empresa.
Não significa que será responsável pela inovação em empresas, quem é responsável é a própria empresa. Mas a academia
tem de dar a sua parte.
FOLHA - O Brasil tem poucas patentes...
RAUPP - É, 0,2% da produção
de patentes no mundo. E a participação de produtos de pesquisa básica é 2%. Então, olha a
diferença. Temos que fazer um
esforço brutal. Agora, isso não é
responsabilidade da academia,
quem tem que puxar são as empresas. Elas têm que adotar a
inovação como mecanismo
fundamental para se capacitarem para a competitividade. A
lei de inovação permite a parceria entre empresas e pesquisadores e a SBPC estimula isso.
FOLHA - Mas a lei não parece estar
funcionando bem.
RAUPP - Porque não temos tradição. O diálogo ainda é difícil.
FOLHA - A empresa ter uma base
dentro da universidade funciona?
RAUPP - Sim, há vários mecanismos que se deve adotar. É
preciso ter parques tecnológicos, por exemplo, que são locais
neutros, nem na empresa nem
na universidade, onde há essa
aproximação para desenvolver
projetos visando a inovação.
FOLHA - A SBPC discutiu muito a
política para o etanol. Alguns vêem
risco de o biocombustível começar a
derrubar floresta. Outros acham
que o país pode ficar para trás na
pesquisa e perder a liderança no setor. Qual é sua opinião?
RAUPP - É evidente que o risco
maior é ficar para trás: não fazer nada e ficar sem agregar
tecnologia cada vez mais intensivamente ao produto. A cana
não faz pressão na mata hoje,
ainda. A Embrapa mostra que a
área disponível para cultura fora da floresta é grande.
Metade das áreas agricultáveis ainda está disponível no
cerrado, na região da mata
atlântica e áreas tradicionais.
FOLHA - O senhor critica as desigualdades regionais, principalmente a situação da Amazônia, onde faltam pesquisadores.
RAUPP - Sim, um dos pontos
nessa questão é a justiça federativa. Todos os cidadãos pagam impostos federais e eles
têm de retornar para a sua região proporcionalmente. Então, se você olhar a participação
dos Estados da Amazônia no
PIB nacional, é algo da ordem
de 8% a 9%. E quanto é que eles
têm recebido? Na faixa de 2,5%
dos investimentos federais em
ciência e tecnologia.
Isso significa que a Amazônia
está ajudando a financiar a
ciência no resto do país. E essa
situação não pode ser permanente, porque desenvolver a
Amazônia é estratégico.
FOLHA - Cientistas reclamam da legislação burocrática para coletar
material biológico. Farmacólogos
dizem não conseguir trabalhar. Como está o diálogo com o governo?
RAUPP - A SBPC participa da
proposta de um projeto de lei
que o governo ainda quer mandar para o Congresso. Temos
um grupo de trabalho e fazemos propostas. O Ministério do
Meio Ambiente já discutiu isso
diretamente com a gente, mas é
um processo complexo. O problema é que a medida provisória que existe [para regulamentar a coleta] trata muito mal os
pesquisadores, trata-os como
quem trata um pirata, um camarada que quer pegar uma
coisa para uso comercial.
FOLHA - Mas o que pode ser feito
para diminuir a burocracia?
RAUPP - Nós queremos que o
controle seja feito pelas instituições, que são normalmente
instituições públicas e universidades públicas. Por que não
atribuir a elas uma responsabilidade de controle da destinação desses produtos que eles
estão coletando lá [nas florestas]? Assim como na experimentação animal, isso tem que
ter uma regra geral, mas a distribuição de responsabilidade
pelo controle sobre se a coisa
está sendo feita de acordo com
a lei tem que ser distribuída.
FOLHA - Mas a questão da experimentação animal está bem mais
avançada, não é?
RAUPP - Sim. Mas nunca se sabe. As coisas mudam de repente. A gente achava, por exemplo, que o Supremo fosse se manifestar muito mais decisivamente em favor da constitucionalidade da Lei de Biossegurança, mas foi pau a pau.
Próximo Texto: Frases Índice
|